20 anos da LDB: como a lei mudou a Educação
Confira uma linha do tempo com as alterações no famoso texto e a opinião de especialistas sobre os avanços alcançados e os desafios que permanecem
POR: Marcelo Soares, Nairim BernardoA Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB), sancionada há 20 anos, em 20 de dezembro de 1996, teve importância crucial nas transformações ocorridas desde então. Servindo à Educação como a Constituição serve para o conjunto da legislação brasileira, a LDB abriu espaço para consolidar medidas que ampliaram o acesso e melhoraram o financiamento do ensino no Brasil.
Hoje, a situação ainda está longe de ser ideal, especialmente em termos da qualidade do aprendizado, mas houve importantes avanços nas últimas décadas. A lei também introduziu mecanismos de avaliação do ensino, que hoje se materializam em iniciativas como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Censo Escolar. Com isso, saímos do escuro e conhecemos melhor os resultados do trabalho desenvolvido pelos educadores.
Assim como a Constituição, a LDB foi sendo atualizada e passou a incluir temas que foram ganhando importância na sociedade. Confira todas as mudanças na linha do tempo abaixo.
Para se manter viva e ativa até hoje, a LDB precisou ultrapassar barreiras governamentais e contou com o reforço de mecanismos como o Plano Nacional de Educação (PNE), que define metas e objetivos a serem alcançados a cada 10 anos. “De um ponto inicial de nenhuma informação sobre aprendizado de estudantes em 1994, os governos FHC e Lula sistematicamente construíram um dos mais impressionantes sistemas do mundo para medir resultados educativos”, escrevem os pesquisadores Barbara Bruns, David Evans e Javier Luque no estudo Achieving World-Class Education in Brazil, publicado pelo Banco Mundial há cinco anos. Segundo os autores, entre 1990 e 2010, a evolução na escolaridade da população do Brasil cresceu a um ritmo mais rápido que o da China. Depois do acesso, os maiores desafios para o país, ainda de acordo com eles, seriam a qualificação dos professores, o desenvolvimento das crianças mais vulneráveis e a melhoria da qualidade do Ensino Médio . Temas que seguem bastante presentes no debate neste fim de 2016.
Tramitação e resultados
A LDB de 1996 veio para substituir sua versão anterior, de 1971, e ampliar os direitos educacionais, a autonomia de ação das redes públicas, das escolas e dos professores e deixar mais claras as atribuições do trabalho docente. As discussões sobre uma nova lei que orientasse a Educação brasileira tiveram início ainda em 1988, durante o processo de aprovação da Constituição - que deu aos municípios a atribuição de oferecer o ensino básico à população.
De maneira inovadora para a época, não foi o Executivo quem iniciou as discussões, e sim um grupo de educadores. “A lei foi a construída de uma maneira democrática, por meio de congressos e fóruns e com um debate aprofundado na Câmara”, lembra Maria do Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM e secretária de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC) entre 2007 e 2012. “Isso foi um grande avanço. Se a ordem vem de cima para baixo, dificilmente a mudança chegará a ser aplicada na prática”.
O texto, discutido durante oito anos no Congresso, não gerou consenso por ser considerado muito detalhista, o que poderia dificultar seu cumprimento e, consequentemente, o desenvolvimento da Educação brasileira. A tramitação do projeto chegou a ser interrompida. O então senador Darcy Ribeiro (PDT/RJ) apresentou uma nova versão, reescrita de modo mais aberto e conciso - e essa, enfim, foi a aprovada. “Não saiu como todo mundo queria, mas é um texto que consegue contemplar a realidade educacional do país”, defende Maria do Pilar.
Para se ter uma ideia do impacto causado pela legislação, no início dos anos 90, nada menos do que 39% dos brasileiros com mais de dez anos tinham menos de três anos de instrução e 14% tinham estudado por mais de 11 anos. Passadas duas décadas, a situação se inverteu. 39% têm mais de 11 anos de estudo e menos de 19% ficaram menos de três anos na escola (veja o gráfico abaixo).
Várias outras mudanças foram impulsionadas pelos 92 artigos da lei. Veja abaixo o que professores e especialistas ouvidos por NOVA ESCOLA destacam sobre essas duas décadas da LDB na prática.
Dias letivos
O texto ainda definiu o aumento do tempo letivo para pelo menos 200 dias e 800 horas anuais. Isso provocou, e ainda provoca, muita polêmica. Pedro Demo, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e autor do livro A Nova LDB: Ranços e Avanços considera a ampliação de horas “totalmente inútil, como foi inútil aumentar o Ensino Fundamental de oito para nove anos”. Pilar pondera que “o aumento do tempo é, sim, um avanço na garantia do direito à Educação, mas precisamos investir em tornar esse tempo mais qualificado e proveitoso.”
Formação docente
Um dos principais pontos de divergência durante a criação da LDB diz respeito à formação de professores. Muitos defendiam que os docentes de todas as etapas de ensino deveriam possuir Ensino Superior. “O problema é que isso ainda era uma realidade muito distante para o Brasil. Em muitos lugares, o curso de magistério era muito mais difundido do que o curso de Pedagogia ou do que as licenciaturas”, explica Pilar. Em 1990, apenas um em cada cinco professores tinha feito faculdade. O tema foi sendo atualizado no texto, conforme essa realidade mudava. Como resultado, em 2011, já eram três graduados a cada cinco.
Já sobre a valorização docente, a LDB abriu caminho para alguns avanços. “Para nós, professores, foi positiva a inclusão de horas de estudo pedagógico em nossa carga horária de forma remunerada”, conta a professora e educadora nota 10 Mara Mansani, que já lecionava há 9 anos quando a lei entrou em vigor. Entretanto, nem tudo o que está no papel virou realidade, como o artigo 67, que assegura o piso salarial profissional.
“A valorização profissional dos docentes segue num horizonte distante. Ainda que tenha sido aprovada a Lei do Piso Nacional, alguns Estados e municípios não o cumprem”, lamenta Edite Sudbrack, da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI).
Definição de Educação Básica
A LDB tornou obrigatória e gratuita a Educação Básica, além de especificar quais etapas são contempladas: pré-escola, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Com o tempo, expandiu o ensino básico para nove anos e passou a determinar a matrícula de crianças a partir dos 4 anos.
“A Educação Infantil saiu do campo da assistência para o da Educação. Isso influenciou bastante no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) que passou a contemplar essa etapa inicial e o Ensino Médio também”, explica Pilar.
Divisão de responsabilidade
Outro avanço foi a especificação dos recursos que a União deveria aplicar anualmente em Educação (os 18% do PIB, que agora sofrem alterações com a PEC do Teto dos Gastos). Para Pilar, o regime de colaboração entre a União, os Estados e os Municípios, definido pela lei, ainda é fraco, mas ajudou a melhorar o sistema educacional.
As prefeituras, que estão mais próximas do cidadão, receberam na Constituição a atribuição de oferecer as séries iniciais do Fundamental. Com isso, passou-se a debater mais de perto o ensino. “Essa adaptação foi muito difícil, mas com o tempo pude perceber, pelos municípios que passei, melhorias no transporte, na merenda e na parte física dos prédios. A área pedagógica demorou para tomar outros rumos, mas também melhorou”, comenta Mara.
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