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Holiday nas escolas: saiba o que um vereador pode ou não fazer

Fernando Holiday (DEM-SP) visitou duas escolas municipais em São Paulo. Ele diz que quer fiscalizar "doutrinação ideológica" em sala de aula

POR:
Gustavo Heidrich

Atualizada em 11 de abril de 2017, às 14h45

O vereador paulistano Fernando Holiday (DEM-SP) visitou duas escolas da rede municipal de São Paulo na última segunda-feira (3/4). Em vídeo divulgado em sua página no Facebook e gravado em frente às EMEFs Laerte Ramos e Constelação do Índio, localizadas na zona sul da capital, o integrante do Movimento Brasil Livre (MBL) disse estar fazendo “visitas surpresa” para “conhecer melhor a realidade dos docentes” e “as condições de ensino que os alunos são submetidos”. 

Defensor da proposta conhecida como Escola sem Partido, que pretende impedir manifestações políticas, ideológicas, morais e religiosas dos professores na escola, Holiday diz que continuará a fazer incursões para “coibir qualquer tentativa de doutrinação que nossas crianças e adolescentes possam vir a sofrer”. Mas é essa a função de um vereador? Não.

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Segundo o artigo 31 da Constituição, cabe às Câmaras de Vereadores a fiscalização e controle das contas públicas dos municípios e o acompanhamento da legalidade e legitimidade das ações da prefeitura. A Controladoria Geral da União (CGU), com base no texto constitucional, estabelece a atuação dos vereadores em sete campos: patrimonial, recursos humanos, financeiro, operacional, contratações, orçamentário e no controle da transparência dos gastos da prefeitura (veja o detalhamento de cada um deles aqui).

A Lei Orgânica do Município de São Paulo, citada por Holiday como justificativa para as visitas, estabelece o livre acesso dos vereadores às repartições públicas municipais, mas com poder de fiscalização dentro das mesmas atribuições citadas pela CGU. Segundo o artigo 14 da lei, cabe ao Legislativo, representado pela Câmara de Vereadores, “exercer a fiscalização financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do município, auxiliada, quando solicitado, pelo Tribunal de Contas do Município”.  

Isso quer dizer que os vereadores podem (e devem) fiscalizar tudo que se refere à administração da prefeitura, mas não podem arbitrar sobre conteúdos, metodologias de ensino ou ferir a autonomia profissional dos professores, gestores escolares ou qualquer funcionário público municipal.

Somente o Poder Executivo, no caso da Educação a Secretaria Municipal de Educação, pode atuar nesse sentido, respeitando o que está estabelecido na legislação nacional, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que garante o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a autonomia da escola e dos professores na definição das estratégias de ensino. Nesse âmbito, a atuação dos vereadores está restrita a pedidos de informação para a Secretaria, sem poder interferir ou fiscalizar diretamente.   

Quando Holiday se propõe a entrar nas salas de aula para avaliar os conteúdos e abordagens dos professores, está indo além da sua função e descumprindo a lei. “Se entrar em uma sala sem autorização dos gestores da escola e constranger os professores na sua prática, é abuso de autoridade, e a polícia pode ser acionada para retirar o vereador. A imunidade parlamentar nesse caso não o protege”, afirma o presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB-SP, Adib Kassouf Sad.     

A reportagem de NOVA ESCOLA conversou com gestores das duas escolas visitadas por Holiday até agora. Em ambas, ao contrário do que faz parecer nas redes sociais, ele não entrou nas salas de aula ou fez perguntas sobre conteúdos e metodologia de ensino. “Aqui ele ficou uns dez minutos, deu uma volta e foi embora”, disse um assistente de direção da EMEF Constelação do Índio.

Atualizado: Após a publicação desta matéria, o professor de Geografia da Constelação do Índio, Claudemir Mazucheli, se manifestou nos comentários afirmando que Holiday teve sim acesso a documentos pedagógicos. “Ele entrou na sala da coordenação pedagógica e viu o nosso sistema digital com os planos de aula e os planejamentos dos professores. Fez também perguntas sobre um trabalho que fizemos com os alunos sobre violência contra a mulher”. O professor que é representante do Sinpeem (Sindicato dos Professores em Educação no Ensino Municipal) diz que o grupo de cerca de 40 docentes da escola ficou apreensivo com a presença do vereador e incomodado com a exposição do trabalho da escola nos vídeos postados nas redes sociais. Questionado pela reportagem sobre a denúncia do professor, o diretor da escola, Juscelino Mendes, disse que Holiday teve acesso ao sistema de planejamento de aulas, mas com anuência da gestão da escola.   

Reação

O deputado estadual Carlos Gianazzi (PSOL-SP) foi um dos primeiros a reagir as postagens de Holiday. Ex-diretor de escola e membro da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa de São Paulo, ele entrou com duas representações por abuso de autoridade contra o vereador, uma no Ministério Público Estadual e outra na Corregedoria da Câmara de Vereadores. "Três professores das escolas visitadas por ele procuraram meu gabinete com medo do que estava acontecendo. É uma estratégia de ameaça para tentar colocar em prática o Escola sem Partido, uma proposta que não existe como lei e para qual já há entendimento, inclusive no Supremo, sobre sua inconstitucionalidade”, afirma o deputado.

Outra reação veio do secretário municipal de Educação de São Paulo, Alexandre Schneider. “Evidentemente o vereador exacerbou suas funções e não pode usar seu mandato para intimidar professores. A escola, como qualquer organização social pública ou privada, não é nem nunca será um espaço neutro”, escreveu o responsável pela pasta na gestão do prefeito João Dória em sua página no Facebook, nesta terça-feira (4/4).

Procurada por NOVA ESCOLA, a assessoria de Holiday disse que o vereador daria entrevista, mas após o envio das perguntas em que questionamos qual a rotina de observação e os critérios para identificar a doutrinação, ele apenas emitiu uma nota na manhã desta quinta-feira (6/4) que reproduzimos na íntegra abaixo: 

“Todas as visitas foram cordiais e sob supervisão dos responsáveis, conforme atestaram os profissionais de ambas as escolas. Encontramos excelentes profissionais e nenhuma irregularidade. Infelizmente, por divergência ideológica, partidos e entidades ligados à esquerda passaram a inventar mentiras sobre visitas que qualquer pai e mãe poderia — e deveria — fazer. Essa postura intransigente e obscura preocupa e demonstra a necessidade de se ter transparência no conteúdo escolar, em respeito a nossas crianças e suas famílias; por isso continuaremos trabalhando.”

Veja as perguntas que Holiday não respondeu à NOVA ESCOLA.

+ Nas duas escolas que visitou até agora – EMEFs Laerte Ramos e Constelação do Índio – qual foi a rotina do vereador (o que foi observado? Visitou salas? Conversou com alunos e professores?)? Qual a intenção das visitas?


+ Na divulgação das visitas em sua página do Facebook, o vereador menciona a necessidade de “coibir a tentativa de doutrinação das crianças e adolescentes”. Isso foi observado nas visitas? Quais são os critérios e metodologia usados pelo vereador para identificar essa doutrinação?


+ Nas atribuições das Câmaras de Vereadores, segundo a Constituição, está o poder fiscalizador da gestão municipal, mas no âmbito das contas e gastos públicos e não no controle de metodologias de ensino e aprendizagem, para as quais está assegurada a autonomia da rede e da escola e seus profissionais. Ao fazer visitas com essa intenção, o vereador não extrapola sua função pública?


+ O vereador pretende continuar as visitas? Há alguma articulação ou agenda com a Secretaria Municipal de Educação?

O Escola Sem Partido

O Movimento Escola sem Partido surgiu em 2004 e pretende tornar lei um conjunto de seis medidas para coibir a “prática da doutrinação política e ideológica em sala de aula e a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a educação moral dos seus filhos”, segundo seu site. Entre essas medidas, que, de acordo com o Movimento, deverão ser fixadas em todas as salas de aula do país, está a proibição dos professores em manifestar opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias na escola. O descumprimento poderia levar a detenção por até seis meses do docente, além da inabilitação para qualquer cargo público por três anos.  

O projeto de lei 193 de 2016, de autoria do senador Magno Malta estabelece a criação do programa em nível federal. Aberto à consulta pública, ele tem atualmente 203 mil votos contra e 190 mil a favor. Há também iniciativas em nível estadual e municipal. Uma delas, em Alagoas, chegou a entrar em vigor, mas foi invalidada por uma decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Luís Roberto Barroso entendeu que a proposta é inconstitucional. “A liberdade de ensinar e o pluralismo de ideias constituem diretrizes para a organização da educação impostas pela própria Constituição. O estado não pode sequer pretender complementar tal norma”, afirmou o ministro ao proferir a decisão em março de 2017.     

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