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Referências a gênero dominam a primeira das audiências finais da Base

Oralidade e escrita na Educação Infantil, questões indígenas e exclusão do Ensino Religioso também marcaram as discussões em Manaus

POR:
Laís Semis
César Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), presidiu o evento. Foto: Laís Semis / NOVA ESCOLA

O documento que guiará os currículos de todas as escolas públicas e privadas do Brasil está na reta final. Nesta sexta (7), tiveram início as audiências públicas em que serão coletadas as últimas sugestões para o texto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil e Ensino Fundamental. Promovido pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), o primeiro encontro ocorreu em Manaus, Amazonas - estado em que o Secretário de Educação Básica Rossieli Soares chefiou a pasta de Educação estadual de 2012 a 2016.

As audiências não têm caráter deliberativo, mas devem trazer indicações sobre pontos ainda de atenção da Base na perspectiva da sociedade civil. “Apesar de em cada uma das audiências termos as peculiaridades - aqui é a comunidade indígena -, com essa primeira audiência vamos entender um pouco a temperatura do debate”, explica Rossieli Soares, secretário de Educação Básica. “Há uma expectativa de saber a posição de movimentos sociais e em que partes há indicativos de melhorias”, diz.

Com o limite de três minutos por participante, instituições, educadores, movimentos indígenas e universitários trouxeram pontos que consideram necessitar de revisão. Confira os destaques da audiência de Manaus:

Gênero e orientação sexual
No tema mais citado da audiência não houve consenso. Muitos dos inscritos defenderam a necessidade de ressaltar termos ligados à noção de identidade de gênero e orientação sexual. Foi o caso de Kátia dos Santos, presidente da Undime Pará, que considerou esse debate urgente para avançar no assunto. Outras falas trouxeram dados sobre as agressões verbais e físicas sofridas por preconceito dentro das escolas e como a ausência das expressões pode fortalecê-lo. “O ambiente escolar têm sido um local de frequente manifestação de violências e preconceitos”, diz Jolete Ribeiro da Silva, do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes. “A invisibilização dessa discussão na escola aumentará os índices de LGBTfobia acarretando evasão escolar, ambientes inadequados de aprendizagem e discriminação”, afirma.

LEIA MAIS: "Gênero” e “orientação sexual” têm saído dos documentos sobre Educação no Brasil. Por que isso é ruim?

Do outro lado, estudantes que se identificavam como "cristãos", uma professora universitária e um seminarista se posicionaram a favor da retirada de todas as menções à gênero no documento. O fato de o Plano Nacional de Educação (PNE) e muitos Planos Municipais não contemplarem esses termos foi usado como argumento de que a população não quer que essa seja uma diretriz na Educação. “Eis que, ainda assim, nos deparamos com esse flagrante desrespeitoso do poder público que tem insistido em ignorar a vontade de toda uma nação e inserir a ideologia de gênero nas práticas educacionais”, argumentou Thais Franco, estudante da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Outro participante utilizou o termo “câncer” para se referir às discussões de gênero.

Ensino Religioso
A Associação Nacional da Educação Católica do Brasil, o Fórum Nacional dos Professores de Ensino Religioso e o Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa se pronunciaram sobre a retirada da disciplina da Base. “Solicitamos a reintegração de um grupo de especialistas para dar continuidade à elaboração do texto final da BNCC, como já havia na segunda versão”, disse Francisco Bastos, representante das duas últimas instituições citadas e um dos redatores das versões anteriores do documento. De acordo com o Ministério da Educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estipula que a responsabilidade de definir os conteúdos da disciplina é dos estados e municípios. Assim, ter uma Base de Ensino Religioso seria uma intervenção indevida a outras esferas do governo.

Educação Infantil
O Fórum Amazonense de Educação Infantil, representado pela professora Elaine Nesbot, pediu a retomada do campo de experiência  “Escuta, Fala, Linguagem e Pensamento”, que passou a ser “Oralidade e Escrita” na última versão do documento. A mudança representaria uma redução das concepções de linguagem e ensino aprendizagem da Educação Infantil devido às especificidades da etapa. “O campo foi proposto nas primeiras versões do documento com uma importante estratégia de diferentes linguagens que trouxesse para o cotidiano das unidades o momento de escutar, no sentido de acolher mensagens orais, corporais e musicais. Além das mensagens faladas e trazidas por textos escritos. Há o entendimento de não expressar somente pela oralidade, como também pela linguagem de sinais, escrita espontânea, braile e desenhos”, defendeu. A professora explicou que trabalhar com esse importante conjunto de linguagens pode ampliar o pensamento sobre si, sobre o mundo e sobre as próprias linguagens.

Beatriz Ferraz, representante do Movimento Pela Base, pediu a retomada dos trechos da versão 2 do documento que faziam referência às Diretrizes Curriculares buscando dar maior clareza à concepção de crianças. “Também sugerimos um texto que trabalhe com clareza o papel do professor, que fale sobre tempo, espaços e materiais - pilares fundamentais para Educação Infantil - e que trate da concepção da escola com a família, considerando que nessa etapa há uma necessidade de complementaridade”, apresentou.

Houve grande presença do público na audiência da Base em Manaus (Lara Alcadipani / Fundação Lemann)

Questões indígenas
O Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas abriu o seminário pautando a necessidade de que fossem consideradas as especificidades culturais e linguísticas dos diferentes povos. “Conseguimos conquistar legalmente a possibilidade de uma escola diferenciada para as comunidades indígenas pensadas a partir das nossas necessidades. Mas entendemos que a BNCC, se destinada às escolas indígenas do que jeito que está posta, configura como um retrocesso à essa escola diferenciada por conta da sua característica homogeneizadora e monocultural”, pontuou um dos representantes da organização, professor Rossinir Maduros. “Temos mais de mil escolas indígenas só no Amazonas. Não estamos refutando a escola em nossa comunidade. Só não queremos aquela escola colonizadora, queremos uma escola para nós, pensada por nós”, disse. Outros educadores indígenas também se manifestaram a favor da posição.

Suely Melo Castro Menezes, presidente do Conselho Estadual de Educação do Pará, explicou que a Educação Indígena não se encontra no documento porque esta caberia na parte diversificada dos currículos estaduais e municipais e nos projetos políticos-pedagógicos (PPP). “A Língua Portuguesa aparece porque é comum a todos. Temos 180 línguas. Não podemos fazer uma base comum de 180 línguas obrigatória a todos os brasileiros”, disse.

Impressões
“Aqui nós tivemos uma amostra da diversidade que o Brasil têm que considerar numa Base Curricular, não somente admitindo que a diversidade existe, mas fazendo referências mais explícitas. Temos um desafio de incorporar algo subentendido na Base”, analisa César Callegari, presidente da Comissão da BNCC no Conselho Nacional de Educação (CNE).

Para Rodrigo Fróes, diretor escolar e Educador Nota 10 de 2016, apontou a necessidade de maior participação de quem está ativo nas escolas. “Não vejo muitos diretores nem professores de sala de aula e estamos discutindo a Base que esses atores trabalharão”, disse Rodrigo. “Penso que ações como a audiência pública são essenciais porque nos dão voz”.

Antônio Neto, membro do Instituto Ayrton Senna, avaliou a audiência como positiva por ser mais um momento de tornar público o debate e de escuta sobre o documento - que já passou por seminários estaduais e uma consulta pública online. “No entanto, muitas falas ficaram no campo da percepção política e poucas entraram realmente em um debate qualificado sobre o documento em si, com contribuições para a construção do documento. Mas, de todo modo, foi um processo importantíssimo para o desdobramento da BNCC”, considera.

A próxima audiência acontece em 28 deste mês em Recife, Pernambuco, estado de Mendonça Filho, Ministro da Educação. As inscrições para participar da audiência estarão abertas a partir do dia 17. Como as vagas são limitadas e metade delas são reservadas à instituições convidadas, a recomendação é que os interessados façam suas inscrições nos primeiros dias de sua abertura. O CNE também está recebendo contribuições fundamentadas e com autoria identificada pelo email cne.bncc@mec.gov.br. Saiba mais aqui.

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