Bullying ocorre por até um ano e meio sem que escola saiba. Veja como evitar
Especialistas dão 7 dicas para que educadores e famílias identifiquem o fenômeno o quanto antes
POR: Caroline MonteiroQuando um caso de bullying acaba indo a público, uma das frases mais ouvidas dentro das escolas é: “nós não sabíamos que isso acontecia aqui”. O tema é largamente discutido por educadores, mas nem sempre é suficiente para se evitar que o problema continue grave. O exemplo mais recente aconteceu em 20 de outubro, quando um adolescente atirou em colegas e matou dois estudantes dentro do Colégio Goyases, em Goiânia.
Tanto a escola como os pais do aluno que atirou e de um dos meninos que morreu afirmaram desconhecer a existência do bullying. Mas outros colegas deram entrevistas confirmando que o atirador era alvo de ataques. É possível que todos estejam falando a verdade.
Muitos casos são escancarados entre os alunos, mas ficam longe dos olhares dos adultos. Segundo Adriana Ramos, do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Moral (Gepem), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), quando um adulto descobre o bullying, o aluno já sofre há pelo menos um ano e meio.
Isso acontece, entre outros motivos, porque ainda há desconhecimento sobre como o bullying se caracteriza e também devido a minimização dos seus efeitos. Agressões verbais, desrespeito e tentativa de diminuir o outro, se isoladas, podem ser vistas pelos profissionais apenas como uma provocação momentânea, “coisa de adolescente”. Mas, infelizmente, essas atitudes podem fazer parte de um contexto maior, mais complexo e perigoso.
Então, o que falta para que o bullying saia do escuro e seja realmente enxergado? NOVA ESCOLA entrevistou especialistas para entender o que a comunidade escolar e as famílias podem fazer para que o bullying deixe de ser invisível. Mas antes, saiba: não existe fórmula mágica. É preciso dedicação a longo prazo e atitudes em diferentes esferas.
1) Conheça o fenômeno
O primeiro passo é entender o que é o bullying, como ele se manifesta, quais são suas principais características, causas e consequências. A violência entre pares (ou seja, nas relações onde não há diferença de autoridade – entre alunos, entre professores ou entre irmãos, por exemplo) pode acontecer em qualquer idade a partir dos 18 meses, que é quando as crianças começam a desenvolver sua identidade e precisam da afirmação do outro. Por isso, é importante de fato conhecer esse tipo de maltrato, até mesmo para diferenciá-lo de outros problemas de convivência que vão exigir diferentes tipos de intervenção.
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2) Não queira que a escola seja onisciente
Essa dica parece contraditória quando se diz que o bullying precisa deixar de ser invisível. Mas é possível, sim, que a escola passe a "enxergar" o fenômeno, mesmo que ela não saiba de tudo o que acontece nos corredores. Isso faz sentido justamente porque uma das características do bullying é ser uma violência velada. Então, não adianta esperar que ele aconteça em frente aos olhos das autoridades escolares. É importante saber que, se ele existe, está "escondido". E estar ciente isso ajuda a ir adiante nos próximos passos.
O mesmo vale para o cyberbullying, aquele que acontece no mundo online – nas redes sociais ou nos grupos de mensagem – mas que é ainda mais difícil de ser “enxergado”. Até porque, muitas vezes nem a própria vítima sabe de quem vem as agressões.
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3) Não minimize os conflitos dos alunos
Segundo Adriana Ramos, a escola costuma dar mais atenção aos conflitos que afetam diretamente professores, coordenadores ou funcionários, como desrespeito, indisciplina, insubordinação e até agressão física. Mas é preciso ter um olhar especial para o desrespeito entre os estudantes. "Minimizar os conflitos pode fazer com que eles sejam naturalizados e que o alvo da humilhação se sinta responsável pelo que está acontecendo", afirma. "É preciso um olhar especial, sem justificar que é 'coisa de criança ou de adolescente'".
4) Traga a família para perto
Manter um canal aberto e efetivo com as famílias pode ajudá-las a perceber se os jovens estão em um cenário onde o bullying também é presente. Isso funciona tanto para os adolescentes que são alvo das agressões ou para os que praticam os ataques. Para Luciene Tognetta, professora de psicologia escolar da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenadora do Gepem, pais e responsáveis devem entender que eles têm grande parte da responsabilidade. “Pesquisas mostram que os estilos de Educação parental têm a ver com a potencialização de uma vítima ou de um autor. Pais autoritários podem formar filhos que se veem com pouco valor. Logo, podem virar alvo do bullying ou mesmo agressor”, diz. Segundo a especialista, os pais costumam negligenciar as experiências e relações dos seus filhos nas escolas.
No entanto, é importante dizer que, apesar de os pais serem extremamente importantes no processo de formação dos filhos, eles não são profissionais com conhecimento pedagógico e, por isso, a escola não pode abdicar desse papel.
5) Crie um plano organizado dentro da escola
Eventos anuais, palestras e rodas de debate esporádicas não resolvem. "Fazemos campanhas de conscientização há 17 anos e ainda não resolvemos o problema do bullying", diz Luciene. "Meninos e meninas precisam de espaços para falar sobre o que sentem. Eles têm que falar sobre aquilo que os deixam preocupados, com raiva, o que tem valor para eles e o que não tem, a quem eles admiram e a quem não admiram", defende a especialista.
A sugestão é fazer assembleias e trabalhos com dilemas hipotéticos e reais para que os participantes possam discutir soluções de problemas que têm a ver com bullying e indisciplina, por exemplo. Assim, os próprios alunos começam a criar ferramentas para identificar os estudantes que são alvo de bullying e precisam de ajuda, e também para inibir aqueles que o praticam.
SAIBA MAIS: Por que estamos discutindo mal o caso do Colégio Goyases
6) Coloque a convivência como conteúdo pedagógico
Não é só no contraturno que o tema deve ser debatido. Segundo Adriana Ramos, a escola tem que, de fato, olhar para a convivência respeitosa e incentivá-la entre as crianças e os jovens. Da mesma forma, os profissionais que trabalham com Educação devem ter formação no tema, independente do cargo que ocupam na escola. "Falta embasamento teórico. Quando professores e funcionários começam a estudar de forma séria sobre isso, passam a enxergar a questão com outros olhos", diz Adriana. "Pode ser que o professor não perceba, mas alguém dentro da escola vai perceber".
Esse ponto de vista sobre o bullying faz com que as relações sejam humanizadas. A especialista cita a coordenadora Simone Maulaz Elteto, do Colégio Goyases, que contou ao programa Fantástico, da TV Globo, como conseguiu acalmar o jovem que atirou nos colegas. "Ela disse que colocou a mão no ombro dele. E aí ele confiou nela. O bullying desumaniza a vítima, e ele precisa ser visto como uma pessoa. Então ela conseguiu controlá-lo em situação extrema, de muita fúria."
7) Não criminalize
As punições e advertências podem solucionar rapidamente uma situação específica, mas, com o passar do tempo, fazem com que fique ainda mais difícil identificar a violência. E pior, a vítima logo volta a ser alvo do bullying, muitas vezes mais intenso.
Por ser um problema complexo, a intervenção também será elaborada. Não adianta querer resolver de forma rápida. "O cuidado implica necessariamente em tempo, com atitudes a médio ou longo prazo. Por isso, a prevenção é tão importante", diz Adriana.
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