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Base: o que esperar de Português e Matemática no Novo Ensino Médio

As duas disciplinas são obrigatórias para os três anos do Ensino Médio. Saiba o que a Base Nacional do Ensino Médio lhes reserva

POR:
Paula Peres
Foto: Getty Images

A primeira audiência pública programada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) para discutir a Base do Ensino Médio será em 11 de maio em Florianópolis. A expectativa é que as discussões vão girar, em boa parte, em torno do peso que Língua Portuguesa e Matemática terão no currículo – e que poderiam tirar espaço de outras matérias, segundo alguns. Somado à discussão sobre a possibilidade de cumprir aulas à distância, o resultado poderá ser um debate acalorado que se estenderá pelos próximos meses.

Para quem chegou agora na conversa 
Ensino Médio: Base vai ter Português, Matemática e...

A Base Nacional do Ensino Médio foi entregue pelo Ministério da Educação (MEC) para aprovação do CNE no início deste mês. Vazamentos anteriores criaram muita expectativa em torno do texto. Um dos grandes barulhos a respeito do tema foi quando, em uma apresentação do MEC para os secretários estaduais de Educação, somente as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática estavam indicadas como obrigatórias. As demais seriam inseridas nas áreas de conhecimento, de maneira interdisciplinar.

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Apesar de soar estranha, essa organização já estava prevista na reforma do Ensino Médio, de acordo com o MEC e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). Pois bem: a Base foi divulgada oficialmente, e de fato, Português e Matemática são as duas únicas disciplinas que devem ser oferecidas nos três anos e têm competências e habilidades específicos para elas.

Enquanto Língua Portuguesa, além de ser uma disciplina, é um componente da área de Linguagens (que ainda tem Artes, Educação Física e Língua Estrangeira, que devem se integrar em competências e habilidades interdisciplinares), Matemática tem toda uma área exclusiva. Além disso, existe a obrigatoriedade de trabalhar essas duas disciplinas ao longo dos três anos do Ensino Médio, mas não está prevista qualquer forma de distribuição das habilidades ou sequer uma sequência entre elas. Tudo ficará a cargo dos currículos.

A professora Maria José de Nóbrega, do Instituto Vera Cruz e assessora na área de Língua Portuguesa, considera que, na ânsia de garantir a autonomia e a flexibilização para as redes, as escolas e os estudantes, faltou um pouco mais de especificidade nas habilidades e nos conteúdos. “Todo o discurso e a justificativa da existência de uma Base é você ter clareza do que se espera que o aluno aprenda em cada ano. Se agora ficará a cargo dos estados e municípios a tarefa de apontar o que os estudantes devem aprender, então para quê uma base? Poderíamos ir direto para os currículos”, diz. Conversamos com Maria José e outros professores sobre os textos de Matemática e Língua Portuguesa. Veja, a seguir, mais detalhes sobre eles.

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Foto: Getty Images

MATEMÁTICA

Matemática é a única disciplina da área de Matemática e suas tecnologias. “Temos cerca de 400 a 470 horas dedicadas somente à disciplina”, explica o professor Ruy Pietropaolos, autor dos textos da área na BNCC desde a primeira versão. O texto que explica o que se pretende trabalhar com os alunos está organizado de uma maneira diferente da apresentada na Base do Ensino Fundamental. “No Fundamental era mais fácil, tínhamos as habilidades e uma sequência de ampliação a cada ano”, lembra Ruy.

De acordo com a própria BNCC, “No Ensino Médio, na área de Matemática e suas Tecnologias, os estudantes devem utilizar conceitos, procedimentos e estratégias não apenas para resolver problemas, mas também para formulá-los, descrever dados, selecionar modelos matemáticos e desenvolver o pensamento computacional, por meio da utilização de diferentes recursos da área”. Veja como isso se desdobra nas competências e nas habilidades descritas.

As competências da área
São cinco competências gerais esperadas do aluno (veja abaixo), que desdobram-se em habilidades. “De certa forma, as competências do Ensino Fundamental são retomadas no Ensino Médio”, explica o professor Ruy. “A Matemática entra com o conteúdo para desenvolver aquelas competências”. Kátia Smole, diretora da Mathema e consultora de NOVA ESCOLA no projetos de Planos de Aula, concorda. “É um avanço termos competências específicas que dialogam com as competências gerais, de desenvolvimento integral do aluno”, comenta.

Competências específicas de Matemática e suas tecnologias para o Ensino Médio

  1. Utilizar estratégias, conceitos e procedimentos matemáticos para interpretar situações em diversos contextos, sejam atividades cotidianas, sejam fatos das Ciências da Natureza e Humanas, ou ainda questões econômicas ou tecnológicas, divulgados por diferentes meios, de modo a consolidar uma formação científica geral.
  2. Articular conhecimentos matemáticos ao propor e/ou participar de ações para investigar desafios do mundo contemporâneo e tomar decisões éticas e socialmente responsáveis, com base na análise de problemas de urgência social, como os voltados a situações de saúde, sustentabilidade, das implicações da tecnologia no mundo do trabalho, entre outros, recorrendo a conceitos, procedimentos e linguagens próprios da Matemática.
  3. Utilizar estratégias, conceitos e procedimentos matemáticos, em seus campos - Aritmética, Álgebra, Grandezas e Medidas, Geometria, Probabilidade e Estatística - para interpretar, construir modelos e resolver problemas em diversos contextos, analisando a plausibilidade dos resultados e a adequação das soluções propostas, de modo a construir argumentação consistente.
  4. Compreender e utilizar, com flexibilidade e fluidez, diferentes registros de representação matemáticos (algébrico, geométrico, estatístico, computacional etc.), na busca de solução e comunicação de resultados de problemas, de modo a favorecer a construção e o desenvolvimento do raciocínio matemático.
  5. Investigar e estabelecer conjecturas a respeito de diferentes conceitos e propriedades matemáticas, empregando recursos e estratégias como observação de padrões, experimentações e tecnologias digitais, identificando a necessidade, ou não, de uma demonstração cada vez mais formal na validação das referidas conjecturas.

Os eixos
Os eixos são as áreas da Matemática que ajudam a organizar o conteúdo. Na Base do Ensino Fundamental, eles eram: Álgebra, Aritmética, Grandezas e Medidas, Geometria e Probabilidade e Estatística. Na Base do Ensino Médio, apesar de aparecerem no texto, como nas competências específicas apresentadas acima, as habilidades não se organizam de acordo com os eixos.

No texto da Base, eles foram substituídos por “um conjunto de pares de ideias fundamentais que produzem articulações entre os vários campos”, como variação e constância, certeza e incerteza, movimento e posição, etc.

Para piorar a confusão, os pares de ideias também não ajudam a organizar as habilidades. Para a professora Katia Smole, essa mudança na linguagem pode causar uma ruptura entre as duas etapas de ensino. “Há um risco de fazer com que a Base de Matemática do Ensino Médio seja o mesmo que os Parâmetros de Matemática do Ensino Médio: trabalhamos com uma linguagem diferente e isso causou uma sensação de ruptura, e não de integração”, aponta.

As habilidades
“Um primeiro erro que os professores talvez possam cometer é achar que estamos indicando uma sequência que deve ser seguida. Não existe ordem”, argumenta Ruy. Ou seja: para trabalhar um determinado conteúdo, os professores podem conjugar habilidades diferentes, de competências diferentes. “No texto, as habilidades estão organizadas pelas competências, mas não é a ordem que ele vai ensinar”, alerta Ruy.

Essa forma de organização tem pontos positivos e negativos, segundo Katia Smole. Por um lado, é bom ter um foco mais aberto para a disciplina. Por outro, é necessário estabelecer uma ordem. O desafio será entender que, apesar de não haver uma sequência indicada, a Matemática ainda precisa organizar seus conteúdos por anos. “A Matemática tem abertura para trabalhar determinadas coisas em ordens diversas. Mas dentro de uma mesma área, Geometria, por exemplo, é necessário organizar a ordem dos conteúdos, porque alguns conceitos são necessários para aprofundar outros. Ao final do terceiro ano, o que o aluno precisa ter aprendido? Isso ainda não está claro, é um desafio de análise dessa versão”, diz.

O próprio professor Ruy Pietropaolos reconhece que isso pode causar problemas. “A Base do Fundamental estava mais fácil porque indicava a sequência dos anos. Mas acredito que as formações com os técnicos das secretarias estaduais de Educação vão ajudar a entender a proposta. Os estados precisarão traduzir essa Base em um currículo”.

Os conteúdos
Ruy não foge da polêmica com relação aos conteúdos abordados: “A Base precisava ser enxuta. Tudo o que damos atualmente não cabe em uma carga de até 470 horas. Tivemos que priorizar”, conta.

Segundo ele, os dois critérios principais para os conteúdos eram temas relacionados ao cotidiano, com aplicação prática evidente, e conteúdos que têm um grau de abstração maior, mas que ajudam a explicar o pensamento matemático. “Estamos pensando em uma Base comum para todo mundo: para quem vai estudar línguas orientais em uma universidade federal e quem vai fazer curso para ser garçom. Os conteúdos têm que ser ligados ao cotidiano, como Matemática Financeira, probabilidade, funções”, aponta o professor.

E o resto? “Os alunos que se interessarem pela área podem se aprofundar nas 1200 horas”. Ele se refere ao itinerário específico da área cuja organização ficará a cargo das escolas. “Na Base obrigatória, nós escolhemos aquilo que vai ajudar o aluno a compreender o mundo”, diz.

Relação com outras áreas
A professora Katia Smole alerta, ainda, para uma análise que deve ser feita a partir de agora, mas que demanda tempo. “Precisamos olhar a Base de Matemática e compará-la com a do Ensino Fundamental, para verificar se elas dialogam, e também com as de Ciências da Natureza e Ciências Humanas”. Segundo ela, é necessário verificar se as habilidades priorizadas nas outras áreas estão contempladas pela Matemática. “Existe uma relação entre a Matemática e o que se espera da aprendizagem das Ciências que não deve ser esquecida”, defende.

Foto: Getty Images

LÍNGUA PORTUGUESA

Língua Portuguesa compartilha a área de Linguagens e suas tecnologias com Arte, Educação Física e Língua Estrangeira. Porém, é a única disciplina que tem habilidades específicas exclusivas.

Na BNCC, a área de Linguagens e suas Tecnologias para o Ensino Médio está assim descrita: “O foco da área (...) está na ampliação da autonomia, do protagonismo e da autoria nas práticas de diferentes linguagens; na identificação e na crítica aos diferentes usos das linguagens, explicitando seu poder no estabelecimento de relações; na apreciação e na participação em diversas manifestações artísticas e culturais e no uso criativo das diversas mídias.”

Na opinião de Maria José de Nóbrega, o texto espera que um jovem muito autônomo e crítico esteja chegando ao Ensino Médio – o que nem sempre acontece na prática. “A não ser que eles estejam desenhando um projeto para o futuro”, ressalva. “Atualmente, nós recebemos jovens com muitas fragilidades no Ensino Médio. Qual a base empírica para você propor uma autonomia tão grande? Eu adoraria que esse cenário fosse uma possibilidade, mas hoje é difícil”. A seguir, a professora comenta sobre as competências e habilidades em Língua Portuguesa.

As competências e habilidades da área
São sete competências, herdadas da área de Linguagens e suas tecnologias:

  1. Compreender o funcionamento das diferentes linguagens e práticas (artísticas, corporais e verbais) e mobilizar esses conhecimentos na recepção e produção de discursos nos diferentes campos de atuação social e nas diversas mídias, para ampliar as formas de participação social, o entendimento e as possibilidades de explicação e interpretação crítica da realidade e para continuar aprendendo.
  2. Compreender os processos identitários, conflitos e as relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitar as diversidades, a pluralidade de ideias e posições e atuar socialmente com base em princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, e combatendo preconceitos de qualquer natureza.
  3. Utilizar diferentes linguagens (artísticas, corporais e verbais) para exercer, com autonomia e colaboração, protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva, de forma crítica, criativa, ética e solidária, defendendo pontos de vista que respeitem o outro e promovam os Direitos Humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável, em âmbito local, regional e global.
  4. Compreender as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-as e vivenciando-as como formas de expressões identitárias, pessoais e coletivas, bem como respeitando as variedades linguísticas e agindo no enfrentamento de preconceitos de qualquer natureza.
  5. Compreender os múltiplos aspectos que envolvem a produção de sentidos nas práticas sociais da cultura corporal de movimento, reconhecendo-as e vivenciando-as como formas de expressão de valores e identidades, em uma perspectiva democrática e de respeito à diversidade.
  6. Apreciar esteticamente as mais diversas produções artísticas e culturais, considerando suas características locais, regionais e globais, e mobilizar seus conhecimentos sobre as linguagens artísticas para dar significado e (re)construir produções autorais individuais e coletivas, de maneira crítica e criativa, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas.
  7. Mobilizar práticas de linguagem no universo digital, considerando as dimensões técnicas, críticas, criativas, éticas e estéticas, para expandir as formas de produzir sentidos, de engajar-se em práticas autorais e coletivas, e de aprender a aprender nos campos da ciência, cultura, trabalho, informação e vida pessoal e coletiva.

Por tudo isso, Maria José é categórica ao dizer que as habilidades de Linguagens estão pedindo um estudante melhor formado do que aquele presente nas escolas. “Eles esperam que o estudante chegue dominando as práticas de leitura e compreensão de texto, mas não é isso que as avaliações em larga escala falam”, critica. “A impressão que dá é que a dimensão acadêmica tenha sido resolvida no Ensino Fundamental, e agora eles estão prontos para atuar, desenvolver projetos de intervenção, monitorar o que os políticos estão fazendo. Como podemos pedir que o estudante faça uma análise crítica à própria cultura juvenil se ele já tem uma série de fragilidades?”

O próprio texto da Base concorda com os apontamentos de Maria José, de certa maneira: “Uma vez que muitas habilidades já foram desenvolvidas e um grau de autonomia relativo às práticas de linguagem consideradas já foi alcançado, as habilidades passam a ser apresentadas no Ensino Médio de um jeito próximo ao requerido pelas práticas sociais, muitas vezes misturando, ao mesmo tempo, escuta, tomada de nota, leitura e fala.”

A professora ainda aponta uma arriscada redundância com relação às habilidades requeridas nos anos finais do Ensino Fundamental, mais especificamente 8º e 9º anos. “A redação das habilidades está muito semelhante, só que pedem que seja feito com mais intensidade. Mas como isso vai ser feito? Esse aprofundamento ainda não está claro, não mostram o caminho”.

Os eixos
Assim como em Matemática, os eixos de Português (oralidade, leitura, produção de texto e análise linguística/semiótica) também continuam existindo, mas deixam de servir de norte para organizar as habilidades. “Embora eles declarem que os eixos são os mesmos, quando as habilidades se apresentam, elas estão misturadas. O professor precisa deduzir a qual eixo ela pertence”, comenta Maria José.

As habilidades estão organizadas por campos de atuação: campo da vida pessoal, artístico-literário, das práticas de estudo e pesquisa, jornalístico-midiático e vida pública. Para cada campo, há possíveis práticas (leitura, escrita, produção de textos, etc) que podem ser relacionadas a eles e as habilidades a serem desenvolvidas. Há quem defenda esta ou aquela maneira de organizar as habilidades. Para Maria José, o maior desconforto está na ruptura entre um texto e outro. “Minha questão é: qual vai ser a nossa escolha? Por campos de atuação? Ok, então vamos fazer toda a Educação Básica trabalhar por campos. Por práticas? Então todas as etapas deveriam trabalhar assim”, diz.

Agora é esperar pelas audiências do Conselho Nacional de Educação para ver se essa e outras respostas vão surgir – ou não.