“A formação precisa deixar de ser problema e virar solução”
Guiomar Namo de Mello, diretora da Escola Brasileira de Professores, fala sobre os desafios de formação docente
POR: Laís SemisA falta de alinhamento entre a teoria da formação inicial e a prática do dia a dia na escola é uma questão bem conhecida dos professores. Com a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), esse desafio ganha uma nova proporção. “Vamos ter que mexer muito nos cursos”, resume Guiomar Namo de Mello, diretora da Escola Brasileira de Professores e integrante da equipe técnica da BNCC. Para Guiomar, o trabalho de formação – tanto inicial quanto continuada – será tão grande quanto o da própria construção da Base. O tema foi discutido durante a Bett Educar 2018, na palestra “As 10 competências da BNCC e a formação de professores”.
Os resultados da Educação Básica refletem as falhas de formação
Na Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) referente ao ano de 2016, apenas 45,27% dos alunos do 3º ano do Ensino Fundamental obtiveram um nível de proficiência considerado satisfatório para leitura. A taxa de reprovação na série é de 11% no Brasil. No 5º ano, ela chega a 19,6%. No 9º, ela atinge 24,2%. Embora os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do mesmo ano apontem melhoria nos anos iniciais, transparece a estagnação no Ensino Médio. Além disso, 21,6% dos professores em sala não possuem superior completo.
Para a especialista, os dados refletem as falhas de formação docente. “A qualidade das aprendizagens [dos alunos da Educação Básica] depende da qualidade do trabalho do professor. Essa é uma premissa básica”, afirma Guiomar. E considerando o atual contexto de implementação da BNCC, uma formação que prepare tanto os professores em sala quanto os novos é peça essencial para que o documento se torne realidade. Para ela, há um desencontro entre formação e BNCC. “É quase como dizer: a Base depende do trabalho do professor. Precisamos que a formação inicial do professor deixe de ser parte do problema e passe a ser parte da solução”, afirma.
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A formação pede prática
Guiomar de Mello diz que a distância entre o que é ensinado nos cursos do ensino superior e o chão da sala de aula é grande. “Temos um modelo falido de formação”, diz, para logo complementar: “O aluno tem que entender a dimensão prática da profissão”. Para isso, a teoria não deveria ser descolada da prática, mas sistematizada e encarada como um componente curricular. A residência pedagógica poderia ser um primeiro passo para corrigir esse fator. No entanto, ainda é uma iniciativa pequena para o número de futuros professores que se formarão nos próximos anos.
Em fevereiro, o Ministério da Educação (MEC) anunciou 45 mil vagas para a residência pedagógica, mas só nos cursos de Pedagogia há mais de 670 mil alunos matriculados. Os cursos de licenciatura passam de 1,5 milhão de matrículas. Dados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2012 mostram que dos estudantes que concluíram o Ensino Superior, 25% cursaram Pedagogia ou licenciaturas.
De acordo com o estudo “Desigualdades institucionais e sociais nos cursos de Educação no Brasil” (2017), o Brasil é um dos países que mais forma profissionais na área educacional. Para atender tal demanda, seria preciso que as ofertas de programas como a residência pedagógica fossem muito mais amplas. Outro ponto a considerar seria a revisão da estrutura dos cursos, para alinhar melhor teoria e prática. Como comparação, Guiomar cita o exemplo das faculdades de medicina. “Não se pode abrir um curso de medicina no Brasil sem provar que você dispõe de atendimento laboratorial e hospital para praticar”, pontua. Nos cursos de formação de professores, não há determinações de infraestrutura que guie a prática. “Nós nem sequer pensamos onde eles vão praticar”, diz.
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Falta considerar o professor real
Para a especialista, é preciso que as universidades levem em consideração que o maior acesso ao Ensino Superior traz para as salas de aula mais heterogeneidade. “Temos que levar em conta o aluno de carne e osso e não o aluno ideal”, afirma Guiomar. Muitas vezes, diz ela, o aluno chega ao curso sem ter uma base e a universidade não leva em conta seu referencial. “Já no 1º ano, damos [Jacques] Lacan ou algum outro linguista famoso. Há uma sobrecarga de fundamentos da Educação nos cursos de Pedagogia”, afirma. A matéria de capa da edição de maio da revista NOVA ESCOLA faz um mergulho no perfil dos professores do futuro no Brasil (leia aqui). Os indicativos de estudos mostram uma queda no perfil socioeconômico dos estudantes da área nas últimas três décadas. Suas matrículas estão mais associadas à reserva de vaga para o ensino público e renda, além de enfrentarem mais dificuldade para se manterem na faculdade. Em 72,6% dos casos, as mães dos futuros professores têm apenas o Ensino Fundamental completo ou menos. O fato embasa a hipótese de que eles seriam a primeira geração de suas famílias a alcançarem o Ensino Superior. Ainda assim, não é só pensar o perfil de quem chega aos cursos, mas também considerar o que eles buscam para suas carreiras. “Hoje se faz um curso [de Pedagogia] que serve para Educação Infantil, anos iniciais do Fundamental e gestão escolar – inclusive gestão do Ensino Médio”, atenta. E conclui: “Nós estamos cometendo um crime com a Educação brasileira se não pensarmos corretamente como vamos formar esse professor”.
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As instituições precisam ser ativas nas discussões
A Base, por exigir uma mudança do que é feito atualmente na sala de aula, pode ser o momento para não só identificar problemas na formação docente, mas também mudar esse processo. “Não basta saber o que é BNCC, mas é preciso entender os fundamentos, refletir o que e como trabalhar com os alunos. É preciso estudar e aprender uma nova Pedagogia”, acredita Guiomar. Para a educadora, as instituições têm que dar sua contribuição para a melhoria da Educação brasileira. E os profissionais em sala de aula também podem ser protagonistas dessa transformação ao apontar o que foi útil na formação inicial para a profissão, o que está de acordo e o que falta nela. Guiomar diz que o que acontece nas universidades também respiga na formação continuada dos profissionais. “Geralmente, são as mesmas instituições que são contratadas para a formação continuada e replicam isso”.
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