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Como inspirar seus alunos a se tornarem professores

Professores jovens são minoria nas escolas brasileiras, mas podem ajudar a transformar as salas de aula

POR:
Paula Calçade
Foto: Getty Images

“Sou o mais novo na sala dos professores”, conta o professor de História de duas escolas estaduais do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, Gabriel Araújo, que completará 25 anos em outubro. Essa percepção de ser minoria entre os colegas é uma realidade no Brasil. De acordo com o Censo Escolar de 2017, apenas 4,2% de todos os professores têm até 24 anos, número superior apenas aos que já possuem mais de 60 anos, que totalizam 3,2% dos mais de 2 milhões de docentes que atuam na rede de ensino básico no país. As escolas públicas congregam 80% das professoras e professores, mais da metade deles com 40 anos ou mais.

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Querer ser professor pode não estar mais no topo da lista dos interesses de carreira dos alunos e jovens, o que faz a categoria ficar cada vez mais “velha” no Brasil. Esse fato chama a atenção para a necessidade de discutir a docência no país, uma vez que garantir o futuro dos professores e estabelecer maior diversidade geracional, assim como outras pluralidades, é importante para as escolas e para todos. “É necessário se alinhar ao tempo em que vivemos, as carreiras ligadas às novas tecnologias, por exemplo, chamam maior atenção dos jovens, mas é possível ser professor e fazer parte disso”, comenta Fátima Silva, secretária geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

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O professor Gabriel Araújo: aprendizagem que começa na sala de aula e avança para museus e para o centro histórico de São Paulo   Foto: Acervo pessoal

Fátima enfatiza que algumas mudanças profundas precisam acontecer no sentido da valorização dos professores e que são parte das metas do Plano Nacional de Educação (PNE), como melhores salários e condições de trabalho, para que jovens voltem a integrar intensamente a categoria. Para ela, a rotina escolar também é importante para despertar o interesse dos alunos pela carreira. “A formação continuada dá ao professor a possibilidade de estar atento aos novos saberes e às demandas da juventude, o que ajuda a atraí-los”, comenta.

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Nesse quesito, entretanto, o país precisa avançar. Ainda segundo os dados do Censo Escolar de 2017, a maioria dos estados do Brasil possui menos de 30% dos municípios com professores que realizaram formação continuada no ano passado. Os estados de Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina se destacaram e esse último totalizou quase 98% das cidades com docentes nessa formação. “As gestões estaduais e municipais precisam garantir que o professor tenha tempo para refletir sobre sua carreira, possibilitando evolução, como acontece em vários países, onde os docentes até se afastam para essa tomada de decisão, podendo investir em mestrado e doutorado”, exemplifica. De acordo com Fátima, se o aluno enxergar no próprio professor esse crescimento na carreira, poderá se tornar um profissional da Educação mais facilmente no futuro. 

Além da formação continuada, Gabriel Araújo, que começou a lecionar quando ainda estava na graduação, aponta que se aproximar dos alunos e ouvi-los já pode ser um caminho para cativá-los. “Levar o aprendizado para fora dos muros da escola era algo que desde sempre quis implementar nas minhas turmas. Foi quando consegui levá-los para museus, onde eles puderam ver de perto obras que discutimos em sala de aula, e quando fizemos uma excursão para o centro da cidade, onde muitos nunca tinham ido e discutimos temas como urbanização, que tive a prova do êxito dessa ideia”, diz. O professor de História ainda ressalta que não se faz nada sozinho em uma escola, mas que o dinamismo trazido por ele e por outras colegas mais jovens trouxe bons resultados.

 

Transformando a escola e o país
Marília Sampaio é filha de professores e recebeu o incentivo dentro de casa para seguir na carreira. Formada em Letras, Marília tinha apenas 19 anos quando teve a primeira experiência em uma sala de aula, como estagiária. Hoje, ela é professora de Língua Portuguesa em duas escolas particulares de São Paulo e lembra que, logo quando começou a lecionar, aplicou o projeto de revitalização e parceria constante com a biblioteca. “Na escola onde trabalho hoje, trouxemos livros da sede da rede da escola, que tem um acervo bem maior do que o nosso, e os alunos podiam escolher qual livro ler de acordo com seu interesse”, conta. Poucos anos antes, o tema da monografia na licenciatura de Marília foi justamente a utilização das bibliotecas escolares no currículo.

“Os alunos percebem o que tem prestígio social”, afirma a professora de Língua Portuguesa, para logo emendar: “Precisamos sair do lugar comum e mudar a realidade dos professores”. Marília enfatiza que o país precisa estar atento ao interesse dos jovens em seguir a carreira de docente, já que não pode ficar sem professores.

Transformar a vida dos alunos também ajuda a mudar a realidade do país, incluindo a aproximação com a Educação, afirma o professor de Redação e Literatura de cursinhos populares, Leonardo Francellino. “Sou o primeiro professor negro e jovem de muitos dos meus alunos. A minha existência no processo educativo deles já é algo importante”, comenta. Segundo ele, os docentes precisam saber o que tem impacto e faz parte da vida dos jovens. “Já tenho alunos que querem cursar Pedagogia ou Letras porque se identificam comigo e com as minhas aulas”, diz.

Leonardo se interessou pela docência justamente porque teve o apoio de uma professora de Língua Portuguesa para superar suas dificuldades com a disciplina. “Ela mostrou que, apesar das notas ruins, eu ainda podia conquistar muito”, lembra. Seguindo o exemplo que recebeu, o professor de Literatura acolhe muitos alunos com as mesmas dificuldades que ele apresentava quando era estudante. “É preciso falar com a realidade deles, explicar que muitos dos autores clássicos têm relação com o cantor de rap Sabotage, por exemplo, com a contestação social escancarada, é mostrar que o conteúdo tradicional também é próximo deles”, conta. “É o que eu faço para trazê-los para a Educação”.

 

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