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Escola militar é a saída para crianças de comunidades vulneráveis?

Modelo de ensino militarizado é citado no debate eleitoral como solução para escola pública, mas processo de seleção torna instituição menos acessível e resultados nem sempre estão entre os melhores

POR:
Paula Calçade

O candidato à Presidência pelo Partido Social Liberal (PSL), Jair Bolsonaro, defende em sua campanha oficial que a oferta de escolas militares, aquelas administradas em conjunto com o Exército Brasileiro ou as Polícias Militares, sejam ampliadas em regiões de comunidades vulneráveis – com possibilidade de expansão para outras áreas. No primeiro debate presidencial transmitido pela Band e também no discurso a integrantes dos clubes do Exército, Marinha e Aeronáutica no Rio de Janeiro, Bolsonaro afirmou que colégios militarizados podem ser mais eficazes para desestimular jovens a ingressarem no crime organizado.

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As Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) também são questionadas pelo presidenciável, que aponta que o projeto não tem sido eficiente para combater a violência e o tráfico de drogas, que atraem muitos adolescentes e jovens. “Uma escola militarizada ao lado de uma comunidade vai ser mais importante que uma UPP”, afirmou em discurso.

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A oferta de políticas públicas, como as de Educação, vinculadas à ação de segurança era uma das bases à aplicação do projeto das UPPs, a UPP Social, lançada em 2011. Mas esse outro lado pode ter perdido força depois de alguns anos em vigor, como escreveu a então vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) em sua dissertação de mestrado, “UPP - A redução da favela a três letras”, defendida na Universidade Federal Fluminense (UFF): “Nos Fóruns da UPP Social, percebeu-se que, devido ao fato de o escopo de representação ser composto pela presença maciça das forças de segurança, o conjunto dos moradores confunde as questões sociais com as questões de segurança, tratadas pela polícia pacificadora. E outros apenas se ausentam das reuniões”.

Para Marielle Franco, era necessário repensar as UPPs para além das forças de segurança, enfatizando a participação dos moradores das comunidades para a construção de opções contra a violência. “Espaços públicos de ouvidoria, assim como instituições de ações de políticas públicas voltadas para cultura, educação, saúde, saneamento e legalização de espaços comerciais são possíveis de serem conquistados”, ressaltou em sua tese.                                               

São mesmo as melhores opções?                                         

Segundo o Exército Brasileiro, existem 13 colégios militares vinculados à instituição espalhados pelo país. Localizados nos estados do Pará, Amazonas, Bahia, Ceará, Pernambuco, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul, nenhum deles atende especificamente a uma comunidade vulnerável, como complexos de favelas. A grande maioria está em centros urbanos, principalmente em avenidas de grande fluxo.

Apesar de pertencerem à rede pública de ensino, processos seletivos são realidade nessas escolas. Os candidatos precisam passar por um “vestibulinho” e só os melhores são selecionados. “Tinha uma mensalidade simbólica também no valor de cerca de 150 reais, para arcar com alguns custos com uniforme, mas quem não podia pagar era isento”, conta Nathália Barbosa, que concluiu seus estudos no Colégio Militar do Rio de Janeiro, mas também frequentou o Colégio Militar de Fortaleza. Nathália, assim como muitos colegas, é filha de um militar e a disciplina mais rigorosa e o ensino padronizado nas diversas unidades chamou a atenção de sua família para matriculá-la. “Meu pai viajava muito e para controlar minhas faltas, achou que a escola militar era uma boa opção”, conta.

No ranking das 50 melhores escolas do Enem 2015 elaborado pelo IDados, instituto de análises estatísticas que acompanha o sistema de ensino brasileiro, os colégios do Exército Brasileiro não aparecem. Mas o Índice de Desempenho de Educação Básica (Ideb) do Colégio Militar do Rio de Janeiro atingiu a nota 7 para os anos finais do Ensino Fundamental em 2017, muito superior à meta projetada para toda a rede pública do estado, que é 4,7. Já o Colégio Militar de Fortaleza alcançou 7,2 no índice em 2015, enquanto o estado do Ceará ficou com 4,5.

Os pesquisadores Alessandra de Araújo Benevides e Ricardo Brito Soares da Universidade Federal do Ceará, no entanto, destacam no artigo “Diferencial de desempenho das escolas militares: bons alunos ou boa escola?”, que não é possível comparar as escolas da rede pública no geral com as escolas militares. “Seus alunos são diferenciados tanto por características familiares, como pelo acu?mulo de conhecimentos e condição inicial, além do próprio processo de seleção que as escolas militares estabelecem”, escrevem.  

Além dos colégios do Exército, as Polícias Militares (PMs) possuíam 93 instituições de ensino até 2015, de acordo com levantamento do jornal Folha de S. Paulo. Mas a demanda pela ampliação dessas escolas tem crescido ainda mais em algumas regiões do país, como no estado do Amapá e Goiás. Um exemplo foi a implantação da gestão compartilhada na Escola Estadual Professor Afonso Arinos de Melo Franco, entre o Governo do Estado e a Polícia Militar, que teve 100% de aprovação pela comunidade escolar em audiência pública na cidade de Santana, interior do Amapá. E de todas as escolas militares das PMs, 44 unidades estão em território goianiense. Neste ano, o governo do estado autorizou a criação de mais seis novas unidades.

Educação e segurança pública                                          

Rosária Boldarine é doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e ressalta que é necessário melhorar as condições de vida de uma população como um todo para enfrentar a violência de maneira sistemática. “Não adianta colocar a criança numa escola militarizada se quando ela volta para casa não há nada para ela”, afirma. Para a pesquisadora, uma escola também reflete o seu entorno e não é um local isolado da sociedade. “Se o entorno for de péssimas condições, a escola não será milagrosa”, afirma. E avisa: “Soluções simplistas para questões profundas levam a resultados muito ruins”.

Diante da violência dentro e fora das escolas, é necessário investimento. “Seria preciso melhorar a formação dos professores e suas condições específicas de trabalho, fomentar projetos que envolvam a escola e os membros da comunidade”, pontua Rosária, que também destaca a autonomia que cada escola deve ter para pensar a educação em função dos alunos que nela estudam. “O poder público pode tratar todas as escolas como uma coisa só, sem considerar suas particularidades e isso acaba prejudicando a aprendizagem, já que diferentes locais possuem diferentes necessidades”, afirma.

Ainda de acordo com a pesquisadora, para uma criança moradora de uma comunidade vulnerável não acabar migrando para o crime, ela precisa ter acesso a seus direitos, entre eles a Educação. “Não precisa ser uma escola militar”, comenta Rosária. “O senso comum parece confundir disciplina rígida com potencial de aprendizagem e por isso pensam que a escola militar pode ser melhor, essa ideia não passa disso, senso comum”. Ela enfatiza, porém, que há elementos a copiar dos colégios militares, como a atenção. “Sem dinheiro e sem autonomia, a escola pública não sairá de uma situação complicada em que se encontra”, conclui.

Essa reportagem faz parte da campanha Mentira na Educação, não!, que realizará checagens de notícias sobre Educação. A iniciativa é realizada por NOVA ESCOLA, com apoio do INSTITUTO UNIBANCO, INSTITUTO ALANACANAL FUTURA e FACEBOOK. 

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