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Existe aprovação automática nas escolas do Brasil?

Não, o que existe é a progressão continuada, que prevê a evolução dos alunos com base em ciclos de aprendizado

POR:
Paula Calçade

"Além de mudar o método de gestão, na Educação também precisamos revisar e modernizar o conteúdo. Isso inclui a Alfabetização, expurgando a ideologia de Paulo Freire, mudando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e impedindo a aprovação automática", escreveu o presidente eleito Jair Bolsonaro em seu plano de governo. A chamada "aprovação automática" é confrontada não apenas por governantes, mas também por muitos professores e pais, mas teoricamente não é o mesmo que a progressão continuada, diretriz aplicada atualmente por algumas redes municipais e estaduais no país. Antes ainda da campanha de Bolsonaro, o senador Wilder Morais (DEM-GO) encaminhou um Projeto de Lei, o PL 336/2017, para extinguir a progressão continuada na Educação Básica. Mas afinal, a progressão continuada é mesmo na prática uma aprovação automática do aluno, como afirma o plano de governo de Jair Bolsonaro?

Vamos começar pelo que, de fato, é instrumento da Educação: a progressão continuada. A progressão continuada é uma estratégia educacional para organizar o aprendizado em blocos contínuos e evitar altas taxas de repetência e suas consequências no atraso e evasão escolar. "Ela organiza o aprendizado em ciclos de três ou cinco anos e a eventual repetição ocorre apenas no final de cada período", explica Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Não há uma lei que obrigue os municípios a adotarem os ciclos.

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Na organização curricular por séries, na qual as séries constituem unidades pedagógico-curriculares anuais hierarquizadas, a passagem de uma série inferior para outra superior é uma progressão. "Isso pode fazer com que o principal objetivo dos alunos no processo de escolarização seja a aprovação e fez da avaliação um dos principais focos", afirma Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Como consequência, ao final do ano letivo, os alunos são classificados em aprovados ou reprovados.

A questão defendida por muitos educadores é que nos bons sistemas educacionais, praticamente não existe reprovação. "[Eles] Ensinam da forma em que todos aprendem”, afirma Cláudia Costin. “O professor se considera um assegurador de aulas e não um mero fornecedor de aulas. O ideal seria não ter uma legislação a respeito e, sim, práticas que envolvessem um processo de ensino que garantisse que todos aprendam”.

Em artigo escrito para NOVA ESCOLA, o filósofo Fernando José de Almeida deixou clara a diferença entre a progressão e a aprovação automática, muito criticada por professores. "Aprovação automática quer dizer sem avaliação, sem orientação, sem cobrança, sem algum apoio. Sendo assim, sem nenhum critério, o aluno é empurrado adiante, correndo ele os riscos de não estar preparado para nada e podendo, mais tarde, atribuir à escola – com razão – o abandono a que foi submetido, sem ter nenhum tipo de orientação", escreveu. Sem esse sistema, o aluno pode ser reprovado ao final de cada ano. "Quando adota essa prática, a escola se assemelha a uma indústria automobilística, que devolve à fundição as engrenagens que não estão dentro das normas técnicas". 

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Como a Progressão Continuada foi aplicada?

A adoção de políticas de progressão se deu a partir da implantação de ciclos nas séries iniciais do Ensino Fundamental, principalmente após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em 1996. A proposta visa enfrentar a situação de enormes contingentes de alunos reprovados ao final do ano, algo que expressaria um fracasso escolar, ainda que sua adoção não necessariamente abarcasse todo o Ensino Fundamental, somente os dois primeiros anos.

"Foi uma proposta polêmica, sem contar com muito apoio de professores, mas a medida se justifica pelo fato de que, em muitos casos, os alunos com resultados acadêmicos insuficientes ganham mais em aprendizagem se prosseguirem com seus colegas do que se ficarem como repetentes", comenta Ocimar Alavarse. Entretanto, para o professor da USP, não é apenas essa aprovação que garante ganhos de aprendizagem. "Sabe-se que somente com acompanhamento constante e diferenciação pedagógica ao longo do ano é que patamares superiores de aprendizagem serão obtidos", afirma. Ainda sobre esse ponto, Ocimar pontua que parte importante desse acompanhamento é a realização de avaliações bem preparadas, possibilitando a retomada de conteúdos e a revisão dos métodos para ensiná-los aos alunos.

A situação gera a insatisfação de pais e professores. Uma pesquisa realizada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), em 2017, mostrou que 90% dos pais de estudantes matriculados na rede eram contrários à progressão continuada. Além deles, 78% dos estudantes e 87% dos professores tinham a mesma opinião. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo informou, na época, que o levantamento era incapaz de refletir a realidade de rede estadual de educação. "A pesquisa da Apeoesp não deixa claro como o assunto progressão continuada foi abordado para os entrevistados, gerando confusão na resposta final", escreveu a Secretaria em nota à reportagem do G1.

Diante dessa realidade, professores afirmam que se sentem desrespeitados ao serem pressionados a não reprovar, e gestores afirmam que, por sua vez, se sentem acuados pelas secretarias para mostrar resultados.

A análise do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) na rede estadual de São Paulo mostra que, apesar da aprovação ser superior a 90%, apenas 27% dos estudantes têm aprendizagem adequada em Português e 12% em Matemática ao fim do 9º ano, segundo análise do QEdu com dados da Prova Brasil de 2013. Estes dados não provam que este sistema melhorou ou piorou o aprendizado, para chegar a conclusões mais profundas neste sentido, seriam necessárias mais pesquisas.

Ainda assim, a aplicação da progressão continuada se reverteu em menores índices de evasão. A taxa de abandono escolar caiu no país a partir de 1996, ano em que foi proposta pela LDB, para 1997, passando de 12,9% dos alunos do Ensino Fundamental para 11,1%. No Ensino Médio, o número passou de 15,7% para 13,7%, segundo o Censo Escolar daquele ano. Em 2015, a evasão escolar atingiu 11% na última etapa de ensino.

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E a aprovação automática, existe no país?

Não, não existe. Mesmo com algumas redes de ensino adotando a progressão continuada, como duas das maiores do país, Minas Gerais e São Paulo, o Brasil ainda gastou quase R$ 16 bilhões ao reprovar cerca de 3 milhões de alunos da Educação Básica, o equivalente a 10% dos estudantes da rede pública, de acordo com Censo Escolar de 2016.

Ainda assim, a contenção da chamada aprovação automática segue em pauta de governantes e legisladores, como no plano de Jair Bolsonaro. "Mesmo que o governo federal praticamente não tenha alunos na Educação Básica, pode influenciar ou induzir iniciativas nas redes municipais e estaduais. Quando analisamos as taxas de aprovação do Censo Escolar, constatamos que não tem procedência a afirmação de que existe aprovação automática em larga escala no Brasil", afirma Ocimar Alavarse.

Esses dados indicam que, mesmo com uma queda na reprovação ao longo dos anos, de 2017 para 2018 mais de 2 milhões e meio de alunos não foram aprovados. "Os resultados do Saeb para estados e municípios nos quais não há progressão continuada, ou seja, onde estariam ameaçados pela reprovação todo ano, as proficiências de leitura e Matemática não são mais elevadas do que naquelas redes nas quais há, ainda que parcialmente, algo de promoção automática. A ideia de que no Brasil todo mundo passa de ano é um mito, que não resiste à prova dos fatos. Isto é, quando há interesse em se procurar pelos fatos", conclui.

A progressão continuada quando mal aplicada, o que é denunciado por pais, alunos e professores em algumas redes brasileiras, é ruim e se converte na aprovação automática, quando quem não aprende é levado ano após ano sem absorver as matérias. Mas, segundo Ocimar, o que deve ser aplicado é o acompanhamento completo para alunos com baixos índices de aprendizado, com retomada de conteúdo e revisões nos próximos anos, para que ao final dos ciclos cheguem ao mesmo nível de todos os outros. Apenas reprovar quem não obtém boas notas custa caro ao governo e esses alunos, desanimados, podem acabar evadindo. E um alto índice de reprovação e abandono escolar não significa uma educação rigorosa e exemplar, já que, nesse cenário, todos perderiam a possibilidade de um bom ensino, em que todos aprendem.

           

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