O que esperar do ministro da Educação de Jair Bolsonaro
Especialistas em Educação dão suas primeiras impressões sobre Ricardo Vélez Rodríguez, filósofo e professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército
POR: Paula PeresA indicação do filósofo colombiano Ricardo Vélez Rodríguez para o cargo de ministro da Educação já havia sido anunciada pelo próprio em seu blog no dia 7 de novembro. “Amigos, escrevo como docente que, através das vozes de algumas pessoas ligadas à educação e à cultura (dentre as quais se destaca o professor e amigo Olavo de Carvalho), fui indicado para a possível escolha, pelo Senhor Presidente eleito Jair Bolsonaro, como ministro da Educação”. Sob o título “Um roteiro para o MEC”, ele antecipou quais seriam os caminhos a seguir no comando do Ministério da Educação. Em resumo: tornar realidade a proposta de Bolsonaro que prega “Mais Brasil, menos Brasília”.
“Enxergo, para o MEC, uma tarefa essencial: recolocar o sistema de ensino básico e fundamental a serviço das pessoas e não como opção burocrática sobranceira aos interesses dos cidadãos, para perpetuar uma casta que se enquistou no poder e que pretendia fazer, das Instituições Republicanas, instrumentos para a sua hegemonia política”, escreveu Ricardo Vélez Rodríguez.
Professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, o novo ministro é autor de vários livros, entre eles “Da Guerra à Pacificação”, um estudo sobre como a Colômbia usou a Educação como instrumento de pacificação no país em meio às disputas do narcotráfico. Ricardo Vélez Rodríguez é colombiano de nascimento, mas já teria se naturalizado brasileiro.
A indicação do filósofo entra na conta do prestígio de Olavo de Carvalho junto à gestão Bolsonaro. Olavo havia indicado Ernesto Araújo para o Ministério das Relações Exteriores. E foi seu candidato quem “venceu a disputa” para o MEC, que chegou a ter Mozart Neves Ramos e Guilherme Schelb como fortes candidatos (chegando a ser noticiados como ministros por vários veículos) não gerou grandes surpresas, mas deve encontrar resistência em vários setores da Educação.
Jair Bolsonaro em post no Twitter ao anunciar a indicação de Vélez Rodríguez
Diálogo com o setor
NOVA ESCOLA procurou ouvir educadores e especialistas sobre a indicação de Ricardo Vélez Rodríguez para o Ministério da Educação. A preocupação com o diálogo que o novo ministro precisará estabelecer com diversos setores da Educação foi unânime. “Todos nós temos viés ideológicos e a gente percebe que o futuro ministro tem uma posição muito forte”, afirma Ernesto Faria, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede). “Mas ele vai ter que dialogar com vários atores que terão visões diferentes da dele. É importante conseguir fazer um discurso mais moderado, ter empatia em relação à posição das pessoas, para conseguir fazer um MEC que dê suporte aos professores, às secretarias de Educação e trabalhar mirando a garantia da aprendizagem dos alunos”.
Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tem uma visão menos otimista. Para ela, haverá um endurecimento no discurso. “Normalmente um presidente que assume depois de uma eleição polarizada tenta ter um discurso de construção de pontes, que vai governar para todos – e os ministros tendem a refletir essa linha. Mas dois dias antes de ele [Ricardo Vélez Rodríguez] ser indicado, entrou em uma polêmica com Mario Sergio Cortella sobre escolas militares. Ele fez isso de uma forma mais veemente. É muito cedo para se ter certezas, mas creio que a tendência seja um pouco mais confrontacional”, diz.
"Nos últimos anos, se construiu no Brasil um acordo grande sobre as prioridades da Educação, que passa por cima de questões partidárias. Não é uma pauta corporativista, são pessoas ligadas a diferentes partidos e setores da sociedade que concordam em grandes questões, principalmente na Educação Básica. Mesmo os mais conservadores dentro da Educação apoiam determinadas pautas", lembra Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação. "Já é muito difícil fazer tudo isso com uma agenda coestabelecida, e ela está sendo destruída", lamenta.
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Andressa Pellanda, coordenadora de Políticas Educacionais da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, concorda. “Não será um ministro permeável à participação da sociedade civil e da comunidade educacional na formulação e no monitoramento das políticas públicas, e dá sinais de trazer uma agenda que alia privatizações, militarizações e conservadorismos, diametralmente contrária aos parâmetros constitucionais e previstos na LDB e no Plano Nacional de Educação”.
“Aposto, para o MEC, numa política que retome as sadias propostas dos educadores da geração de Anísio Teixeira, que enxergavam o sistema de ensino básico e fundamental como um serviço a ser oferecido pelos municípios, que iriam, aos poucos, formulando as leis que tornariam exequíveis as funções docentes.”
Ricardo Vélez Rodríguez em post de seu blog
Prioridades da gestão
Os especialistas concordam que a Educação tem questões urgentes a serem endereçadas: formação dos professores, evasão no Ensino Médio, alfabetização, baixos índices de aprendizagem, Plano Nacional de Educação (PNE), Base Nacional Comum Curricular (BNCC), entre outros.
A preocupação é que o novo ministro não sinaliza, em seus posts e vídeos nas redes sociais, uma disposição para buscar a resolução dessas questões, e sim atacar outros pontos, que não são unanimidade – e não têm evidências que os sustentem.
“Em algumas questões, na Educação, é importante comprar algumas brigas: aquelas que afetam a aprendizagem dos alunos. Existe, sim, muita coisa no Brasil que merece aperfeiçoamento, e não haverá aperfeiçoamento sem comprar algumas brigas”, aponta Cláudia Costin.
A questão, segundo ela, é a escolha das brigas que será feita a partir de janeiro de 2019. “Comprar brigas só com a questão ideológica pode levar a um desgaste, sem colocar nada no lugar”, resume Claudia. "Todas as prioridades estabelecidas estão sendo substituidas pelo fantasma da 'doutrinação esquerdista e homossexual', coisas que não existem, mas que acabaram se tornando importantes na politica atual", diz Janine.
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“O que mais me preocupa”, diz Ernesto Faria, “é o quanto o Ministério da Educação vai olhar para evidências e pensar suas ações dentro do sistema norteadas por evidências e dados. Se a gente olha o artigo que o Vélez Rodríguez fez no dia 7 de novembro, ele não cita nenhum dado, nenhuma informação do cenário atual da Educação no Brasil, ele fala de algumas posições que ele acredita”.
Essas posições são, entre outras, a defesa da militarização das escolas, como já mencionado por Cláudia Costin, o apoio ao Escola sem Partido e o argumento de que o MEC deve interferir menos nos sistemas de ensino.
Salomão Ximenes, membro da Ação Educativa e professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC), critica o alinhamento com o Escola sem Partido. “É uma plataforma de política educacional que traz gravíssimos riscos para a Educação pública, na medida em que a disseminação dessas estratégias de censura e perseguição aos professores pode, na prática, destruir o ambiente pedagógico nas escolas e nas universidades brasileiras”.
Mesmo na defesa do Escola Sem Partido, projeto de lei que está sendo apreciado na Câmara dos Deputados, faltariam evidências no discurso que deem sustentação à proposta. “Eles não estão trazendo dados relacionados a essas questões, trazem posicionamentos”, afirma Ernesto. À frente do Ministério da Educação, ele lembra que é responsabilidade da equipe de Vélez Rodríguez checar se essas posições são corroboradas pelas evidências existentes, mesmo que possam refutar “pontos que inicialmente tinham como fortes para a gestão”. "Resta ver se esse ministro vai se cercar de gente capacitada", reflete Renato Janine Ribeiro sobre o futuro do MEC.
* Colaborou Soraia Yoshida
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