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Grifar? Anotar? Resumir? É hora de rever o que você pede aos seus alunos

Procedimentos de estudo por si só podem não ser tão eficientes na aprendizagem. Por isso, é necessário ensinar os alunos a estudarem

POR:
Laís Semis
Professora e duas alunas sentadas em uma mesa baixa em meio a livros e modelos de átomos olham para tela de um computador, sorrindo
Foto Getty Images

Calma, professor! Não estamos propondo que você deixe de lado os procedimentos que auxiliam crianças e adolescentes em seus estudos. No entanto, eles podem ser muito mais eficientes se feitos de formas diferentes do que são comumente realizadas no dia a dia da escola. É só pensar: olhando para trás, quantas vezes você se lembra de ter recebido ou dado instruções que iam além do “grife as partes mais importantes do texto”, “faça anotações do conteúdo da aula no caderno” ou “pesquisem sobre o tema que será abordado na próxima aula”?

“Em geral, a escola determina pedidos no campo comportamental”, aponta Walkiria Rigolon, pedagoga de formação e pesquisadora sobre trabalho docente e práticas formativas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Fundação Carlos Chagas (FCC). “Aprender a estudar envolve uma dimensão cognitiva, uma relação de ensino mesmo e questões da didática”, explica. Por isso, mais do que direcionar o procedimento que os alunos devem praticar para apoiar seus estudos – fichamento, grifo, esquema, exposição oral, debate ou resenha, por exemplo –, o que falta são orientações claras de como esses procedimentos de estudo precisam ser feitos, independente da faixa etária do estudante.

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A orientação de estudo ajuda os alunos a se apropriarem de ações que auxiliam a identificar as informações relevantes das periféricas, a sintetizá-las, combiná-las com outras informações, organizá-las e expressá-las de diferentes maneiras, como em apresentações orais, uma resenha ou pesquisa. “Ensinar os estudantes a estudarem é um conteúdo esquecido pelas escolas ou cujas iniciativas (escassas) têm sido marcadas por alguns equívocos”, diz Rodnei Pereira, licenciado em Pedagogia, Letras e Filosofia e pesquisador na FCC.

Embora a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não trate diretamente do tema, eles podem auxiliar em temas transversais, como a checagem de confiabilidade de informações. “Eles acabam ajudando a entender os caminhos que eu preciso percorrer para pesquisar a origem da notícia e aprender onde e como pesquisar”, exemplifica. Em Buenos Aires, na Argentina, os procedimentos de estudo já são parte do currículo.

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Mesmo não sendo uma prática comum no Brasil, algumas iniciativas têm trazido a importância dos procedimentos de estudo. É o caso do currículo da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da prefeitura de São Paulo, que contou com Walkiria e Rodnei como redatores da área de Língua Portuguesa. Mas, engana-se quem pensa que essa tarefa é apenas do professor desta área. Algumas escolas em que trabalham como consultores também têm adotado a prática e, em 2018, Walkiria as trabalhou com suas turmas de 5º ano em uma escola estadual. Saiba mais na entrevista exclusiva que a dupla de pesquisadores concedeu à NOVA ESCOLA:

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Por que ensinar a estudar?

WALKIRIA RIGOLON A escola está sempre solicitando algo que não ensinou. Ela tem uma “dívida” de ensinar o que solicita. Outra questão é que a maioria dos projetos político-pedagógicos (PPP) trazem a ampliação da autonomia do estudante e sua a emancipação. Você não consegue dar autonomia para ninguém, sem que essa pessoa possa ter autonomia para estudar sozinha.

No que consiste o ensino de procedimentos de estudo? O que é passado para os alunos que é diferente do que se faz hoje?

RODNEI PEREIRA Atualmente, ao ensinar o estudante a estudar, as escolas acabam investindo em estratégias que são muito evasivas. Como, por exemplo: você tem que ser criativo, alguém com força de vontade, estudar num espaço que não tenha barulho. Essas são mediações que não ajudam você a fazer grifo ou a montar um esquema. É preciso oferecer instrumentos mais concretos. Que modelos são esses que, por exemplo, me ajudam a estudar um texto longo e difícil? E que estratégias me ajudam a compreender melhor esse texto?

WALKIRIA Em geral, a escola determina elementos no campo comportamental, como o estudante deve aprender a se comportar para aprender a estudar. Mas aprender a estudar envolve uma dimensão cognitiva. Uma relação de ensino mesmo, questões da didática e do papel do professor. Falamos de grifar, anotar, resumir e resenhar…, mas o mais interessante na proposta dos procedimentos de estudo é o exercício de reflexibilidade que o estudante faz. Para fazer um resumo ou uma resenha, há um exercício de intelectualidade mesmo. É preciso analisar, refletir, comparar e estabelecer relações. Isso só é possível fazer quando o professor estabelece uma relação dialógica com o estudante, quando há uma boa orientação de estudo.

Para que esse conhecimento chegue até os alunos, é necessário também fazer um trabalho de formação de professores para que eles se apropriem desse procedimento? E quais seriam as formas ideais para passar esse conhecimento de forma efetiva para os professores?

RODNEI O primeiro ponto é tornar os procedimentos de estudo um ponto central do currículo, o que pode oferecer suporte para que a gente torne os procedimentos de estudo também conteúdos para formação de professores. É possível levar o assunto para os professores pela tematização de prática – que são estratégias que a gente já costuma usar na formação de professores. Usos de caso de ensino são estratégias que podem fortalecer a formação, principalmente aquelas que acontecem no contexto de trabalho, [como o horário de trabalho pedagógico coletivo]. Um exemplo: a gente acaba esquecendo como fazer um bom uso de livro didático sem que ele se torne um momento de ficar copiando ou se torne uma reprodução acrítica mesmo do que o livro didático trouxe.

WALKIRIA Nas nossas experiências com formação de professores, a gente percebe que os próprios professores, assim como os estudantes, não aprenderam como se estuda. Na hora de ensinar uma resenha, um resumo, eles também não têm um referencial para elaborar seu próprio, quanto mais para ensinar. Então, esse também tem sido um espaço para possibilitar o professor a se colocar como um intelectual – afinal, a gente também estuda.

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Pelo fato dos procedimentos estarem ligados à leitura e escrita, há uma tendência de que essa tarefa acabe concentrada nos professores de Língua Portuguesa. Outras disciplinas podem ajudar no desenvolvimento e apropriação desses procedimentos?

WALKIRIA Diferentes conteúdos, são aprendidos de diferentes formas. E, nas formações de professores, a gente faz questão de, a cada encontro, levar um texto de uma área do conhecimento diferente. A gente coloca a questão da leitura e da escrita, mas focada em outros campos do conhecimento como História, Geografia ou Matemática. Estudar um texto de História não é só ter uma questão de competência leitora e escritora, envolve conhecimentos do próprio campo da História. Essa é uma questão que também é discutida no próprio processo de formação: conseguir ter um olhar para fazer isso nos diferentes campos de conhecimento.

RODNEI Temos duas experiências mais recentes que também exemplificam um pouco que o ensino de procedimentos de estudos é um compromisso de todas as áreas, não só de Língua Portuguesa. Um deles é um programa chamado “EJA no mundo de trabalho”, em que Walkiria e eu trabalhamos como técnicos pedagógicos e ficamos responsáveis pela inserção de procedimentos de estudo para todas as áreas do conhecimento. E, recentemente, também contribuímos com isso na elaboração do currículo da prefeitura de São Paulo na EJA. Procuramos enfatizar a importância dos procedimentos de estudo em Língua Portuguesa, área em que fomos redatores, mas nós tentamos fomentar a importância de que os procedimentos de estudo sejam tratados também de forma geral no currículo.

Como os procedimentos de estudo se relacionam com a BNCC e as competências exigidas pelo mundo contemporâneo, como pensamento crítico ou mesmo resolução de problemas?

RODNEI Depende da natureza do conteúdo. Se eu preciso ensinar, por exemplo, argumentação, isso depende do aluno conseguir saber contrapor pontos de vista e organizar esses diferentes pontos de vista – o que pode se dar pela organização de um bom esquema. Em um cenário em que as fake news acabam decidindo as eleições e impactam nossas vidas, os procedimentos de estudo acabam ajudando a identificar informações confiáveis. Que caminhos eu preciso percorrer para pesquisar a origem da notícia? Grifar as partes mais importantes, aprender onde que eu vou pesquisar, como vou organizar essas informações que eu encontrei são alguns caminhos que podem ser apoiados pelos procedimentos de estudo.

Quais são os resultados que vocês têm visto, seja na experiência de vocês ou na de outros países, de ensinar os alunos a estudarem?

WALKIRIA Fazemos um trabalho de formação sobre o tema há três anos em um colégio particular. Nele, acompanhando os professores, a gente já observou o quanto os alunos já avançaram no grau de autonomia. Tanto que alguns alunos conseguem dizer “eu prefiro fazer um esquema por conta disso” ou “eu prefiro fazer um resumo para essa atividade”. Quer dizer: eles se apropriaram de diferentes procedimentos, a ponto de dizer qual eles preferem trabalhar em cada situação. Com isso, eles vão construindo um hábito de estudo. Outra coisa que a escola tem observado é no tocante à pesquisa. Fazemos uma revisão do que é pesquisar desde a seleção das informações até a apresentação. Depois dessa prática, os professores relatam que as pesquisas se tornaram verdadeiramente pesquisa. Os trabalhos de pesquisa saíram daquele campo de meramente imprimir uma cópia de um conteúdo e entregar para o professor. Agora, eles selecionam informações, consideram as que vão entrar na pesquisa, checam se as fontes são confiáveis ou não para então compartilhar o resultado da pesquisa.

Algo que os professores também compartilham – e que é interessante de se trabalhar com a orientação do estudo – é que você não precisa parar de dar nenhum conteúdo. Ensinar a fazer uma boa anotação ou um resumo é algo que você faz estudando alguma coisa. Então, se eu estou estudando um texto de Geografia ou de Arte, eu envolvo aquele conteúdo para trabalhar um grifo, uma anotação, um resumo. Você utiliza em uma única atividade tanto o conteúdo quanto o estudo de como se estuda.

Os estudantes vão ficando mais criteriosos inclusive pra ler os textos. Os professores trazem pra gente depois dos primeiros encontros que alguns textos não dão pra fazer uma boa orientação de estudos. E, com isso, até os professores vão ficando mais criteriosos para escolher os textos que eles vão levar pros alunos porque eles também vão refinando o grau de análise e escolha desses textos que têm cunho mais científico.

Como iniciar esse trabalho em uma escola? O ideal é começar pela gestão ou um professor pode iniciar sozinho?

WALKIRIA: Esse ano eu estive em uma rede estadual da rede pública e ninguém fazia orientação de estudo com o 5º ano. Eu fiz com as minhas turmas e os estudantes conseguiam ir se apropriando de como se faz um resumo, um esquema, anotação de texto oral. É claro que se você consegue fazer uma ação coletiva, partir de uma discussão que todo mundo vai pensar e estudar junto, fazer um grupo de estudos de como isso pode se dar... você tem condições mais favoráveis para que o trabalho ganhe força. Porque aí você começa a trabalhar com grifos no 2º ano, com anotações no 3º ano e a cada ano, vai complexificando esses procedimentos.

RODNEI: Quando o movimento é orquestrado pelo coordenador pedagógico, melhor ainda é uma forma de fortalecer os processos de formação a partir da demanda daquele grupo de professores, das crianças e das características de cada território. Nós temos apostado muito de que a orientação de estudos pode ser até uma disparadora de um melhor desenvolvimento dos períodos coletivos de formação já que ela pode atender vários professores de áreas diferentes juntos, discutindo práticas de ensino juntos, no mesmo horário.

 

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