Crie sua conta e acesse o conteúdo completo. Cadastrar gratuitamente

Raul Brasil: após tragédia, escola reabre as portas em Suzano

Ainda em luto, escola reabre as portas para acolher a comunidade com apoio psicológico e atividades recreativas

POR:
Laís Semis
Estudantes e familiares marcaram presença na EE Raul Brasil ao longo do último dia 19. A escola oferecerá ao longo de toda a semana atividades de acolhida para a comunidade de Suzano após tiroteio. Crédito: Laís Semis

As calçadas do quarteirão ocupado pela Escola Estadual Professor Raul Brasil estão cheias de flores e velas derretidas. Os muros, repletos de mensagens de solidariedade da comunidade, de outras escolas da região e também de estranhos sem relação com a escola, mas que quiseram deixar uma palavra de alento. A mensagem é clara: “Segurança para nossas crianças e paz”; “Paz”; “Paz na terra”; “Arma mata” e “Arma não” – esta última espalhada em várias partes do muro e nos portões da escola. E “luto”. Outras mensagens são mais pessoais, dedicadas em solidariedade à comunidade ou direcionadas a

vítimas do tiroteio na escola, que culminou na morte de 10 pessoas.



Apesar de triste, o clima de solidariedade da comunidade Raul Brasil se manteve positivo durante o primeiro dia de acolhida aos estudantes após a tragédia. “[Eu] Me senti acolhida. Não imaginaria que poderia ser assim”, confessa a merendeira Silmara Cristina Silva de Moraes, que ajudou a esconder os alunos na cozinha da escola. “Vamos sentir a falta dos nossos amigos, mas esse momento está sendo especial para nós. As crianças estão dando força um para o outro, abraçando aqueles colegas que estão mais abatidos”.

LEIA MAIS   Nós estamos vivendo a era dos massacres escolares

A escola conta com cerca de 1050 alunos e 120 funcionários, segundo o Censo Escolar 2018. Ao longo do dia 19 de março, data de reabertura da escola para os estudantes, cerca de 450 alunos e 55 funcionários passaram pela Raul Brasil. Na véspera, no dia 18, a escola já havia aberto as portas para funcionários e comunidade de forma geral. Na ocasião, 30 professores, 10 funcionários e 227 famílias passaram pela unidade escolar.

“Alguns ainda estão muito traumatizados e creio que a partir do momento que se sentirem mais seguros, eles também virão. É questão de tempo, cada um tem o seu”, diz a merendeira Sandra Aparecida Ferreira. Mesmo quem compareceu ainda está tentando equilibrar os sentimentos e a força para prosseguir, como é o caso da aluna do 9º ano Denise Freitas, de 14 anos. “É muito ruim voltar porque convivemos com [o fato de que] pessoas que faleceram e foram feridas. Sinto tristeza e também insegurança de entrar na escola”, diz. Apesar desse sentimento, ela não cogita em abandonar a Raul Brasil neste momento. “Não penso em pedir transferência porque a gente tem que se mostrar forte e ajudar as outras pessoas que estão sofrendo na escola”.

A insegurança também é compartilhada entre os funcionários. “Medo dá. Mas nós temos que nos fortalecer para poder ajudar as crianças, que ainda estão traumatizadas”, diz Lizete dos Santos, merendeira.

LEIA MAIS   Por que a escola é escolhida como alvo de massacres?

Uma das principais ações da acolhida da Raul Brasil é o apoio psicológico. Rodas de conversa estão sendo feitas diariamente ao longo da semana para atender a comunidade, além dos atendimentos individuais. Uma série de outras ações e suporte estão sendo dados pelo Governo de São Paulo, pela Prefeitura de Suzano e por entidades parceiras, como a Universidade de São Paulo (USP) e o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da prefeitura. Os apoios são nas áreas da saúde mental, justiça restaurativa e atividades recreativas, como a terapia com cães, esportes, apresentações artísticas e homenagens com balões brancos. A estrutura da escola também está passando por melhorias, como pintura, reparos e novas carteiras, mesas e bancos para revitalizar o ambiente físico.

LEIA MAIS   Saúde mental na escola: faltam parcerias e políticas públicas

“As atividades ajudam a distrair a mente porque [após uma tragédia como essa] você fica pensando muito no que aconteceu e nas pessoas que foram vítimas, então se fecha um pouco em você. Com essas atividades, a gente se sente melhor”, diz a aluna Denise. Apesar do espaço para compartilhar os sentimentos e pensamentos pós-trauma, ainda é difícil se abrir e até mesmo estar presente no espaço escolar. Mesmo quem não tem participado desse espaço reconhece sua importância. “Tem pai que só em chegar na escola já chora… é importante a escola olhar para as crianças e pais para dar apoio porque vai ser um recomeço bem difícil”, considera Jennifer Schmuk, mãe de um aluno do 3º ano do Ensino Médio.

A comunidade para além dos muros da escola

“Você se sentiu afetado de alguma forma pelo acontecimento na Escola Raul Brasil?”, perguntam cartazes fixados pelo muro que fecha o quarteirão. Apesar do convite para participar da roda de conversa com os psicólogos, há um certo acanhamento de quem não é aluno, professor ou pai por não saber se é bem-vindo naquele espaço de acolhimento. Com lágrimas nos olhos, Aldaísa Solange Conceição observava solitária os portões abertos da Raul Brasil. “A gente não é parente de ninguém, mas é como se fosse. Já estudei aqui e fico muito triste e preocupada ao ver essa situação”, conta ela, que se formou na turma de 1986. Ela é moradora da região e se sente parte do que aconteceu. “Eu decidi dar uma passadinha e eu gostaria de entrar, mas não sei se pode”.

Ao se aproximar das funcionárias da escola e questionar se poderia participar das atividades de acolhida, Aldaísa recebe um enfático “Claro! Seja bem-vinda, você é peça fundamental aqui!”. E é imediatamente apresentada aos responsáveis pela acolhida que estão próximos do portão. Horas mais tarde, ela me conta que participou de uma das rodas de conversa e que o sentimento foi bom. O acesso ficou restrito à comunidade (ou família, como muitos chamaram) da EE Raul Brasil. Os jornalistas não puderam acompanhar as atividades.

O primeiro dia de acolhida atraiu também quem quis compartilhar um pouco de energia e alegria com a comunidade da Raul Brasil. “Não fomos convidados, mas viemos aqui para alegrar a vida da escola”, diz Angra Custódio, coordenadora da Fundação Templos, um grupo de palhaços que realizou atividades ao longo da tarde na escola de Suzano.  A mensagem, como aquelas pregadas no muro, é clara: “Ainda existe amor no mundo”. “Oferecemos presentes, abraços e colhemos sorrisos. Vimos muita gente entrar [na escola] chorando e sair sorrindo", conta a artista. Também foi o caso de Antônio da Paz, 63 anos, que há três dias saiu de São Roque para trazer cartazes e apoio à comunidade de Suzano. “Aqui não tem ninguém que seja conhecido meu, nem professor, nem aluno. Estou fazendo isso pelas crianças mesmo, trazendo mensagens de apoio paro alunos voltarem a estudar”, diz. Ele conta que também foi a Janaúba (MG), quando um funcionário afastado do Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente incendiou a creche (relembre o caso aqui). “Aonde estiver precisando, eu compareço passando essas mensagens positivas para o pessoal. Sem esperança, a gente não consegue viver”.

Tags

Guias