Escrita pré-silábica: no que devemos prestar atenção
Veja o que deve ser feito (e evitado) no processo de ensino e aprendizagem das crianças nessa hipótese de escrita
POR: Beatriz VichessiQuando as pessoas estão aprendendo a ler, formulam ideias sobre o funcionamento da língua escrita. Essas teorias internas evoluem por meio de reflexões que o próprio aluno faz sobre o sistema de escrita e or meio das interações com o ambiente. Esse processo de evolução do pensamento foi classificado em quatro hipóteses pelas teóricas Emilia Ferreiro e Ana Teberosky: pré-silábica, silábica, silábico-alfabética e alfabética.
LEIA MAIS O que é hipótese silábica
Cada uma dessas hipóteses tem características próprias, que pedem intervenções específicas. Nova Escola começa hoje uma série de reportagens com dicas práticas do que fazer e do que evitar no processo de ensino e aprendizagem na Alfabetização, considerando cada uma das hipóteses. Desta vez, vamos conversar sobre as crianças que têm escrita pré-silábica. Veja a seguir:
Um pouco sobre a hipótese
As crianças, muitas delas ainda na Educação Infantil, já pensam sobre a escrita e fazem registros a seu modo. No início, quando ainda não percebem a escrita como uma representação do que é falado, constroem a chamada hipótese pré-silábica, dividida em dois níveis. No primeiro, inicial, tentam diferenciar o desenho da escrita: o que é possível ler? No segundo nível, perseguem a ideia de que é necessário usar uma quantidade mínima de letras (no mínimo três, geralmente) para escrever o que quer que seja e de que é imprescindível a diversidade de letras. As produções nessa hipótese de escrita são marcadas pela não correspondência entre partes do falado e partes do escrito, ou seja, sem correspondência sonora. Também são características o uso aleatório de letras e preferência por algumas letras independentemente da palavra a ser escrita (a criança pode insistir no uso de letras do próprio nome, pois é um modelo conhecido que gera confiança e funciona como um pequeno alfabeto para ela). Ainda podem ser encontrados nessa hipótese de escrita outros elementos gráficos, como números, e até mesmo garatujas (chamados de rabiscos, minhocas). Mesmo nesses registros primitivos, existe muita intencionalidade por parte dos pequenos: alguns já escrevem da esquerda para a direita e na horizontal, revelando que conhecem algumas características do nosso sistema de escrita.
Exemplos
AJFABEOIP para PANELA
ABEV para MAÇÃ
ICLO para BEXIGA
DO8C para BOLO
- Oferecer variadas oportunidades para os pequenos se relacionarem com materiais escritos que circulam na sociedade, como livros, revistas, panfletos, entre outros.
- Autorizar as crianças a escrever em diversas situações: durante o faz-de-conta, por exemplo. Assim, sem confinar a escrita a determinados momentos e atividades, cria-se um ambiente favorável para que a turma faça descobertas, se interesse mais por leitura e escrita e confronte produções.
- Pedir que os alunos escrevam do melhor jeito que podem, usando as melhores letras.
- Criar momentos de leitura pelo professor e de leitura realizada pelas próprias crianças, mesmo que ainda não leiam convencionalmente.
- Planejar atividades de ditado de textos variados (convites, legendas, anotações sobre um estudo, etc.) para o professor e de escrita por si mesmo, mesmo que os pequenos ainda não escrevam convencionalmente.
- Explorar o trabalho com nome próprio, peça-chave no processo de aquisição da escrita. Ele é um modelo de escrita estável e que funciona como fonte de informação para os pequenos (sobre quantidade e variedade de letras) e como um conflito também. Mais do que pedir para que uma criança escreva o nome dela como sabe e depois que leia apontando com o dedo o que ler, vale investir que ela aprenda a escrever seu nome convencionalmente, tal como identificar o nome de amigos e grafar alguns deles. Diversos questionamentos são colocados em jogo, tais como: por que meu nome tem tais letras e o do meu amigo, outras? Por que tenho de de colocar as letras nessa ordem? Por que o nome do Leonardo tem várias letras e o nome do Caio, poucas? Por que meu amigo que tem o mesmo nome que o meu tem uma plaquinha de nome igual a minha? Por que outros nomes começam com a “minha” letra?
- Desafiar as crianças a escrever palavras se apoiando em outras, como o nome de amigos e títulos de livros preferidos. Por exemplo: que pedaço do nome da BIANCA ajuda a escrever MACACO
- Pedir para a criança ler acompanhando com o dedo o que tiver escrito (itens da festa do seu aniversário, por exemplo), identificando os pedaços da palavra/texto e ir assim, fazendo a ligação entre partes do que está escrito e partes do que é falado. Quando tem de ler o que escreve, ela a é desafiada a pensar nas letras que usou e assim, é confrontada com a própria hipótese. Nesse momento, pode agregar letras ao registro ou desprezar alguma.
- Trabalhar com letras móveis para escrever a lista de itens necessários para determinada atividade, como a decoração da festa junina da sala.
- Perguntar para os pequenos que escrevem mais de uma palavra usando as mesmas letras: CTAOA para LARANJA e BANANA, por exemplo, se sempre usamos as mesmas letras para palavras diferentes, sugerindo que investigue em materiais como livros. Isso vai ajudá-los a refletir sobre o que eles mesmos escrevem, qualificando a hipótese que têm.
- Pedir que os pequenos escrevam em parceria com colegas textos diversos usando lápis e papel ou letras móveis. O trabalho com duplas produtivas é uma condição didática potente. O colega que detém outra hipótese de escrita corrige a criança pré-silábica com uma autoridade diferente da professora. Além disso, trios e duplas criam situações de zonas de desenvolvimento proximal, conceito que implica o outro potencializar em mim conhecimentos e informações. É possível pensar em reunir crianças com a mesma hipótese ou não, a depender da atividade.
- Questionar os alunos onde está uma palavra do título de um dos livros preferidos da classe. Por exemplo, VERMELHO em A VERDADEIRA HISTÓRIA DE CHAPEUZINHO VERMELHO. E depois pedir que expliquem como fizeram para descobrir.
LEIA MAIS Vygotsky e o conceito de zona de desenvolvimento proximal
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Ensinar primeiro o alfabeto para depois começar o trabalho de escrita de palavras e de textos. A criança com hipótese pré-silábica pode ter contato com textos mais longos, para além de listas.
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Dar como tarefa o recorte de letras do alfabeto, ensinar a letra inicial das palavras ou ser exposto somente ao trabalho com palavras.
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Pedir que os alunos escrevam usando letras maiúsculas e minúsculas ou letra cursiva. O adequado é explorar o uso da letra de imprensa maiúscula sempre, para que eles se concentrem nas demandas necessárias para esse momento do processo: quais letras usar e em que ordem.
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Concluir que crianças que recorrem a números para escrever uma palavra não sabem diferenciar, necessariamente, letras de números. É perfeitamente possível que, em alguns casos, elas saibam disso, porém, durante a tarefa da escrita, recorram a um número como um elemento para conseguir diferenciar um registro de outro. Por exemplo: uma menina escreve BRL para PORCO e BRL também para GATO. Ao ser questionada sobre as escritas serem iguais, resolve a questão assim: BRL8.
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Pedir que as crianças escrevam textos longos. Elas tendem a se desinteressar pelo desafio já que ainda não dominam a escrita de palavras e se perdem quando questionadas sobre o que escreveram. No entanto, como o trabalho com textos maiores é bem-vindo, ele deve ficar a cargo do professor no papel de escriba.
Vale ressaltar que, mesmo que as crianças ainda não escrevam de modo convencional, todos os saberes são importantes e é válido trabalhar com desafios que colocam a língua em sua função comunicativa, ou seja, desafiá-las a escrever com alguma finalidade. Além disso, as intervenções não têm efeito mágico. Após realizar uma, não se pode esperar que as crianças passem a escrever tudo corretamente, como se bastasse informar para os alunos aprenderem e então darem respostas corretas. Essa expectativa se contrapõe à ideia de processo. Ao intervir, garantindo a frequência nas atividades de análise e reflexão sobre o sistema da escrita, o professor deve permitir que os pequenos façam as reestruturações necessárias progressivamente.
Confira as outras reportagens da série:
Você sabe o que é a escrita silábica sem valor sonoro convencional?
Escrita silábica com valor sonoro: o que observar para ajudar a turma a avançar
Hipótese silábico-alfabética: como ajudar as crianças a chegar mais perto da escrita convencional
Escrita alfabética: como ajudar as crianças que já produzem registros bem próximos ao convencional
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