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Autismo: como funciona e quais os benefícios da terapia ocupacional

As intervenções de profissionais dessa área da saúde ajudam as crianças com autismo a conquistar autonomia e independência nas tarefas do dia a dia

POR:
Beatriz Vichessi
Imagem mostra mãos de criança com brinquedos pequenos e uma mesa com mais brinquedos ao fundo
Foto: Getty Images

À primeira vista, parece que investir tempo em terapia ocupacional (T.O.) tem a ver com ocupar o tempo vago com passatempos e atividades recreativas. Não. O objetivo de um tratamento nessa área tem a ver com desenvolver de modo sistematizado a capacidade da criança com autismo em desempenhar de forma autônoma, independente e plena as suas ocupações, tarefas e atividades do cotidiano que ela terá ao longo da vida.

Na primeira infância, por exemplo, a principal ocupação de uma criança é o brincar, baseado nisso o objetivo principal da T.O. será gerar funcionalidade e autonomia nesse brincar, sendo ele sozinho ou compartilhado com outras crianças.

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Para explicar mais sobre o tema para o tratamento de crianças autistas, reunimos Dinara Souza, terapeuta ocupacional com certificação internacional em Integração Sensorial, supervisora da área  de Processamento Sensorial da Residência  Psiquiátrica do Ambulatório de Autismo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e sócia-fundadora da clínica Makingsense, em São Paulo, Thais Priore Romano, analista do comportamento e supervisora da equipe transdisciplinar do Grupo Gradual, na capital paulista, e Cristina Camargo, terapeuta ocupacional, especialista da área sensório-motora da equipe transdisciplinar também do Grupo Gradual.

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1. Quais as ocupações humanas que a terapia ocupacional pode ajudar a desenvolver? 

Na infância, a prioridade é o brincar funcional e social, posteriormente a independência e autonomia nas atividades da vida diária, como autocuidado, tarefas de higiene pessoal, alimentação, entre outras. Mais adiante, na escola, o processo de alfabetização requer um apoio muito específico no que se refere à motricidade fina e coordenação visuomotora, fundamentais para grafar e para a aquisição da leitura.  Em seguida, na idade adulta, a ocupação é trabalhar e, muitas vezes, pessoas necessitam de um apoio tanto para se qualificarem como para se colocar no mercado de trabalho.

Quando se trata de pessoas neurotípicas, todas essas ocupações são desenvolvidas de forma orgânica, sem a necessidade de um acompanhamento mais sistematizado: elas aprendem a brincar imitando outros bebês, com os pais, na creche etc., até o ponto que aprendem e brincam sozinhas, inventam as próprias brincadeiras e jogos. No caso de crianças autistas, as ocupações, apesar de básicas, precisam ser estimuladas e ensinadas de forma específica, considerando as potencialidades de cada uma delas e o diagnóstico realizado pela equipe multidisciplinar que as acompanha. 

2. Como o terapeuta ocupacional atua, na prática?

Depende da perspectiva de trabalho que ele adota. É possível trabalhar escolhendo especialidades e abordagens específicas, como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), o modelo Denver, o modelo Floortime ou a Integração Sensorial. Também é possível combinar mais de uma ou não seguir nenhuma especificamente. No Brasil, a Integração Sensorial é uma linha de atuação exclusiva da área da terapia ocupacional e uma das poucas com evidências científicas exclusivas para tratar problemas de processamento sensorial. Segundo essa metodologia de trabalho, o processamento sensorial é a habilidade do sistema nervoso central de absorver, processar e organizar as informações trazidas pelos sentidos e gerar respostas adequadas, seja em forma de comportamento ou aprendizagem.

No caso de uma criança neurotípica, logo que nasce, o cérebro dela recebe informações sensoriais, organiza e dá sentido a elas, respondendo em forma de aprendizagem e comportamentos. O processamento sensorial de crianças autistas é afetado em 95% dos casos: nelas, o processamento das informações sensoriais ocorre de forma desordenada e insatisfatória, gerando respostas inadequadas e atraso nas habilidades em diferentes domínios do desenvolvimento e prejudicando o seu desempenho ocupacional. Vale destacar que os sentidos considerados vão além da visão, audição, olfato, paladar e tato. Existe também o sentido vestibular (responsável pelo equilíbrio) e o proprioceptivo (que responde pela consciência dos movimentos produzidos pelos membros de nosso corpo).  

3. Que tipo de informação pode não ser processada de maneira adequada, por exemplo?

Uma situação que ajuda a compreender bem essa falha do sistema nervoso central é em relação ao abraço. De acordo com o senso comum, diz-se que crianças autistas não gostam de ser abraçadas. Na verdade, não é exatamente isso. O que ocorre é que muitas delas são sensíveis ao abraço porque têm alteração no tato e não processam a informação como uma criança neurotípica. Daí se comportam de outras maneiras. Em vez de retribuir o abraço, como é tradicionalmente esperado, se esquivam, agridem quem tenta abraçá-la, se batem, gritam. 

4. O foco excessivo em objetos que emitem luz ou estão em movimento, como um ventilador, têm a ver com informações não processadas adequadamente também? 

Sim. A criança vê a cena e o cérebro não processa o que vê. Consequentemente, ele não consegue organizar essas informações visuais e não gera respostas adequadas. Por isso, também não faz sentido afirmar que crianças autistas têm fixação, só se interessam por isso em todos os casos. Na verdade, é possível que elas se mantenham olhando para o objeto em questão porque não dão conta de processar a informação, não conseguem passar para a etapa seguinte. 

5. Como o terapeuta ocupacional atua nesse caso, especificamente?

Depende muito de quem é a criança, afinal, é fundamental sempre trabalhar considerando que cada um é um, independentemente de ser ou não autista. Mas, em linha gerais, na perspectiva da integração sensorial, é possível dizer que o profissional precisa ser qualificado e treinado na abordagem de Integração Sensorial, submeter a criança a uma avaliação rigorosa, com instrumentos padronizados para conseguir identificar quais sentidos estão disfuncionais. Com base nisso, ele pode orientar seu trabalho, oferecendo à criança experiências sensoriais mais organizadas e regulatórias, usando aparelhos e equipamentos que geram experiências vestibulares, táteis e proprioceptivas ao mesmo tempo, preferencialmente.  

6. Na atividade de estudante, o que o terapeuta ocupacional pode fazer para contribuir com o desenvolvimento do autista?

Uma das atividades mais marcantes do papel ocupacional de estudante é copiar do quadro e transcrever para o caderno. Isso exige do aluno habilidades tais como coordenação olho-mão, coordenação motora fina e modulação do sistema vestibular, entre outras. Ao observar essas alterações, o terapeuta ocupacional pode intervir buscando melhorar a integração dos sentidos envolvidos e assim proporcionar uma adequação da atividade do escolar. Para integrar essas habilidades, uma das brincadeiras que pode ser oferecida é a do tiro ao alvo em cima de um balanço.

7. Em relação aos comportamentos disruptivos, comuns no Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que o terapeuta ocupacional pode fazer?

Grande parte dos comportamentos repetitivos, estereotipados e inadequados (como rodar objetos, se morder, levar objetos à boca, andar segurando objetos com as mãos, agredir os outros e tapar as orelhas quando exposto a ruídos inesperados, entre outros) apresentam correlação com a desordem do processamento sensorial. Por isso, focar o trabalho simplesmente na contenção deles é ineficaz.

É esperado que o terapeuta ocupacional analise o que desencadeia cada um desses comportamentos e então busque estratégias de intervenção que promovam a modulação dos sistemas sensoriais envolvidos para gerar respostas adequadas ao meio. É importante compreender que esses comportamentos podem ter como base a busca pela modulação dos processamentos sensoriais e também que a intervenção da terapia ocupacional é preventiva, não devendo ser limitada aos momentos de crise.

 

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