Comunicação Não-Violenta: o que é como aplicá-la no dia a dia escolar
A prática coloca luz não no que as pessoas fazem, mas nos motivos que as levam a fazer aquilo, e é capaz de transformar todas as relações da escola
POR: Camila CecílioUma pesquisa realizada em 2018 pela Nova Escola mostrou que mais da metade dos professores já precisaram se afastar do trabalho por questões de saúde. Quase 70% dos profissionais faltaram ao menos um dia do ano letivo de 2018 porque adoeceram. Os motivos? Ambiente de trabalho com condições precárias, falta de apoio dentro da escola, dificuldade de relacionamento com colegas e violência verbal praticada pelos alunos são alguns deles.
A escola é o espaço dedicado à aprendizagem, mas o processo não acontece sem desafios diários – tanto para os professores quanto para os alunos – e se relacionar é um dos mais árduos. Não é incomum ouvir relatos de violência verbal e física no ambiente escolar provocadas, dentre vários motivos, por falta (ou falhas) de comunicação. São situações que causam dor e sofrimento aos envolvidos, levando, em alguns casos, ao afastamento de professores, por exemplo.
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Nesse contexto, a busca por uma cultura de paz na escola se faz necessária. Um dos caminhos para isso é a Comunicação Não-Violenta (CNV). O conceito da CNV foi desenvolvido na década de 1960 pelo psicólogo norte-americano Marshall B. Rosenberg, autor do livro Comunicação Não-Violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais, e é considerada uma das formas mais eficientes de resolução de conflitos. “[Rosenberg] substitui nossos velhos padrões de defesa, recuo ou ataque diante de julgamentos e críticas. A partir de uma longa experiência prática como mediador de conflitos, ele chegou a quatro componentes básicos que guiam a CNV: Observação, Sentimentos, Necessidades e Pedido”, diz um trecho do e-book Comunicação Não Violenta em Sala de Aula .
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O pesquisador Silvio de Melo Barros acredita que a CNV pode transformar o mundo. O especialista, que ministra oficinas regularmente, estuda o tema há mais de uma década e explica que a prática foca não no que as pessoas fazem, mas sim nos motivos que as levam a fazer aquilo. “Se você pergunta o que torna a vida das pessoas mais agradável, em geral elas vão responder que é amor, parceira, reconhecimento, segurança, pertencimento, etc., e nesses 'lugares’ não existe conflito. O conflito se dá nas estratégias que temos para alcançar isso. Tudo que fazemos é para atender a uma necessidade”, afirma.
Segundo ele, cada pessoa precisa ter um espaço para ser aceita e autêntica. As crianças e os adolescentes, por exemplo, são movidos por essas necessidades. Barros lembra o caso de um garoto de 4 anos que agia com agressividade com os colegas de turma e com a professora e mudou seu comportamento ao ter uma necessidade atendida.
Um dia a criança pediu à professora para passar batom e ela deixou. Isso aconteceu mais uma vez e a professora notou que o menino foi ficando menos agressivo. Até que em um determinado momento o menino pediu para usar saia e ela chamou os pais para conversar. Ficou resolvido então que ele usaria roupa de menina e os episódios de agressividade nunca mais aconteceram. “Quando há espaço para que eu seja eu mesmo, eu não preciso agredir ninguém porque estou conectado comigo mesmo”, garante Silvio.
CNV no dia a dia da escola
O professor de Língua Portuguesa Willmann Costa desenvolveu, enquanto esteve na direção da Escola Estadual Chico Anísio, no Rio de Janeiro, um projeto dedicado à Comunicação Não Violenta. Em 2013 o educador, que também é psicólogo, percebeu que a fala gerava um bloqueio nos alunos, atrapalhava a comunicação e gerava atritos diversos. Foi então que ele começou a trabalhar a CNV com os estudantes e, em seguida, com os professores. “A palavra pode ser uma parede ou uma janela. A gente trabalhou muito isso e abriu-se o canal de escuta ativa. Não adianta trabalhar a CNV se não pararmos para escutar o outro. As palavras têm alma, isso pode ferir ou acarinhar”, comenta.
É mais comum praticar comunicação violenta quando se está nervoso, de acordo com Costa, uma vez que “a pessoa traz tudo que está dentro dela e joga isso para o outro”. “Com a CNV aprendemos a ouvir o aluno, a como saber receber feedback, porque o aluno dá feedback a todo momento, e temos que nos preparar para isso. Até um aluno que vai ao banheiro e não volta mais é um feedback”, exemplifica.
Embora não esteja mais à frente da escola, o professor ainda realiza encontros periódicos com os professores para trabalhar o tema. O projeto, que já dura 5 anos, alcançou resultados. A convivência entre todos melhorou, as brigas entre os alunos diminuíram e os professores se tornaram mais tolerantes e pacientes. “Quando o professor aprende a lidar com CNV ele começa a entender mais o aluno, não perde a paciência com facilidade e os alunos ficam mais presentes”, conta.
Como posso colocar a CNV em prática?
Para colocar a CNV em prática no cotidiano escolar é preciso mais do que estudar. É necessário praticar constantemente ou, em outras palavras, “se alimentar disso”, de acordo com Silvio de Melo Barros. O caminho é ler, participar de cursos e grupos de prática onde há trocas, espaços de fala e de escuta ativa. “É importante que tenhamos musculatura emocional para estar em ambientes nada compassivos, para ‘segurar a onda’ em lugares assim”, ressalta.
O especialista garante que a busca é constante e ter uma rede de apoio e um espaço que acolhimento é fundamental durante o processo para que a pessoa praticante possa oferecer o que aprendeu. “Como tenho paz interior se estou em um lugar onde as pessoas não me veem, não me consideram?”, questiona.
Por isso, o engajamento de toda a equipe escolar é essencial para uma Comunicação Não-Violenta realmente efetiva. A transformação da escola passa por todo mundo: professores, coordenação, direção e demais funcionários.
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O professor Willmann Costa concorda e reforça que a escola não é só professor e o aluno, mas sim toda a equipe escolar. “Todo mundo que está na escola é educador. A violência pode ser com gestos. Se a merendeira coloca a comida de forma brusca, é violência. Então tem que fazer diferente. A relação na escola toda muda”, enfatiza o educador.
Também é possível pensar em como a CNV pode ajudar a lidar com situações desgastantes que, muitas vezes, levam a problemas de saúde dos professores. Willmann afirma que a CNV ajuda a aproximar as pessoas e, inclusive, a combater a solidão e a depressão do professor. “A CNV é uma entrada para o bom relacionamento entre as pessoas”, reforça.
Para Silvio, a Comunicação Não-Violenta também é uma oportunidade para a troca. Nos grupos de prática, por exemplo, há contato com pessoas de outras realidades, faz-se amigos, cria-se uma rede de apoio, uma vez que todos ali estão na mesma jornada. “Precisamos nos sentir apoiados, somos de tribos, precisamos disso para viver”, finaliza.
- Pratique a escuta ativa com todos, principalmente com os alunos;
- Observe seus alunos sem fazer avaliações, apenas entenda o que eles estão tentando dizer;
- Desenvolva a empatia;
- Observe a necessidade de quem está em sua volta sem querer fazer diagnóstico;
- Entenda que se você não ouvir o outro não saberá o tamanho de sua dor;
- Aprenda a perceber os feedbacks que as pessoas estão dando com pequenas atitudes;
- Procure ouvir o tom de sua fala. Às vezes, o jeito de falar se sobrepõe ao valor das palavras;
- Nem todo mundo teve as mesmas oportunidades que você teve, seja paciente;
- Entenda que a vulnerabilidade é uma oportunidade para abrir novos caminhos;
- Observe os sinais que o corpo de seu interlocutor emite, o gestual também é um tipo de linguagem.
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