10 brincadeiras africanas e indígenas para explorar na escola
"Mãe galinha" e "Mancala": conheça essas e outras dinâmicas para pôr em cena a diversidade cultural e fortalecer as relações étnico-raciais
POR: Larissa Darc, Rachel BoninoJogos e brincadeiras são recursos poderosos para envolver, engajar e transmitir conhecimentos. Na perspectiva da Educação para as Relações Étnico-Raciais, o brincar pode potencializar as aprendizagens porque, além dos benefícios já citados, ele ainda pode revelar como somos todos brasileiros e, ao mesmo tempo, tão diferentes uns dos outros.
Brincadeiras afro-brasileiras ou africanas e brincadeiras dos povos originários têm muito a oferecer tanto para escolas quilombolas e indígenas, interessadas em resgatar saberes antigos e tradições, como para as demais escolas que compõem a rede de ensino de Educação Básica e que precisam cumprir com as leis 10.639 e 11.645. A primeira estabelece a obrigatoriedade do currículo escolar incluir temáticas relacionadas às histórias e culturas africanas e afro-brasileiras. A segunda institui a obrigatoriedade da inclusão de história e cultura dos povos indígenas no currículo.
Coautora do livro digital gratuito Catálogo de jogos e brincadeiras africanas e afro-brasileiras (Aziza Editora, 2022), Míghian Danae Ferreira Nunes, educadora que integra o Grupo de Pesquisa Sociologia da Infância e Educação Infantil (GEPSI) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação da Universidade Lueji A'Nkonde de Angola (GEPEULAN), ambos da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), acredita que esse tipo de proposta também celebra a vida de crianças e adultos negros. “É, ao mesmo tempo, a denúncia do racismo e o anúncio da potência dessas crianças que brincam”, diz.
- Leia também: O que é e como construir um currículo decolonial?
As brincadeiras e jogos ainda favorecem a integração entre as várias dimensões do sujeito e promovem outras aprendizagens. “A história dos povos africanos foi negada na educação brasileira, como se não contivesse cultura e conhecimento. Mas os jogos resgatam, de forma lúdica e experimental, a história rica e contribuem para a formação cidadã, que visa o coletivo, ou seja, o público, já que muitos deles envolvem a cooperação em vez da disputa, tão incentivada no ocidente”, diz Rosangela Maria Pacheco Chuab, professora na rede municipal do Rio de Janeiro (RJ) e membro do Coletivo de Professores Negros Antirracistas Agbalá.
Resistência e coletividade nas brincadeiras
“Ao brincar, aprende-se a ser Xavante; aprende-se a ser Bororo, aprende-se a ser Tapirapé; aprende-se a ser alguém que se identifica e é identificado por seu grupo. Ser igual e ser diferente do outro”. Esse é um dos destaques do estudo "Jogos/brincadeiras indígenas: a memória lúdica de adultos e idosos de dezoito grupos étnicos", publicado no livro Jogos e culturas indígenas: possibilidades para a educação intercultural na escola (EdUFMT, 2010), organizado pela educadora Beleni Saléte Grando.
O estudo realizado em 2004 contou com o apoio de professores indígenas em formação no ensino superior que buscaram diagnosticar, nas comunidades a que pertenciam, quais eram os jogos e brincadeiras que estavam presentes na memória das pessoas das 18 etnias pesquisadas (Umutina, Baniwa, Rikbatsa, Pataxó, Trumai, Xavante, Bakairi, Paresi, Irantxe, Ikpeng, Bororo, Tikuna, Terena, Tukano, Pataxó, Juruna, Tapirapé e Mehinako).
“Concluímos que seria bem interessante explorar esses jogos na escola para valorizar os conhecimentos tradicionais. Ademais, saberíamos quanto as pessoas estavam praticando e em qual realidade se aplicariam nas escolas desses povos”, conta Severiá Idioriê Xavante, professora da EEIEB Samuel Sahutumê, em Canarana (MT), no território Xavante. Severiá é uma das autoras do estudo mencionado. Touro Bravo e Peteca são duas brincadeiras citadas no estudo e descritas nesta reportagem (leia abaixo).
Severiá explica que tanto os Xavantes como os demais povos indígenas estão sempre “educando o corpo” para ter resistência para andar bastante e carregar cestas de alimentos da roça, por exemplo. Assim, as brincadeiras são o começo desse processo de preparo do corpo.
“Todos os povos ainda têm muita relação com a força física, algo muito importante para nós”, diz Tiago Honório dos Santos, educador e liderança indígena. Ele atua com projeto de escolas caminhantes (com atividades nas aldeias) para atender a 14 comunidades da etnia Guarani, subgrupo Mbya, localizadas em Barragem, bairro do extremo sul da capital paulista.
Para Tiago, além de resistência corporal, as brincadeiras indígenas ensinam muito sobre coletividade. “Além da força, da agilidade, elas têm muita interação com o coletivo. Para os indígenas é normal estar junto”, explica ele. Nas atividades indígenas, há ainda clara conexão com a natureza, já que muitas comunidades estão localizadas em territórios preservados. As brincadeiras apresentam muito dessa relação na sua essência e podem ser adaptadas para transmitir essa integração. Para tal, Severiá sugere que, em vez de ter só uma quadra para jogar, as escolas poderiam ter um lugar para pisar na areia ou mesmo estimular os alunos a jogar descalços, para ter contato direto com a terra.
Adriano Terena, professor de Educação Física da EEI Aldeia Ekeruá, da etnia Terena, em Avaí (SP), coordena as visitas agendadas de escolas não indígenas até a escola em que trabalha para aprender algumas das brincadeiras Terenas e de outras etnias. Na vivência, os visitantes e os alunos da escola indígena brincam juntos: os estudantes ensinam os jogos para os novos colegas.
Nas vivências, brinca-se de Gavião, de Mandioca e de Ema (leia, abaixo, a descrição das brincadeiras) tão presentes nos territórios dos Terenas, e também de luta da tora dos Krenaks, corrida do maraka dos Guaranis, corrida com tora dos Khraôs, entre outras. Incluir jogos de outras etnias torna a experiência ainda mais rica. “Não faz sentido os alunos visitantes conhecerem a cultura de um só povo indígena. Aproveitamos os encontros que realizamos no movimento indígena para aprender com os outros povos e repassamos os saberes para os visitantes”, conta Adriano.
Confira 10 brincadeiras que mostram a diversidade das culturas africanas e indígenas
Brincadeiras indígenas
1. MANDIOCA
Tem variações entre povos de várias etnias, como Terena e Guarani. Em suma, é preciso ter um tronco ou poste para que as crianças façam uma fila em frente ao tronco e, sentadas, entrelaçam os braços na cintura do colega da frente. O primeiro da fila deve abraçar o poste ou tronco. Um participante fica em pé e deve tentar retirar, um a um, o colega que estiver no fim da fila. Quem tenta tirar “as mandiocas”, ou seja, os participantes sentados, não pode puxá-los pelo pescoço ou pelo braço. É preciso puxar perto da barriga também. Essa é uma brincadeira de força e de senso de coletividade já que, se bem entrelaçados, os participantes se ajudam a se manter assim e resistem.
2. MÃE GALINHA
Presente em algumas etnias, essa brincadeira exige espaço grande, como uma quadra. Quanto mais participantes tiver (acima de 20, por exemplo), fica mais divertida. Para brincar, é preciso escolher quem será a mãe galinha, os pintinhos e os dois gatos. As crianças que assumirem o papel de felino devem ficar em um círculo riscado no meio da quadra. A mãe galinha tem o desafio de atravessar os pintinhos de um lado para o outro, protegendo-os dos gatos. Ao sinal da mãe galinha, todos filhotes atravessam a quadra ao mesmo tempo e precisam tomar cuidado para escapar dos ataques dos gatos. Quem for pego vira gato e adentra o círculo. Essa mudança torna mais difícil a passagem dos pintinhos de um lado para o outro da quadra, já que o número de felinos vai crescendo conforme a brincadeira acontece.
3. TOURO BRAVO
Na brincadeira relatada por membros da etnia Umutina (MT), todos os participantes – de preferência, mais de quatro (quanto mais participantes, melhor) – seguram uns nas mãos dos outros, formando uma cerca reta. Um deles tem de ser escolhido para ser o touro bravo, tomar distância e, em seguida, avançar em direção à cerca. Se o touro bravo consegue passar por ela, os demais saem em sua perseguição. Quem pegá-lo será o próximo touro bravo. Se o touro bravo não passar pela cerca, os participantes têm de fechá-la rapidamente em forma de círculo, com o touro dentro. Para sair, ele precisa começar a perguntar para cada integrante da cerca: “Que madeira é essa?” e cada um deve responder o nome de uma , como “cedro”, “pau brasil” etc. Tendo perguntado para todos da cerca, o touro bravo precisa tentar novamente “furar” a roda (cerca). Se conseguir, deve sair em disparada, fugindo dos componentes, que saem em sua perseguição. Quem conseguir pegá-lo será o próximo touro bravo.
4. PETECA
Brincadeira comum em várias etnias, requer espaço amplo, e uma peteca. Os participantes devem formar dois grupos, que ficarão de frente um para o outro – assim como em jogos de vôlei. O participante que estiver com a peteca deve jogá-la em direção a algum membro do outro grupo, que deve rebater, de forma a jogá-la novamente para o outro time. O objetivo da brincadeira é não deixar a peteca cair no chão - quem fizer isso, perde o jogo.
5. EMA
Na brincadeira da etnia Terena, os participantes formam um círculo. Outra criança será a ema. Quem estiver na roda, deve ficar quieto, e o aluno que é a ema tem que se aproximar bem suave, vagarosamente, para ver se ouve algum barulho, se descobre alguma armadilha. Quando a ema entra na roda, os alunos fecham o círculo - essa é a armadilha. A ema, então, tem de perguntar para cada um: “Que madeira você é?” E os alunos da roda respondem : “eu sou eucalipto”, “eu sou mangueira”, “sou pé de mamão”, “sou pé de goiaba” etc. Quando tiver perguntado para todos da roda, a ema tem de escapar. Como as crianças da roda disseram que eram árvores, elas não podem mais se mexer. Isso facilita ou dificulta a saída da ema do círculo. A ema pode tentar escapar pulando por cima, por baixo ou por alguma lateral. Se conseguir, o encanto é desfeito e as crianças da roda deixam de ser árvores e correm para pegar a ema. Quem conseguir encostar nela, será a ema na próxima rodada.
Brincadeiras africanas
1. GARRAFINHA
A brincadeira angolana é realizada por dois grupos de três a oito pessoas cada um. No centro do espaço para o jogo (pode ser uma quadra), uma equipe tem de encher e esvaziar garrafinhas com areia, seguidamente. Enquanto isso, a outra equipe, dividida nas duas extremidades da quadra, arremessa uma bolinha, tentando atingir as pessoas do centro. A dinâmica lembra o jogo de queimada. Quando acertam alguém, as equipes trocam de lugar. O objetivo não é ganhar ou perder, e sim, se divertir (veja o vídeo aqui).
2. LABIRINTO
Originária de Moçambique, pode ser brincada na quadra ou no pátio da escola. Com um giz, desenha-se um labirinto no chão e as crianças devem começar na extremidade externa do desenho (elas podem ficar em pé ou usar uma pedra para representar cada jogador). Para avançar pelo caminho, os jogadores tiram par ou ímpar e o vencedor de cada rodada avança para a posição seguinte. Isso se repete várias vezes e quem chegar ao final primeiro, ganha a partida (veja vídeo aqui).
3. MATACUZANA
O desafio, que deu origem a jogos como "três-marias", precisa de pedrinhas e um buraco no chão para ser brincado. Caso não esteja em um lugar com terra, basta recortar um círculo de papel para delimitar o campo. O objetivo é jogar as pedrinhas para cima, tirar uma ou mais do buraco e pegar de volta a sua antes que ela caia no chão. Quem errar deve passar a vez para o próximo jogador. Vence quem tirar mais pedras do buraco.
4. METE-METE
Para brincar, basta ter um elástico comprido, com as pontas amarradas, e três crianças. Duas esticam o elástico, colocando-o em volta das pernas, enquanto a do meio salta e canta "Mete-Mete/tira-tira/ mete vai ao meio e sai para fora/ mete e tira". A criança do meio deve pular uma vez dentro e outra fora do elástico. Há variações de passos e de formas de pular, além da possibilidade deaumentar o desafio subindo a altura do elástico. Passa a vez a criança que, enquanto estiver pulando, tocar no elástico.
5. MANCALA
O jogo, famoso em muitos países africanos, pode ser jogado entre dois jogadores por vez. São necessárias 36 sementes (ou qualquer outro grão) e um tabuleiro com duas cavidades maiores, os oásis (que servem de reservatório) e 12 ou mais cavas menores. O objetivo é distribuir as sementes, uma a uma, até que vença quem terminar com o maior número delas no oásis. Pode parecer simples, mas há quem compare o jogo a uma partida de xadrez (conheça as regras da partida e baixe o tabuleiro para jogar com a turma).
*Conteúdo publicado originalmente em 15/10/2019 e atualizado em 05/10/2023 para o acréscimo de informações após entrevistas com Severiá Idioriê Xavante, Tiago Honório dos Santos e Adriano Terena.
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