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É fato ou fake? Veja como fazer investigação científica com a sua turma

Na cidade de Ourinhos (SP), estudantes de Ensino Médio aliam método científico e método jornalístico para impedir a circulação de informações incorretas

POR:
Camila Cecílio
O professor de Ciências Estêvão Zilioli e alunos do projeto Hoaxbusters, que faz verificação de fatos com técnicas investigativas e de Educação Midiática    Foto: Wilian Olivato

Aquecimento global existe? Vacinas causam autismo? Alface faz bem ao coração? Na era de excesso de dados, receber informações duvidosas se tornou parte do dia a dia de todos, inclusive dos alunos do Colégio Super Ensino, na cidade de Ourinhos, no interior de São Paulo. As perguntas acima eram frequentemente ouvidas pelo professor de Biologia Estêvão Zilioli. As dúvidas levantadas pelos estudantes de 1º e 2º anos do Ensino Médio tinham origem nas redes sociais e em correntes do WhatsApp. A fim de desbancar essas e outras informações falsas que circulam na internet, o educador criou há cerca de dois anos o projeto

Hoaxbusters, que usa a checagem de fatos e a investigação científica para concluir quais correntes são verdadeiras ou não.

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A criação do projeto demandou uma mudança de postura por parte do professor. No princípio, Estêvão apenas respondia que as informações não eram verdadeiras e explicava porque não faziam sentido. Até que, um dia, ele resolveu usar uma tática diferente. “Parei de responder e pedi que eles mesmos investigassem e trouxessem o resultado da pesquisa para a sala de aula", conta. Em sites que se dedicam a combater a desinformação, como E-farsas e boatos.org, os jovens encontraram respostas para as dúvidas. "Foi incrível porque eles percebiam por conta própria que as mensagens não faziam sentido e eram uma tentativa de enganar as pessoas”, recorda. Após esse episódio, Estêvão enxergou uma oportunidade de incentivar os estudantes a irem mais fundo em suas investigações. “Eu percebi que não existia grande preocupação em ir para as fontes primárias de pesquisa”, diz. “E eu tinha que incentivar os alunos a fazer isso”.

Segundo o professor, Ciências é um dos campos mais suscetíveis à desinformação. Isso acontece porque as informações que se espalham facilmente são aquelas relacionadas ao que as pessoas querem acreditar, mesmo que estejam incorretas ou imprecisas. Por exemplo: descobertas científicas que anunciam tratamentos milagrosos para enfermidades graves como câncer. “Se eu recebo a notícia de que há uma cura e meu pai está com essa doença, a minha tendência é acreditar nessa informação mesmo que ela seja falsa. Há muitos casos de pessoas que abandonam tratamentos com base em informações inexatas, com graves prejuízos a sua saúde”, cita. Por isso, a importância de promover um olhar cada vez mais crítico dos estudantes.

Um caso emblemático citado pelo professor ocorreu durante uma aula sobre vírus, em que um aluno contou que recebeu uma mensagem no WhatsApp que dizia que o chá de anis tinha o mesmo princípio ativo do Tamiflu, um medicamento usado no tratamento da gripe H1N1. Apesar de suspeitar que fosse mentira, o professor não tinha evidências e pediu que o próprio aluno fizesse a pesquisa. A descoberta do estudante e de um colega foi publicada no site do projeto: o princípio ativo do remédio pode ser obtido a partir de uma substância presente no anis, mas isso requer que ela passe por diversas reações feitas em laboratório. No fim das contas, a informação recebida anteriormente era, portanto, uma simplificação exagerada de um fato e levava a conclusões precipitadas.

De uma aula a um projeto

“Jornalismo bem feito e ciência bem feita são coisas muito parecidas”. Para Estêvão, a aproximação entre os métodos usados por repórteres e pesquisadores foi fundamental para o sucesso do projeto. Em ambos os casos, é fundamental partir de uma pergunta disparadora e procurar informações que possam ajudar a respondê-la. No caso científico, essa procura se dá pela leitura, busca de fontes científicas – como artigos em revistas acadêmicas – e pela experimentação. No caso do jornalismo, há a procura por fontes jornalísticas – que podem ou não ser parecidas com as científicas – que podem ser lidas ou entrevistadas. 

Para se preparar, o professor participou de um workshop da agência de fact-checking Lupa. “Muito da inspiração do projeto vem do que aprendi nesse workshop”, diz. “Esse conhecimento me ajudou a dar um norte para o que eu queria fazer. Voltei ao colégio me sentindo mais preparado”. A experiência permitiu a Estêvão conhecer mais de perto o passo-a-passo das checagens de fatos e também a ideia de categorizar os boatos, de acordo com a veracidade ou não deles. 

De volta ao colégio, o professor propôs a criação de uma atividade extracurricular no contraturno para se dedicar à checagem, sem deixar de lado o uso ocasional dessa estratégia nas aulas regulares. A gestão topou, e as oficinas se tornaram optativas para os estudantes do Ensino Médio. Nelas, Estêvão e alunos compartilham notícias e boatos de redes sociais e investigam a existência de evidências científicas que confirmem ou desmintam esses conteúdos. “Nesses momentos, aprendemos também que, para a Ciência, não há verdade absoluta. Mas isso não quer dizer que não possamos reconhecer, usando a Ciência, que alguma informação é seguramente falsa. O que fazemos no projeto é algo bem próximo ao que os cientistas fazem: rejeitar hipóteses que se mostrem incorretas”, diz ele.

O método de Estêvão é direto ao ponto. Com os boatos em mãos, o professor apresenta uma série de perguntas que precisam ser respondidas. Parte delas coloca em xeque a credibilidade de quem veiculou a informação: qual a fonte usada? Quem é o autor? Há alguma intenção escondida nessa publicação? Apenas um lado é mostrado? Há uma simplificação exagerada nas explicações? Há críticas ou elogios? Além disso, os estudantes são encorajados a pesquisar em fontes confiáveis, como artigos acadêmicos e revistas de divulgação científica. O resultado da pesquisa deve ser consolidado em um texto, que explica a veracidade – ou não – da informação. Para dar conta de todas as nuances, os estudantes criaram os próprios selos para categorizar os boatos (veja no box abaixo).

ALÉM DO VERDADEIRO OU FALSO - SELOS DE CHECAGEM

Uma das premissas do Hoaxbusters é a de que não estamos lidando apenas com informações verdadeiras ou falsas. Há muitas nuances: um texto pode não ter fontes, pode ter sido divulgado fora de contexto e até pode ser impossível verificar a veracidade dele. Para mostrar isso, no começo do projeto os alunos usavam os selos de checagem da Agência Lupa nas suas investigações. Com o tempo, e inspirados na metodologia de trabalho da agência, eles criaram seus próprios selos de checagem, com linguagem própria e levando em consideração a experiência que tinham até então. Para isso, eles contaram com da designer Karla Vidal que, após discutir com o grupo, desenhou os selos e o site usado por eles. Veja abaixo:

FAKE!: Depois de pesquisar a fundo, chegou-se à conclusão de que a informação não é verdadeira.

FOI NA MALDADE!: Além de incorreta, a informação foi criada com o único intuito de prejudicar alguém ou algum grupo.

ESSA É VELHA!: Correntes ou informações antigas e fora de contexto.

DADOS ESTRANHOS!: Existem informações contraditórias ou não existe consenso sobre o assunto.

TÁ SEM FONTE!: O autor não citou a fonte de suas informações e não foram encontrados dados seguros que a comprovem.

NÃO AFOBA!: Pode até ser verdade, mas não foi possível encontrar nada conclusivo sobre o assunto.

OMG! QUE EXAGERO!: Pode até não ser mentira, mas as informações foram exageradas.

O BURACO É MAIS EMBAIXO!: A informação está correta, mas o leitor merece um detalhamento.

VERDADE!: Tudo que pesquisamos mostrou que a informação é correta.

Para além de Ciências, cidadania digital

O projeto assumiu uma nova etapa quando o professor foi selecionado para fazer parte do programa Google Innovator, do Google for Education. Estêvão passou na seleção com o projeto e, desde fevereiro de 2018, promove encontros semanais com um grupo de cerca de 15 alunos do Ensino Médio que participa voluntariamente das checagens.

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Com o desenvolvimento do Hoaxbusters, Estêvão foi percebendo que sua iniciativa era mais do que um projeto de Ciências: era também um projeto de cidadania digital. “O mundo digital media boa parte das nossas interações e relacionamentos. Se não entendermos como nos relacionar com a informação nesse ambiente, não teremos os instrumentos para uma cidadania plena”, afirma. Essa visão abriu caminho para o professor participar de uma formação com a professora Renee Hobbs, autoridade reconhecida internacionalmente na área de Letramento Digital e Midiático. A convite do EducaMídia, programa do Instituto Palavra Aberta, Estêvão embarcou com outros educadores para um curso de formação de professores para a educação midiática nos Estados Unidos. “Fomos incentivados a estimular o aprendizado com base na investigação, o que eu intuitivamente já vinha fazendo”, afirma.

A jornalista e consultora de projetos de Educação e Comunicação Januária Cristina Alves ressalta que a Educação Midiática tem a função de reforçar comportamentos que já são do estudante, como pesquisar, analisar, checar fontes, aprender a estruturar um texto e reconhecer suas características. “É importante incluir a Educação Midiática no dia a dia dos estudantes da maneira mais orgânica possível até que faça parte da rotina deles, independentemente da disciplina”, diz a especialista, que também é mestre em Comunicação.

 

Hoaxbusters, fact checking colaborativo - Estêvão Zilioli

Área: Ciências, porém pode ser realizado de forma interdisciplinar ou em diversas disciplinas, como Língua Portuguesa, História, Sociologia, Educação Física, etc.

Anos: do 9º ano do Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio

Duração: Contínuo

Objetivos (Habilidades da BNCC)

(EM13LGG401) Analisar criticamente textos de modo a compreender e caracterizar as línguas como fenômeno (geo)político, histórico, social, cultural, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso.

(EM13LP32) Selecionar informações e dados necessários para uma dada pesquisa (sem excedê-los) em diferentes fontes (orais, impressas, digitais etc.) e comparar autonomamente esses conteúdos, levando em conta seus contextos de produção, referências e índices de confiabilidade, e percebendo coincidências, complementaridades, contradições, erros ou imprecisões conceituais e de dados, de forma a compreender e posicionar-se criticamente sobre esses conteúdos e estabelecer recortes precisos.

(EM13CNT302) Comunicar, para públicos variados, em diversos contextos, resultados de análises, pesquisas e/ou experimentos, elaborando e/ou interpretando textos, gráficos, tabelas, símbolos, códigos, sistemas de classificação e equações, por meio de diferentes linguagens, mídias, tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), de modo a participar e/ou promover debates em torno de temas científicos e/ou tecnológicos de relevância sociocultural e ambiental.

Relação com a BNCC

"Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas”.
Competência Geral número 2

“Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta."
Competência Geral número 7

Passo a passo do projeto

1. Com a participação dos estudantes, levante boatos ou informações que circulam em suas famílias ou entre seus amigos. Podem surgir dúvidas como “Tomar leite com manga faz mal?” ou “Graviola cura câncer?". Proponha que os estudantes investiguem esses temas – em sala de aula ou em casa – e compartilhem os resultados com os colegas na escola.

2. Discuta os resultados das pesquisas. Indague quais foram as fontes usadas e a metodologia. É possível que canais como Google, Wikipédia, E-farsas e Boatos.org sejam citados. Provoque os estudantes a pensar quais outras fontes poderiam ser acessadas.

3. Levante outros temas para checagem e convide-os a pesquisar em revistas acadêmicas e sites oficiais ligados a universidades, ao governo ou núcleos de pesquisa. Em alguns casos, disponibilize livros ou proponha uma ida à biblioteca em busca de livros que tratem do assunto. Monte com os estudantes um roteiro de perguntas que os ajude a conduzir essa investigação.

4. Apresente sites como o da Agência Lupa ou do portal Aos Fatos, onde há detalhes sobre o processo de checagem realizado por eles. Levante as semelhanças entre essa atividade e a investigação científica e proponha que os estudantes criem algo parecido: produzindo textos com as suas descobertas e atribuindo categorias aos boatos que deram início à pesquisa, como Verdadeiro, Falso, Contraditório, etc.

5. Estabeleça parcerias com professores de outras disciplinas, permitindo que eles proponham temas para serem checados e ajudem a levantar informações sobre a metodologia de pesquisa em suas próprias áreas. Em alguns temas, possibilite que todos os estudantes pesquisem ao mesmo tempo e possam ir mais fundo: assistindo documentários, realizando entrevistas coletivas e compartilhando as descobertas com o grupo todo.

6. Sistematize o que foi aprendido durante o processo, com a ajuda dos estudantes. Converse sobre os desafios superados e liste cuidados a serem tomados nas próximas produções.

  

VEJA PLANOS DE AULA PARA EXPLORAR EDUCAÇÃO MIDIÁTICA NA ESCOLA

Ciências – Teoria da Terra Plana: fake news?
O objetivo deste plano é fazer com que os alunos analisem a Teoria da Terra Plana usando argumentos adquiridos nas aulas anteriores. Como sabemos que a terra é redonda? Quais são as evidências que nos mostram isso? 

Língua Portuguesa – Notícia online: discussão sobre fake news
Com este plano, você mostrará aos alunos como analisar a estrutura e funcionamento dos hiperlinks em textos noticiosos publicados na web e vislumbrar possibilidades de uma escrita hipertextual. 

Língua Portuguesa – Fake news: como trabalhar em sala de aula
O gênero notícia pode ser entendido como um texto no qual se divulga um fato ou acontecimento, veiculado principalmente por jornais, revistas e rádios, impressos, eletrônicos ou televisivos. Nesta aula, os alunos aprenderão a distinguir fatos de opiniões/sugestões em textos (informativos, jornalísticos, publicitários etc.).

Inglês – Leitura: entendendo as fake news
Este plano de aula permite explorar ambientes virtuais de informação e socialização (Facebook, Twitter, Instagram, grupos de WhatsApp) para analisar a qualidade e a validade das informações que estão sendo veiculadas. Esta aula é a primeira de uma sequência de duas que falam sobre fake news. 

Inglês – Análise de fake news
Esta é a segunda parte da aula sobre fake news. Na primeira, visa-se a discussão sobre o que seja esse tipo de notícias e como detectar. Nesta segunda parte, a intenção é fazer com que o aluno pratique um pouco esses conceitos.

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Este conteúdo é parte do projeto EducaMídia, do Instituto Palavra Aberta, com apoio do Google.org, para incentivar a Educação Midiática e a liberdade de expressão.

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