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Sem conexão à internet, como fica a Educação em 2021?

No contexto do ensino remoto ou híbrido, a falta de conectividade aprofunda as desigualdades educacionais e sociais

POR:
Alessandra Gotti
Foto: Prefeitura de Fortaleza

*Texto escrito por Alessandra Gotti e Marise De Luca

O Brasil tinha 39,8 milhões de pessoas sem conexão à internet no final de 2019, o que representa 21,7% da população com idade acima de 10 anos.

Os números são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad C), com levantamento feito no 4º trimestre de 2019, divulgada em abril deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no suplemento de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC).

Em 2018, o número de brasileiros que não tinham acesso à rede mundial de computadores era de 45,9 milhões, o que correspondia a 25,3% da população com 10 anos ou mais. Em um ano, o número de internautas no Brasil aumentou em 6,1 milhões de pessoas. Havia no país, ao final de 2019, 143,5 milhões pessoas conectadas à internet (78,3%).

Os dados mostram que, apesar do crescimento do acesso à internet entre estudantes maiores de 10 anos, 4,3 milhões ainda não utilizavam o serviço no último trimestre de 2019, ou seja, antes do início da pandemia da Covid-19. A maioria desses estudantes, 95,9%, eram alunos da rede pública de ensino.

Enquanto quase todos os estudantes de escolas particulares, 98,4%, tinham acesso à internet; nas escolas públicas os estudantes conectados representavam 83,7%. Quando se analisam os dados por região, nota-se uma diferença ainda maior.

No Norte e Nordeste, o percentual de estudantes da rede pública que utilizaram a internet foi de 68,4% e 77,0%, respectivamente. Nas demais regiões esse percentual variou de 88,6% a 91,3%.

A conectividade como fator-chave para o acesso à Educação

O contexto da pandemia da Covid-19 evidenciou, para além da desigualdade social e educacional, a assimetria de conectividade no país. Esse tema ganhou caráter urgente para a sociedade em geral e, em especial, para a Educação.

De acordo com a pesquisa da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) sobre volta às aulas em 2021, realizada com apoio do Itaú Social e do Fundo das Nações Unidas pela Infância (UNICEF), que cobriu 2 em cada 3 redes municipais de educação, 91,9% das redes municipais cumpriu o calendário de 2020 apenas com atividades não presenciais. Em 8,1% delas foi adotado o ensino híbrido, com atividades pedagógicas presenciais e não presenciais.

Já em 2021, a pesquisa da UNDIME aponta que 63,3% das redes municipais pretendiam iniciar o ano letivo de forma não presencial. Do mesmo modo, segundo a página criada pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) para o acompanhamento em tempo real das ações das redes estaduais, a maioria delas tem adotado o ensino remoto em 2021.

Fonte: Consed

Com a adoção do ensino remoto na grande maioria das redes estaduais e municipais do país, a conectividade passou a ser fator-chave para o acesso à Educação.

Como não podia ser diferente, a pesquisa nacional da Undime mencionada anteriormente apontou que o acesso dos estudantes à internet é a maior dificuldade no atual cenário.

Fonte: Undime

A falta de conectividade agravou um problema já dramático no Brasil: a evasão escolar. Segundo a pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pelo C6 Bank, pelo menos 8,4% das pessoas com idade entre 6 e 34 anos matriculadas antes da crise sanitária informaram que abandonaram a escola.

O pior resultado foi registrado entre os estudantes do ensino superior, com um abandono de 16,3%, seguido daqueles que estavam no Ensino Médio, de 10,8%.

De acordo com o relatório da Unicef, publicado em janeiro deste ano, em outubro de 2020 o percentual de estudantes de 6 a 17 anos que não frequentavam a escola no país chegava a 3,8% (1.380.891 milhão), enquanto a média nacional em 2019 era de 2%.

Somam-se a esses mais de 1,3 milhão, outros 4.125.429 milhões que afirmam não ter tido acesso às atividades, embora ainda tenham vínculo com a escola. O resultado dessa equação é mais de 5,5 milhões de crianças e adolescentes que não tiveram acesso à educação no ano passado.

Os caminhos para levar conectividade às escolas, professores e estudantes

Educação de qualidade, nos tempos atuais, exige acessibilidade, conectividade e disponibilidade de ferramentas digitais, para escolas, estudantes e professores. Não se pode ignorar a demanda por utilização de ferramentas de tecnologia de informação e comunicação que, embora amplamente disponíveis, são desigualmente acessíveis ou mesmo inacessíveis.

A infraestrutura tecnológica de acesso à internet é apenas um dos elementos da transformação da Educação. Outro desafio para assegurar as atividades letivas em um cenário de ensino remoto ou híbrido é ter os equipamentos adequados, tais como computadores, tablets ou mesmo celulares smartphones para escolas, estudantes e professores, dentro e fora da escola.

Não podemos esquecer ainda da essencial formação dos professores para a utilização da internet e ferramentas digitais. Isso porque a universalização da conectividade para a Educação engloba a disponibilidade da infraestrutura, o acesso a equipamentos e a adoção da internet, ou seja, ser capaz de fazer uso dela com intuito pedagógico.

Apesar da urgência de investimento em conectividade nesse momento, foi vetado integralmente pelo governo federal o Projeto de Lei nº 3477 (Dep. Idilvan Alencar – PDT/CE e outros), que garantia investimentos em conectividade para estudantes e professores da escola pública.  Há a esperança de que o parlamento federal derrube os vetos.

Além desse projeto, há outros possíveis caminhos para os quais a sociedade civil precisa estar atenta. Uma grande janela de oportunidades é assegurar, como contrapartida obrigatória no leilão de frequências do 5G, a internet em 14 mil escolas públicas do pais, o que representa 20% das 30% de escolas que hoje não têm conexão com a internet.

Outra possibilidade é a Lei nº 14.109/20, conhecida como lei do FUST – Fundo de Universalização das Telecomunicações, que prevê, dentre outras coisas, levar conectividade a todas as escolas públicas até 2024, e que está sendo regulamentada.

Há ainda o Projeto de Lei nº 3462 (Senador Paulo Paim – PT/RS), que  assegura o acesso dos estudantes integrantes de famílias de baixa renda ao ensino remoto por meio do acesso à internet (banda larga fixa e móvel).

Programas existentes como o PIEC (Programa de Inovação Educação Conectada), o PBLE (Programa de Banda Larga nas Escolas), o programa WI-FI Brasil, e outros mais são também possíveis fontes de financiamento da conectividade para os quais as redes estaduais e municipais precisam estar atentos.

A priorização da Educação é um imperativo para a reconstrução de nosso país e para seu desenvolvimento social e econômico. E sem sombra de dúvida, priorizar a educação hoje requer garantir que a conectividade chegue a escolas, professores e estudantes onde quer que estejam.

Alessandra Gotti é fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule. Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Foi Consultora da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Marise De Luca é conselheira do Instituto Articule. Especialista em Tecnologia de Informação e Telecomunicações. Executiva e consultora no setor no Brasil e América Latina.