Como trabalhar com a autoavaliação dos alunos durante o ensino remoto?
Estratégia ajuda os alunos a desenvolverem uma série de habilidades, como o autoconhecimento e a autonomia, e permite que o professor acompanhe melhor o processo de aprendizagem a distância
POR: Nairim BernardoA autoavaliação sempre foi uma opção para o processo avaliativo. Ocorre que, por falta de conhecimento ou familiaridade, muitos professores não a utilizam em seu trabalho. No entanto, com o ensino remoto e a dificuldade de acompanhar os alunos de perto, esse tipo de avaliação se mostra um importante instrumento para que os docentes acompanhem e entendam o processo de aprendizagem de cada estudante.
Mas afinal, o que é autoavaliação? Ela pode ser definida como o processo pelo qual uma pessoa avalia, problematiza e repensa suas produções, suas ações, seu desempenho e suas habilidades, refletindo não só sobre o seu resultado, mas sobre todo o processo. No ambiente escolar, a autoavaliação, assim como os outros instrumentos avaliativos, também precisa ser considerada como parte integrante e essencial do desenvolvimento de conhecimentos e competências, e não só como uma etapa final.
Segundo Vivian Marxreiter, professora de Língua Portuguesa e mestre em Métodos e Gestão em Avaliação, a autoavaliação ainda é vista com desconfiança por muitos educadores. “Há muito receio dos professores em relação à autoavaliação, pois eles acham que ela se resume aos alunos se atribuírem uma nota. Porém, ao estudar o tema, percebemos que ela tem um valor muito grande para a formação integral do indivíduo”.
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Espaço para o protagonismo dos estudantes
De acordo com Vivian, o ensino remoto evidencia ainda mais a necessidade de um outro olhar para a autoavaliação. “Num momento difícil, muitos professores perceberam que não têm domínio sobre tudo que imaginavam ter na sala de aula. O professor não é o detentor do conhecimento, mas um mediador e, com o ensino remoto, ele precisou investir em estratégias para saber o que e como os alunos estão estudando”.
A especialista também aponta que, no momento atual, em que as escolas precisam seguir na modalidade remota ou híbrida, essa necessidade de autoavaliação coincide com outros aspectos que evidenciam um maior protagonismo dos alunos, como a valorização das habilidades socioemocionais e o fato de as crianças e os adolescentes serem nativos digitais.
Apesar disso, adotar a autoavaliação não significa deixar os alunos soltos nesse processo. Os professores de todas as etapas e disciplinas precisam orientar os estudantes sobre a necessidade de um olhar para as próprias ações, e como isso deve ser feito. Para ajudar os alunos no processo, o educador pode preparar um roteiro de perguntas sobre as práticas desenvolvidas em um trabalho individual, um projeto em grupo ou ao longo de um determinado período.
Um exemplo é pedir ao aluno que conte como organizou a rotina de estudos, quais dificuldades encontrou para entender o conteúdo, como buscou superá-las, se conseguiria explicar o conteúdo para um colega e como faria isso. O estudante também pode responder sobre como foi a sua participação em um trabalho em grupo, o que o professor e a escola poderiam mudar em suas práticas e como isso o ajudaria individualmente.
Entre os benefícios da autoavaliação, Vivian cita que o aluno passa a perceber que a aquisição de conhecimentos é gradativa, que ele é protagonista do seu próprio processo de aprendizagem e que precisa ter autonomia para investir em suas formas particulares de aprender. “O estudante também compreende melhor que é preciso criar uma rotina individual de estudos e que ele tem potencialidades e dificuldades que podem ser trabalhadas.”
Autoavaliação
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Autoavaliação na prática
A Escola Municipal Prof. Waldir Garcia, localizada em Manaus (AM), trabalha com a perspectiva de Educação integral e utiliza a autoavaliação em todos os componentes curriculares e para todas as turmas. Danielle Pinto Coelho é professora de uma turma de 5º ano e organiza assembleias ao final de cada bimestre para que os alunos reflitam individual e coletivamente sobre sua participação em cada atividade e projeto.
Quando acontece presencialmente, a assembleia da turma pode durar até dois dias, de modo que todos consigam falar e comentar as falas dos colegas. “Para quem não está acostumado, o mais difícil é falar de si mesmo, afinal sempre esperamos a opinião do outro. Mas na escola temos inúmeras atividades que incentivam que eles falem, deem opiniões e participem de assembleias e projetos de tutorias”, conta Danielle.
No ensino remoto, a assembleia foi transferida para o formato de videochamada, mas como alguns alunos não conseguem participar, a professora também elabora um formulário online para todos responderem. “A autoavaliação é importante para escutá-los, para saber como eles veem o que estamos fazendo”, afirma. Nesses momentos, ela também realiza uma autoavaliação de sua prática docente, refletindo sobre ela e perguntando para a turma como pode melhorar.
Além dessa atividade, realizada no final do semestre, os roteiros de estudos semanais que a escola adota são desenvolvidos com as seguintes rubricas: atividades a serem feitas, o que significa cumprir a atividade, o que pode ser melhorado e o que está além das expectativas [veja exemplo abaixo].
Assim, mesmo a distância, o aluno entende o que precisa fazer e se conseguiu realizar a proposta. Segundo a professora, um próximo passo, que ela pretende desenvolver na volta às aulas presenciais, é discutir com os estudantes o que deve fazer parte de cada um desses critérios. Assim, a turma também poderá sugerir em quais critérios deve ser avaliada.
Cláudia Sosinho, professora de Física para o 2º e 3º ano do Ensino Médio no Colégio Estadual Chico Anysio, no Rio de Janeiro (RJ), mostra que esse instrumento avaliativo pode ser usado por todas as áreas. “Quando penso em autoavaliação, quero que o aluno reflita sobre o seu processo de aprendizagem, atrelado a todas as competências com as quais eu também trabalho. Quero saber não só se ele aprendeu as Leis de Newton, mas como conduziu esse processo – como se organizou e se comunicou com os colegas, se trabalhou de forma colaborativa ou ajudou alguém que estava com dificuldade”, explica a educadora.
Presencialmente, a turma já conversava e respondia por escrito uma série de questões sobre o seu processo de aprendizagem. Agora, fazem isso por meio de um formulário digital. A professora conta que, no ensino remoto, quis trabalhar com foco no comportamento.
“Protagonismo e autonomia são habilidades que nós desenvolvemos com o tempo. Eles ainda estavam nesse processo quando, de repente, se viram obrigados a colocar tudo em prática. A pandemia nos força a ter responsabilidade, organização, planejamento e a nos ajudarmos muito”.
Em relação aos conhecimentos específicos da sua disciplina, uma estratégia utilizada pela professora é pedir que os alunos refaçam uma prova durante as avaliações de reforço. Ela apresenta a prova na qual o aluno não obteve uma boa nota e pede que ele aponte as questões que errou e diga qual foi erro na resolução do problema e porque errou. “Assim, ele tem a oportunidade de rever o que fez, refletir e aprender com aquilo.”
Atribuição de notas
Como o objetivo maior da autoavaliação é o acompanhamento do processo, não é obrigatório que os alunos se atribuam uma nota, mas isso também pode ser feito. Danielle conta que, quando o processo é bem conduzido, geralmente as crianças não utilizam a autoavaliação para conseguir vantagens. “Por incrível que pareça, a maioria se dá uma nota baixa, mas os colegas lembram que ele fez as atividades e dizem que ele merece mais. Por outro lado, se alguém diz que ajudou em uma atividade e não é verdade, os colegas podem contradizê-lo".
Segundo ela, quem tem facilidade é bastante autocrítico e exigente, e quem não tem aprende a reconhecer suas dificuldades e como pode melhorar. Ela compara o que foi dito na assembleia e escrito nos formulários virtuais individuais com o que tem anotado sobre o acompanhamento que faz do aluno ao longo do bimestre. Assim, é possível questioná-lo com argumentos quando necessário.
Cláudia diz que entre seus alunos a situação se repete e, mesmo quando estão preocupados com as notas, eles fazem um verdadeiro exercício de reflexão. “Você está dando uma responsabilidade grande quando diz que ele pode se dar uma nota, mas ele também sabe que o professor o acompanha durante todo o tempo”, afirma a professora.
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Dê exemplos
Especialmente quando os alunos não estão acostumados ou nunca fizeram uma autoavaliação, é importante que o professor explique porque ela é importante e dê um exemplo. Em uma videochamada, em um vídeo gravado ou em um texto, é possível se autoavaliar contando como planejou uma aula ou sequência didática, quais dificuldades encontrou, quais mudanças fez ao longo do processo, o que percebeu que funcionou e o que pretende fazer para continuar ou melhorar o trabalho.
Diversifique as estratégias
A autoavaliação não tem um momento certo para acontecer, e precisa ser usada durante todo o processo para provocar as mudanças necessárias na aprendizagem. Por isso, o professor pode investir em diversos formatos, desde que atenda a todos os estudantes. Se os alunos não conseguem participar de encontros síncronos, a assembleia virtual não pode ser a única opção.
Agregue, por exemplo, a elaboração de diários de bordo ou de mapas conceituais, em que o aluno percebe se consegue organizar os conhecimentos sobre um conteúdo.
Utilize a tecnologia
Oriente a todos sobre fotografar, filmar e arquivar seus processos: rascunhos de textos e anotações, contas que estavam erradas, links de sites utilizados para estudo, experiências que deram e que não deram certo.
Parte do material pode ser enviada para que o professor consiga acompanhar como cada um está estudando em casa. Uma outra parte pode ser mantida com o estudante, para que ele consiga visualizar o caminho que percorreu e as mudanças ocorridas ao longo do tempo.
Momentos de feedback
Organize momentos de retorno individual -- mas eles não precisam acontecer em um período curto para não sobrecarregar o professor. Por videochamada, ligação telefônica ou mensagem de texto, converse com cada aluno sobre o que tem conseguido acompanhar de seus estudos e sobre sua autoavaliação.
Caso haja uma divergência de opiniões, revejam as estratégias. Por exemplo, se um aluno diz que cumpriu bem todas as atividades, mas o professor não considera que isso ocorreu, podem ser adotados o envio de registros para que o docente também acompanhe o processo ou a elaboração de rubricas (descrição detalhada do que deve ser feito).
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