Trabalho em grupo: como a colaboração favorece o avanço nas aprendizagens
A estratégia coloca o aluno como protagonista, e pode ser adaptada para o contexto remoto, híbrido ou presencial
POR: Paula SalasSe antes da pandemia as salas de aula já eram heterogêneas, com as desigualdades de acesso ao ensino remoto, os níveis de aprendizagem em uma mesma turma serão ainda mais diferentes. Nesse cenário, o trabalho colaborativo mostra-se uma boa estratégia para apoiar o trabalho docente. “É uma quebra do paradigma de que o aluno só vai aprender com o professor. Um estudante consegue aprender com o outro”, explica Priscila de Medeiros, professora na rede municipal de Rancharia (SP).
Há anos cientistas investigam como o cérebro aprende, e os estudos trazem informações importantes para os educadores. Entre eles, temos a pirâmide de aprendizagem, a qual mostra que quanto mais interação, maior é a aprendizagem. Isto é, entre uma aula expositiva em que o aluno é passivo e uma em que há um momento de discussão em grupo, a aprendizagem é mais efetiva no segundo cenário. "A neurociência pode nos ajudar a potencializar nosso trabalho", afirma Cláudia Siqueira, diretora pedagógica do Instituto Sidarta e palestrante no TEDX São Paulo sobre aprendizagem colaborativa.
Com isso, temos que a neurociência aponta a colaboração como uma boa estratégia para o desenvolvimento. O trabalho em grupo também resgata uma característica do ser humano. "As crianças se apoiam por natureza, elas são colaborativas. Quem tira isso é a configuração da sala de aula", aponta Cláudia. "Se não for com a participação dos alunos [a aprendizagem] não acontece. Acreditamos na metodologia de grupos também para o desenvolvimento emocional e social dos estudantes", complementa Amaro Valentin, professor de Física na Escola Estadual de Educação Profissional Alan Pinho Tabosa, em Pentecoste (CE).
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Diante do cenário que vivemos em 2021, em que é preciso recuperar e avançar nas aprendizagens, potencializar as trocas e o espaço da sala de aula – seja no contexto híbrido, seja no remoto – é fundamental. “Um espaço onde as crianças trabalham colaborativamente é um ambiente seguro de aprendizagem. Criamos ambientes equitativos, não tem o melhor e o pior, mas todos estão juntos em desenvolvimento, todos sabem algo”, afirma Claudia.
A heterogeneidade não deve ser vista como uma dificuldade a ser superada, mas como a oportunidade de aproveitar a variedade de saberes presentes em sala de aula. “As pessoas pensam de formas diferentes e tentamos homogeneizar as respostas. A colaboração potencializa o indivíduo e coloca o estudante no centro”, afirma Cláudia. No entanto, para tal, é preciso que seja realizado um trabalho intencional. Para saber como fazer isso na prática, continue acompanhando a reportagem para conhecer a experiência de professores da rede pública e dicas de como planejar essa estratégia.
WhatsApp e o Google Meet possibilitam as trocas entre alunos
Na Escola Estadual Professora Judith Ferreira Piva, em Ribeirão Pires (SP), os alunos de Dayane Martins Silva, professora de Língua Portuguesa para o Fundamental 2, já estavam acostumados a trabalhar em grupo. Com a turma de 9º ano, Judith trabalhou com textos argumentativos e científicos. A professora conta que, por WhatsApp, fazia a explicação e trazia o referencial para os alunos por texto ou áudio. "Para sintetizar a sequência didática, eu fazia um tiktok [resumindo o tópico que haviam visto]", explica. Em seguida, era o momento da produção dos alunos.
Com o tema decidido, os alunos eram divididos em grupos para debaterem o assunto. Para tal, eles criavam grupos também por WhatsApp. Depois, toda a turma participava da construção de um texto coletivo, utilizando as discussões que haviam realizado e repassando as características e partes do gênero textual que estavam estudando.
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O trabalho em grupo também esteve presente na produção textual na Escola Municipal Lázara Nogueira Severo Lins, em Rancharia (SP). A professora Priscila de Medeiros criou, com sua turma de 4º ano, um jornal da escola, o Lazinha News. A publicação quinzenal trazia notícias variadas para a comunidade escolar e os assuntos das reportagens e entrevistas partiram do interesse dos alunos. "A primeira matéria de capa era sobre o dia a dia de um estudante na pandemia. Foi muito significativo, eles se viam no trabalho, podiam falar o que estavam passando", conta a educadora.
A iniciativa era opcional e os encontros, duas vezes na semana. Mas, entre os 46 alunos da professora, 31 participavam do projeto. Segundo a educadora, quem não se envolveu era por falta de acesso à internet.
Além dos encontros semanais, os alunos também trabalham em duplas e trios produtivos para escrever os textos. "A minha estratégia era unir alunos que tinham saberes diferentes, porém, que fossem próximos de forma a que um complementasse o outro", explica a educadora.
Os grupos encontravam-se (virtualmente), por Google Meet ou videochamada do WhatsApp, para escrever. No início, a professora participava dos encontros para poder fazer intervenções e ajudá-los na produção. Mas, a partir da terceira edição do jornal, os alunos desenvolveram a autonomia para organizar o trabalho dentro dos grupos e entregar nas datas determinadas.
Parceria entre os professores
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Os professores também podem se beneficiar com a colaboração. Na rede municipal de Poços de Caldas, a professora de Artes Gabriela Mallman uniu-se com a de Ensino Religioso para planejar e preparar as atividades. "Vemos os conteúdos que cada uma vai trabalhar e pensamos como podemos integrar", explica. Nesse processo, além de ter alguém com quem trocar sobre as estratégias, também tem outra pessoa para compartilhar as percepções sobre o aproveitamento e participação dos alunos.
Nesse período, as educadoras têm focado em atividades para o desenvolvimento socioemocional com iniciativas, como o diário do distanciamento, em que os alunos tinham de fazer registros durante a pandemia. Também foi feito um trabalho com os símbolos religiosos e artísticos, em que os alunos tiveram de criar um que os representasse.
Esse trabalho em parceria permanece no contexto híbrido, o que tem sido benéfico, pois, com as aulas mais curtas, de 30 minutos, os alunos têm 1 hora na semana para se dedicarem às propostas.
A experiência da aprendizagem cooperativa no Ensino Médio
Desde 2014, o professor Amaro trabalha na escola dentro da proposta de aprendizagem cooperativa – que existe desde 1994 na instituição. Quando os alunos chegam ao 1º ano do Ensino Médio, todos fazem uma imersão de uma semana para entender a metodologia, a importância das habilidades sociais e a organização do trabalho na escola. Após esse momento, são escolhidos os coordenadores de cada célula. Isto é, os alunos que serão líderes dos seus agrupamentos. Tradicionalmente, os grupos de trabalho eram de cinco alunos, porém, no ensino remoto, adaptou-se para trios.
As aulas funcionam dentro do modelo Exposição Inicial, Tarefa Individual, Meta Coletiva, Fechamento e Avaliação individual (ETMFA). No remoto, o momento inicial acontece pelo Google Meet. Depois, os alunos vão para os grupos discutir a proposta da aula. Eles utilizam os grupos do WhatsApp para fazer essas trocas.
Cada aluno recebe uma atividade dentro de um dos tópicos da aula. "Se for a mesma tarefa para todos, não tem porque estar em grupo", explica o professor. Isto é, os alunos veem todo o conteúdo na exposição, mas cada um é responsável por uma parte. No entanto, na avaliação eles serão cobrados por todos os pontos. Dessa forma, a discussão e as trocas entre o grupo são fundamentais para chegar na meta coletiva. O que significa que o grupo é responsável pela aprendizagem de todos os participantes. "O aluno já sabe o que será avaliado. Sabe que se ele não entendeu o que o colega explicou, será uma questão que não conseguirá fazer depois", explica o professor.
Dentro dos grupos, os alunos têm papéis. Com os trios, hoje trabalham com a figura do coordenador (definido previamente), do controlador do tempo e do relator. Os alunos também podem criar outros papéis dentro das necessidades do grupo. "Eles são um ponto de referência, todos devem continuar participando ativamente enquanto é repórter ou se está de olho no tempo", explica Cláudia.
Ao chegar no 3º ano, os alunos já têm autonomia para decidir e fazer essa organização. No início, para se adaptar ao modelo de trabalho, o professor conta que toda essa definição é feita pelo professor. "A gente faz bem mastigado no 1º ano e vamos evoluindo. Eles vão percebendo suas dificuldades e conseguem se organizar de forma a suprir as necessidades de cada um sem excluir ninguém", conta o professor. Os papéis dentro das células têm rotatividade bimestral ou semestral no ensino remoto.
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Trabalho colaborativo no ensino híbrido
O trabalho em grupo permitiu que os alunos de Camila de Oliveira, professora de Ciências na Escola Estadual Lauro Gomes, em São Bernardo do Campo (SP), se aproximassem. Em uma turma de 6º ano, a partir do projeto de vida dos estudantes, definiu-se que estudariam o corpo humano na aula de Eletivas. Camila trabalhou em parceria com a professora de Educação Física para trazer a importância da atividade física e da alimentação saudável para a qualidade de vida. "Eles se conheceram no on-line, porque vieram de escolas diferentes. Então, ter de trocar telefone e e-mail para se encontrarem facilitou essa socialização", conta Camila.
A sala, já trabalhando no modelo híbrido, dividiu-se em grupos de sete a oito alunos. Cada agrupamento era responsável por um dos temas levantados. Eles tinham liberdade de escolher o formato que apresentariam sua parte. Poderiam montar uma apresentação no PowerPoint, vídeos, testes, desenhos e cartazes, entre outras. Os produtos finais foram postados no Padlet do projeto.
Para se reunir, cada grupo montou um WhatsApp e conversavam por videochamada. Alguns também utilizaram o Google Meet. "O trabalho colaborativo dá autonomia para que eles conversem e tomem decisões [para o trabalho proposto]", explica a educadora. Ela conta que é uma estratégia que pretendem continuar utilizando no contexto híbrido.
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Já em Ribeirão Pires, na escola da professora Dayane, o trabalho em grupo também foi utilizado, no contexto híbrido, em junho e julho para o reforço das habilidades que a turma ainda não havia atingido. Os educadores aproveitaram o interesse dos alunos pela festa junina e as necessidades de aprendizagem. "Chamamos de movimentação junina e trabalhamos as dificuldades dentro do tema festa junina. Saíram coisas superlegais", comenta a educadora.
Com sua turma de 9º ano, Dayane focou no trabalho com as conjunções. A professora propôs um debate entre quem estava na sala de aula com quem estava em casa sobre o uso de fogos de artifício. Para a interação, utilizou o Google Meet e o aplicativo do Centro de Mídias para que, por vídeo ou chat, os alunos debatessem sobre os benefícios e prejuízos da prática. Após a apresentação dos argumentos dos dois lados, construíram um texto coletivo. Nesse momento, ela aproveitou para fazer intervenções que os fizessem refletir sobre a importância das conjunções para a construção da argumentação. No final, ainda tiveram um jogo com perguntas sobre o que haviam aprendido. "Eles avançaram. Na avaliação vimos que 83% da turma já dominava essa habilidade", reflete a educadora.
A experiência também permitiu aumentar a participação dos alunos nas atividades remotas e presenciais. "Eles sentiram-se mais valorizados e conseguimos aumentar os alunos que retornaram", afirma a educadora. Para fechar o terceiro bimestre, em outubro, eles também planejam repetir a iniciativa utilizando como tema o Dia das Crianças.
Como planejar o trabalho em grupo
Confira 9 dicas do que é importante ter em mente para aproveitar ao máximo os agrupamentos
1. Não tenha medo de ousar: O trabalho em grupo é uma poderosa estratégia para avançar nas aprendizagens e desenvolver competências cognitivas e socioemocionais. Porém, nesse processo não é preciso acertar de primeira a estratégia que melhor funciona para sua turma. "Não temr problema nunca ter feito esse trabalho, estar com medo, mas acredite que as crianças são potentes. Se permita ousar e esteja aberto a errar", afirma Cláudia.
2. Proponha atividades que exijam a colaboração: Momentos de sistematização ou em que “cada um faz o seu”, não necessitam de um trabalho em grupo. Os agrupamentos devem vir acompanhados de uma proposta desafiadora. “Devem demandar que os alunos troquem, criem hipóteses e argumentem para chegar na resolução”, explica Cláudia. Para planejar esse tipo de atividade, a especialista sugere: “São aquelas que o professor também não sabe responder, que ele também precisa pensar em caminhos”. Pensar em exercícios que aproximem os conteúdos do cotidiano dos alunos e que os façam pensar em aplicações práticas pode ser um caminho interessante para tornar o aprendizado mais significativo, conforme explica Rachel Lohan, em entrevista para o Instituto Claro.
3. Pense estrategicamente na divisão dos grupos: Tenha em mente o perfil da turma para equilibrar os grupos, de forma que ninguém domine, que seja um agrupamento de alunos com níveis de conhecimentos diferentes, mas não a ponto que um domine, e que os estudantes tenham habilidades complementares.
4. Definam papéis para os alunos dentro dos grupos: Tradicionalmente, existem cinco papéis que devem estar presentes para uma boa dinâmica em grupo: o repórter (aquele que registra as ideias e compartilha com todos), o controlador do tempo (monitora o tempo e estabelece o ritmo do grupo), o harmonizador (ajuda na tomada de decisão e garante que todos participem), o facilitador (lê as orientações e garante o entendimento), e o monitor de recursos (verifica que todos tenham os materiais necessários para realizar a atividade). Os alunos podem ter mais de uma responsabilidade, no caso de grupos com menos de cinco alunos. Também é possível criar outros papéis, dentro da necessidade da sala. Para saber mais, confira entrevista com Rachel Lochan, autora do livro Planejando o Trabalho em Grupo – Estratégias para salas de aula heterogêneas.
5. Estabeleça combinados para um bom trabalho em grupo: Essas regras devem ser retomadas com frequência para que os alunos se apropriem e concretizem as atitudes que são esperadas deles. Alguns combinados que Cláudia sugere é o de garantir que todos possam falar e solicitar as ideias dos outros; tenha o direito de ajudar e o dever de ajudar; e que ninguém termine enquanto todos não terminarem.
6. Faça uma observação atenta dos grupos: Além de pensar na divisão do grupo, o professor deve estar atento no momento da dinâmica. Deve circular para observar o desempenho dos agrupamentos e se estão funcionando bem, e fazer as intervenções quando necessário.
7. Faça uma avaliação da dinâmica: Peça que os alunos façam uma autoavaliação de como foi sua colaboração no grupo. "É uma forma de ter a visão pessoal de cada criança diante da experiência que viveu", explica Cláudia. A partir desse registro, o educador deve utilizar como insumo para orientar o seu olhar para a próxima dinâmica para garantir agrupamentos equitativos e produtivos. É uma forma de acompanhar e garantir a produtividade e a qualidade das trocas.
8. Garanta a rotatividade: É importante que todos possam experimentar os diferentes papéis e que possam trabalhar com todos os colegas. Essa estratégia também permite que o aluno desenvolva mais competências socioemocionais. "Pessoas que se dispõem a sair de sua zona de conforto são mais adaptáveis, mas isso precisa ser feito com intencionalidade", explica a especialista. Por isso, organize e planeje mudanças na organização da turma.
9. Pense em formas de adaptação à sua realidade: "É possível organizar as salas em grupos respeitando o distanciamento social", afirma Cláudia, que compartilhou uma foto que trazia a organização abaixo.
Para tal, teste arranjos que garantam o cumprimento do protocolo estabelecido pela rede e deixe a sala organizada para receber a turma. Para o remoto, também é possível pensar em caminhos dentro da realidade da sua turma. Na reportagem trouxemos a experiência de educadores que usaram o WhatsApp.
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