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O desafio de organizar e mediar o trabalho em grupo

Rachel Lotan, professora da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, defende o trabalho em grupo e a mínima intervenção do professor como prática essencial na sala de aula

POR:
Anna Rachel Ferreira
Rachel Lotan, professora da Universidade de Stanford (Foto: Divulgação/Sidarta)

Para quem vê de fora, diferenciar trabalho em grupo e bagunça pode ser difícil. Mas é justamente as conversas e trocas entre os alunos que impulsionam a aprendizagem dos alunos. Para esse potencial não acabar em baderna, Rachel Lotan, professora da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, defende as intervenções do professor, mas sem atrapalhar a autonomia típica dos trabalhos em grupo. A especialista se dedica a estudar como oferecer um ensino com equidade e acaba de lançar no Brasil o livro Planejando o Trabalho em Grupo – Estratégias para Salas de Aula Heterogêneas (capa abaixo). No material, ela e sua colega, Elizabeth Cohen (1932-2005), defendem a importância desse método e qual é a melhor maneira de colocá-lo em prática.

Em entrevista a NOVA ESCOLA, durante passagem pelo Brasil em abril, ela defende a aceitação do erro, a autonomia dos estudantes e a ação pontual dos docentes.

NOVA ESCOLA Nós estamos em processo de construção da Base Nacional Curricular Comum. Como você acredita que o trabalho em grupo pode garantir que todos aprendam o que é esperado?
RACHEL LOTAN
Nos Estados Unidos, o currículo comum fala muito sobre competências e não somente conteúdo. Acredito que no Brasil também haja essa atenção para as habilidades e não há como desenvolvê-las sem trabalhar em grupo. Vamos pegar a Matemática como exemplo. Uma das ações importantes para se resolver problemas é ouvir os argumentos de outra pessoa, dar um feedback, considerar o que foi dito e acrescentar algo para si mesmo. Outra habilidade importante é ser capaz de fazer uma argumentação apoiada em evidência. Se você não se envolver com alguém, como você faz isso? Você precisa ter interação com os outros, trabalhando em problemas juntos.

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Como conciliar esse trabalho com as habilidades específicas e dar conta também dos conteúdos?
Na verdade, um depende do outro. Em uma sala de aula tradicional, os alunos não estão envolvidos em diálogos com os outros. O professor faz uma pergunta, o estudante responde e recebe um feedback. A interação sempre passa pelo docente. Eu proponho que os profissionais deixem que as crianças e adolescentes interajam sem interferências. Nesses momentos, elas estarão desenvolvendo as habilidades necessárias para aprenderem os conteúdos propostos.

Quais temas são ideais para o trabalho em grupo?
É necessário construir atividades que lidem com coisas que valem a pena ser faladas, investigadas mais a fundo e que tenham uma grande ideia ou conceito difícil de pensar e apresentar. Infelizmente, esses temas são normalmente reduzidos à leitura das definições dadas pelos livros didáticos. Precisamos inverter essa lógica e, em grupo, será mais produtivo e interessante chegar na explicação.

E se as crianças chegarem a hipóteses equivocadas?
Com certeza, o mundo não vai desabar por conta disso. Conversando, eles podem se dar conta de que cometeram um erro ou eu, como professora, posso fazer uma provocação como “estou intrigada com isso. O que acham de tentar de outro jeito?”. Claro que esse processo levará mais tempo, porém o aprendizado que vem da construção do conteúdo é muito mais duradouro e profundo.

Como o professor deve lidar com o erro?
É preciso aceitar que os erros serão cometidos e entender que existem tipos diferentes. Se o aluno abriu o livro na página errada, tudo bem você simplesmente mostrar qual é a correta. Ou se ele não está usando a calculadora corretamente, por exemplo. Agora, se eles estão se esforçando com uma ideia profunda, a abordagem deve ser no sentido de incentivá-lo a testar outras possibilidades com frases como “Pense sobre isso” ou “ Tente de um outro jeito também”. É muito difícil, como professora, deixar alguém cometer um erro, mas eles têm que fazer isso. É assim que todos nós aprendemos.

"Há uma diferença importante entre interferir e intervir", explica a professa Rachel Lotan

Em quais momentos é clara a necessidade de interferência pelo professor?
Há uma diferença importante entre interferir e intervir. Quando interfiro, eu bagunço as coisas porque eu corto a linha de pensamento das crianças e os direciono bruscamente para aquilo que quero. Intervir tem mais a ver com fazer ajustes propositadamente. Por exemplo: quando vejo um aluno que estava bem quieto e fez uma boa sugestão não ouvida pelos colegas, eu paro e digo: “Vocês ouviram o que ele disse? É uma ideia muito importante, vai lhes ajudar a fazer sua tarefa, então ouçam a ele.” E essa é a declaração mais direta.

Quais ferramentas o professor pode utilizar na avaliação?
É importante ter critérios para o que significa um bom trabalho em grupo e eles devem estar claros para a turma. Em geral, quanto melhor a interação entre os participantes, melhor será o resultado final. Mas, uma ferramenta que uso com frequência é o relatório individual. Peço que escrevam um resumo do que fizeram e o que aprenderam para entrega. E comparando os dois parâmetros, a relação entre eles é evidente.

Em um grupo, é comum que os alunos se repitam em determinados papeis (o líder, o que não faz nada, o que copia). O que o professor precisa fazer para que eles tenham experiência em vários papeis?
Não deixe que apenas eles escolham os grupos, pois, se escolherem, o líder sempre será a mesma pessoa e nós queremos que todos se tornem líderes. Eu sugiro que os papéis sejam distribuídos aleatoriamente como por meio de um sorteio. O professor pode observar como esses papéis são distribuídos ao longo das atividades e fazer sugestões. Monte uma tabela para esse registro, por exemplo, e, quando julgar necessário, sugira que os papéis sejam trocados. Não há nada de mal em dizer: ontem você teve esse papel, hoje você terá outro.

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Como lidar com a resistência dos alunos frente a essa postura?
Às vezes eles reclamam, pois sempre querem trabalhar com seus amigos. Eu digo: “Sabe de uma coisa, eu trabalhei a minha vida toda e nem sempre trabalhei com meus amigos. Tenho que saber trabalhar com pessoas que não são minhas amigas; e quando trabalho com meus amigos, nós acabamos passando metade do tempo socializando e não fazendo o trabalho”. Logo, acredito que essa é uma habilidade que todos devem praticar e aprender.  

O que você pensa sobre dividir os grupos de acordo com o nível de conhecimento dos alunos?
Pra mim é uma prática incorreta. Primeiro, porque ficar preso à lógica de que preciso de uma criança com alto desempenho, duas com desempenho mediando e uma com baixo desempenho faz com que essa divisão seja demorada. E se aquela criança está doente e aquele está perturbando, o que acontece? Por outro lado, os alunos percebem sua intenção e pensam:  hum, eu sou o burro aqui hoje”. Mas, é claro que o aleatório deve ser minimamente controlado. Se não quero colocar Ana e Claudia no mesmo grupo porque elas falam o tempo todo, mas elas ficaram juntas pelo sorteio, eu digo: não, vocês não podem estar no mesmo grupo e explico meus motivos, dando ênfase à contribuição que farão em outros grupos.

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