Conselho de classe: o que fazer antes, durante e depois da reunião
Educadores falam da importância de se preparar para este momento, envolver a comunidade, planejar a recomposição das aprendizagens e dar devolutiva para alunos e famílias
POR: Victor SantosEntre as dinâmicas que fazem parte da rotina das escolas, uma das mais marcantes, principalmente no fim do ano, é o conselho de classe. “É o momento de analisar as possíveis variáveis que impactaram ou não na aprendizagem dos alunos”, sintetiza Maura Barbosa, coordenadora pedagógica na Comunidade Educativa CEDAC, em São Paulo (SP). Com isso, tira-se o desempenho do estudante do foco – por exemplo, sem cravar que determinado aluno não aprendeu – e direciona-se o olhar para as condições que a escola ofereceu para esse processo de ensino e aprendizagem. Assim, o conselho envolve um verdadeiro encadeamento de ações entre diretor, coordenador pedagógico e professores, que devem atingir as famílias posteriormente.
Em relação ao funcionamento do conselho, Maura diz que tudo depende da escola e das secretarias. Afinal, a instituição de ensino pertence a uma rede, que tem seus procedimentos legais. O diretor preside o conselho e responde pedagogicamente pela escola, dando prosseguimento a essas reuniões que possuem, então, um respaldo da lei. A periodicidade pode variar, mas, no geral, ocorrem quatro conselhos ao longo do ano letivo, ao final de cada bimestre. Nas redes de alguns estados, a frequência é trimestral.
Embora esses encontros tenham uma periodicidade definida, a proximidade do fim do ano acaba jogando luz no último deles. “É que o fechamento do período letivo funciona como um balanço de tudo o que planejamos e fomos cuidando em cada um dos conselhos, ações e acompanhamentos”, detalha a especialista. “Então, nessa reunião vamos verificar questões como quantos foram aprovados, quantos foram retidos, a distorção idade-série que nós temos e os alunos que abandonaram a escola.”
Nesse contexto, os professores têm função crucial, já que o conselho vai requerer um olhar cuidadoso para toda a turma e também para as variáveis relacionadas a cada estudante em particular. “E quem está ali todos os dias, conversando com os alunos, imerso na sala de aula, é o professor. Ele saberá dizer o que está ocorrendo e apontar as melhores estratégias para o trabalho com cada um”, reforça a coordenadora pedagógica.
Nessa perspectiva, a terceira reportagem do especial Como planejar o fechamento do ano traz o que os educadores precisam fazer antes, durante e depois dessas reuniões para que estas alcancem ao máximo os seus objetivos.
Como se organizar para o conselho de classe
Este Nova Escola Box é completamente focado na temática dos conselhos de classe, momentos que têm como foco discutir os resultados do trabalho docente ao longo do ano, o desempenho dos estudantes e estratégias para melhorar o ensino na escola
Como se preparar para a reunião
Com 26 anos de experiência em sala de aula, o professor Luiz Felipe Lins leciona Matemática para o 9º ano na Escola Municipal Francis Hime, no Rio de Janeiro (RJ), e atua também na rede privada. Ele foi eleito Educador do Ano de 2020 e compartilha alguns pontos que considera essenciais nessa fase pré-conselho.
“Costumo ter um olhar para tudo o que o aluno faz em termos de produção, busca e dedicação. Observo o resultado das avaliações, que não são apenas provas. Temos projetos, jogos e trabalhos em dupla ou em grupo”, destaca o professor. “A partir disso, procuro montar a minha própria planilha.”
Segundo Maura Barbosa, é papel da gestão escolar estimular que práticas como essa sejam realizadas por todos os educadores nessa etapa de preparação para o encontro. “Diretor e coordenador pedagógico devem orientar os professores para irem munidos de dados – e ali no conselho, a partir dessas informações, planejar ações e não ficar fazendo queixa atrás de queixa ou discutindo coisas que já teriam de ter sido discutidas.”
No Centro de Ensino Professor Ezelberto Martins, em São Luís (MA), a professora de Filosofia e apoio pedagógico Jullie Anne Kuntz Truss conta que é grande a ênfase nessa questão de munir-se de dados. “Por aqui, o movimento dos professores de aderir cada vez mais às tecnologias, trazido pela pandemia, repercutiu na organização do próprio conselho”, relata. “Temos uma planilha Google, que é alimentada pelos próprios professores, com uma aba para cada turma, nomes dos alunos nas linhas e do componente curricular nas colunas, com espaços para nota, desempenho e observações. Com isso, a gente chega ao conselho com um bom caminho andado, porque a parte mais quantitativa está consolidada, e o conselho fica com uma parte mais qualitativa.”
Avaliação e fechamento do ano no Ensino Fundamental 1
Este Nova Escola Box busca mostrar como duas professoras e escolas encerraram o ano letivo passado, além de sugerir dicas de como definir critérios de avaliação, organizar os registros dos alunos e fazer uma devolutiva final aos pais e responsáveis.
Boas práticas durante o conselho
Existem algumas posturas e direcionamentos gerais que são indispensáveis nesses encontros. “Conselho de classe não é para buscar culpados”, enfatiza Maura Barbosa. “O foco é discutir a busca de soluções para questões que já estão dadas”. Essa mesma perspectiva é reforçada pelo professor Luiz Felipe Lins. “Apontar é fácil, mas o que a gente pode fazer para recuperar?”, reflete.
Assim, segundo Luiz Felipe, alguns pontos devem nortear a estrutura geral da reunião. “Precisamos olhar para o grupo e depois para os alunos individualmente. No caso da avaliação da turma, é importante refletir como ela está se comportando, o quanto se desenvolveu e o quanto precisa avançar. Já em relação aos estudantes, é preciso ver aqueles que estão apresentando dificuldades e começar a pensar em estratégias diferenciadas”.
Abordar as dificuldades, conforme explica Jullie Truss, é delicado e, ao mesmo tempo, essencial. “Temos de saber mapear tudo isso, porque não existe ‘caso perdido’ em relação aos estudantes. Todos têm interesses, sonhos e desejos”, afirma. “O conselho é justamente a hora de rever tudo o que realizamos e fazer ajustes”.
Tamanha relevância e quantidade de tópicos a serem tratados exige dos educadores algumas atitudes de ordem bem prática que facilitam o bom andamento da reunião. “Na nossa escola, mantivemos a prática de fazer o encontro on-line”, relata Jullie. “E além da planilha consolidada, temos uma pauta que os professores recebem com antecedência. Fixamos também um horário para começar e terminar, que geralmente não passa de duas horas.”
Especificamente sobre a condução do conselho, a educadora orienta: “É bom termos consciência de que todos precisam de espaço para se pronunciar, então é preciso evitar falas longas, principalmente se a reunião for remota, e reforçar a importância de levantar a mão, muitas vezes até organizando uma fila para falar”.
O professor Luiz Felipe elenca algumas práticas que considera interessantes para abrir esses momentos. “Gosto quando o conselho começa com alguma dinâmica, envolvendo um texto ou vídeo reflexivo. Outro aspecto que se destaca é poder contar com falas dos alunos em algum momento, por exemplo, quando um representante leva os anseios e as angústias da turma”.
Avaliação na Educação Básica – Como e por que fazer
Neste curso vamos discutir o papel importante da avaliação por meio de situações reais vividas por professores, mergulhando na prática para entender as intenções que direcionam as escolhas das estratégias avaliativas, do o que e do como ensinar e os resultados da aprendizagem.
Visão global do aluno e busca de alternativas
Assim, chega-se efetivamente à parte de olhar para as turmas e alunos. “É muito importante que o diretor e o coordenador pedagógico tragam uma análise do contexto, que perpassa muitas dimensões, desde a quantidade de professores substitutos em uma turma, por exemplo, até o próprio uso dos materiais, examinando como que os mapas e livros da escola estão sendo utilizados”, exemplifica Maura. Na sequência, de acordo com ela, os professores vêm com o olhar mais direcionado para as turmas e os estudantes, trazendo questões como “tenho esses cinco alunos, cujas dificuldades são essas”. É daí que partem as discussões e definições de quais pontos serão atacados, seguindo diretrizes como “vamos então fazer um grupo de apoio”. Tudo isso, segundo ela, deve ser registrado.
Luiz Felipe compartilha um pouco das suas vivências de como elaborar os questionamentos devidos nessa hora. “É relevante, por exemplo, ter como parâmetro as competências da BNCC e se perguntar se está conseguindo alcançar os alunos. E, ao identificar um problema, a pergunta é: ‘o que eu posso fazer, dentro das possibilidades e conhecimento que eu tenho?’”.
Esse olhar direcionado para os estudantes, continua o educador, vai muito além de verificar notas baixas. “Aqui na rede municipal do Rio de Janeiro, primeiro a gente discute o aluno como um todo – no chamado ‘conceito global’ – e depois falamos do estudante em cada disciplina”, explica. “Com isso, inicialmente refletimos sobre como esse aluno busca conhecimento, se ele tem autonomia, quais as suas dificuldades e se ele sabe trabalhar em equipe. Por aqui, o olhar por disciplina dá um norte, mas o que tem maior peso é mesmo essa questão global.”
Na escola em que atua em São Luís (MA), Jullie ressalta que a avaliação do conselho também inclui bem mais elementos do que pontuações em provas e simulados. “Nós avaliamos o engajamento desvinculado da nota – e para isso lançamos mão de questionamentos do tipo ‘como ele é na sala? Ajuda os colegas? Está ali presente? O que ele pode mostrar além disso?’ Não existe ‘caso perdido’, e é desejável que os professores tenham critérios muito bem definidos e claros, visando esse olhar mais integral para o desenvolvimento dos alunos.”
Em relação ao encaminhamento para o final da reunião, Jullie salienta que, além do registro, é válido fazer algumas indagações finais para bater o martelo. “É legal perguntar se todos estão de acordo ou se alguém tem algum outro ponto a trazer’ – e assim conseguimos fechar os combinados.”
Depois do encontro: plano de ação
Como os próprios educadores consultados reforçaram, registrar tudo o que ocorre no conselho é mandatório, pelo próprio caráter legal que a reunião possui e pela necessidade de deixar esses documentos no histórico da escola. No entanto, depois do conselho, há ainda muito trabalho a ser feito [mais detalhes aqui], e por isso é importante ir além da mera documentação.
“Muitas vezes fazemos uma ata da reunião, porém mais relevante do que isso é sair do conselho de classe com um plano de ação”, enfatiza Maura. “Ele deve envolver todos, elencando as questões discutidas ao longo do encontro, quais delas serão atacadas e o que será feito em seguida”.
Nessa linha, exemplifica a coordenadora, um dos desdobramentos pode ser usar um dos HTPCs [horários de trabalho pedagógico coletivo] mensais para pensar em atividades diversificadas para os alunos com dificuldades. Segundo ela, o foco é sair do conselho com uma ação já planejada e o que cabe aos pais nisso.
O professor Luiz Felipe conta que depois do conselho entrega-se o boletim e realizam-se atendimentos individualizados com familiares e, quando necessário, passa-se um dia inteiro conversando com os responsáveis. De acordo com Luiz Felipe, a partir do relatório consolidado pela equipe depois da reunião, englobando tanto aspectos atitudinais quanto relacionados às disciplinas, é possível montar um planejamento individualizado de recomposição de aprendizagens.
A complexidade do que precisa ser feito antes, durante e depois desses momentos é grande, mas, como resume Maura, trata-se de uma iniciativa com muito potencial de impacto no contexto escolar e social. “De fato, conselho de classe não é algo simples, justamente por ser um processo de olhar para a vida do outro”, reconhece. “Mas é um dia de busca por soluções. O professor precisa sair animado e com boas expectativas desses encontros, porque afinal ele não está sozinho: professores, coordenador e diretor estão juntos nessa, e a escola vai ter um projeto para ajudar esses alunos.”
Pós-conselho de classe: a importância do suporte ao professor
Educadores destacam a necessidade de apoio aos docentes depois das constatações e deliberações das reuniões
“A prioridade do professor é conseguir fazer o planejamento e estar na escola dando sua aula – e a gestão escolar está ali para apoiá-lo nesse sentido”, diz a professora Jullie Truss. Essa questão do suporte à equipe é igualmente ressaltada pela coordenadora pedagógica Maura Barbosa.
Nessa perspectiva, segundo a especialista, o momento do conselho também é formativo, porque envolve uma análise da prática, das produções e das intervenções dos professores. “Mas não é só chegar na reunião do final de ano e falar ‘você não planejou direito’. A atenção ao professor deve ocorrer desde o começo do ano, em cada conselho, com a gestão apoiando o educador de forma que ele consiga pôr uma lupa cada vez mais refinada sobre a sua turma”, afirma Maura.
Além disso, em muitos momentos, o conselho de classe sinaliza questões que saem do espectro pedagógico, o que também exige auxílio aos docentes. “Não dá para ficar tudo nas costas do professor. Quando abordamos algo clínico, podemos até sinalizar, mas quem pode dar ao estudante e sua família um diagnóstico é um profissional de saúde”, aponta o professor Luiz Felipe.
Maura também vê o pós-conselho por essa perspectiva. “O professor tem feito muito, mas precisa de muita ajuda, porque ele vai direcionar seu foco para o ensino e a aprendizagem. Mas quando olhamos para o contexto desses estudantes, estamos diante de muitas dimensões e de pontos a serem sanados, que só serão alinhados por meio de parcerias, como as feitas com órgãos de saúde e cultura”, conclui.
Este conteúdo faz parte de uma série especial sobre como planejar o fechamento do ano. Confira as demais reportagens aqui.
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