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Como conduzir a alfabetização no 1º ano do Fundamental?

Crianças que chegam em 2022 ao Ensino Fundamental vêm de uma Educação Infantil no modelo remoto. Saiba como iniciar o processo e continuar avançando nos anos seguintes

POR:
Nairim Bernardo
Crédito: Getty Images

A alfabetização é uma etapa da escolarização cercada de muitas expectativas de pais, professores e alunos. Afinal, é a conquista da leitura e da escrita que vai possibilitar o avanço do conhecimento e do ensino formal e a participação na vida social.

A meta 5 do Plano Nacional de Alfabetização, firmado em 2014, prevê alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do Ensino Fundamental. Já segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que tem caráter normativo, a criança precisa aprender a ler e a escrever nos dois anos iniciais do Ensino Fundamental. 

A BNCC foi homologada em 2017 e deveria ser implementada nas escolas, na prática, até 2020, ano em que o mundo foi surpreendido com a pandemia da Covid-19 e a necessidade de substituir as aulas presenciais por encontros virtuais e atividades impressas. As consequências para a vida escolar foram muitas, entre elas o fato de que os professores de 1º ano estão recebendo alunos que vêm de praticamente dois anos de uma Educação Infantil remota. 

Nesse contexto, como conduzir o processo de alfabetização para que os estudantes consigam desenvolver as competências, habilidades e aprendizagens necessárias para a aquisição da leitura e da escrita até o final do 2º ano do Fundamental?

Explore o potencial do nome próprio na alfabetização

Os conteúdos desse Nova Escola Box pretendem promover reflexões a respeito do uso do nome próprio na alfabetização e apresentar sugestões de atividades para desenvolver o tema.

Pandemia e os processos de escolarização e alfabetização

Em muitas escolas, será a primeira vez que os educadores terão a oportunidade de construir um planejamento de acordo com a BNCC para as aulas presenciais. Na Base, há uma série de pontos específicos sobre a alfabetização (veja no box abaixo), mas antes é preciso retomar o que o documento traz sobre a Educação Infantil e a cultura da infância.

Também é importante compreender que as crianças que chegaram ao 1º ano em 2022 não tiveram a oportunidade de vivenciar uma série de experiências, geralmente oferecidas naquela etapa, que constroem as bases da vida escolar. 

Suzana Lopes, professora de 1º ano na EMEB Professor Benno Carlos Claus, em Itatiba (SP), conta que, em comparação com os anos anteriores à pandemia, muitos alunos estão chegando com comportamentos próprios de crianças menores.

“Eles estão agitados, não conseguem ficar parados, e eu percebo uma necessidade maior de oferecer mais momentos de brincadeiras”. Segundo ela, uma boa relação com o corpo está diretamente relacionada à capacidade das crianças desenvolverem habilidades de escrita e leitura. “Há uma dificuldade do aluno ficar sentado, olhar na lousa, abaixar a cabeça, lembrar o que viu e registrar no caderno”. 

Rosângela Veliago, formadora de professores alfabetizadores e autora de livros didáticos de Língua Portuguesa, diz que as habilidades que as crianças aprenderiam facilmente na escola simplesmente não puderam ser vivenciadas em casa, como se relacionar com o material, com o espaço, com o outro, negociar, trabalhar em equipe e lidar com conflitos.

“Ouvir, esperar o tempo de fala [do outro] e interagir são procedimentos de quem estuda, e agora elas precisam de um professor que entenda que ensinar tudo isso não é perder tempo, porque sem isso não dá para alfabetizar”. 

Considerando essas consequências e dificuldades, é importante que o professor tenha sensibilidade para considerar dois aspectos transicionais no trabalho com o 1º ano: a transição entre a etapa da Educação Infantil e o Ensino Fundamental e a do ensino remoto e híbrido para o presencial.

Nesse sentido, brincadeiras, jogos (incluindo os virtuais), passeios pela escola e atividades com as famílias podem ajudar os estudantes a se adaptarem a esse novo momento enquanto desenvolvem competências gerais e habilidades da alfabetização.

O que diz a BNCC sobre alfabetização?

Segundo o documento, “nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a ação pedagógica deve ter como foco a alfabetização, a fim de garantir amplas oportunidades para que os alunos se apropriem do sistema de escrita alfabética de modo articulado ao desenvolvimento de outras habilidades de leitura e de escrita e ao seu envolvimento em práticas diversificadas de letramentos”. 

As capacidades/habilidades envolvidas na alfabetização são definidas como sendo capacidades de (de)codificação e envolvem:

  • Compreender diferenças entre escrita e outras formas gráficas (outros sistemas de representação)
  • Dominar as convenções gráficas (letras maiúsculas e minúsculas, cursiva e script)
  • Conhecer o alfabeto
  • Compreender a natureza alfabética do nosso sistema de escrita
  • Dominar as relações entre grafemas e fonemas
  • Saber decodificar palavras e textos escritos
  • Saber ler, reconhecendo globalmente as palavras
  • Ampliar a sacada do olhar para porções maiores de texto que meras palavras, desenvolvendo assim fluência e rapidez de leitura (fatiamento) 

Ainda segundo a BNCC, o processo de ortografização em sua completude pode se estender para além dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Avaliação diagnóstica e planejamento

Assim que as aulas começaram, a professora Suzana iniciou uma série de diagnósticos. “Apliquei avaliações diagnósticas escritas enviadas pela Secretaria para ter certeza do que o aluno ainda não sabe, do que já sabe e de onde devemos partir.

E, como esse trabalho em sala sou eu que faço, nada impediu que, além dessas avaliações, eu também fizesse minhas observações”. Os resultados mostraram que alguns alunos não reconhecem as letras do alfabeto nem os números de 0 ao 10, o que indica uma defasagem no processo de letramento. 

Selene Coleti, vice-diretora da Escola Municipal de Educação Básica Philomena Zupardo, em Itatiba (SP), formadora de professores e colunista do site de NOVA ESCOLA, diz que algumas atividades diagnósticas possíveis são: reconhecimento das letras do alfabeto apontadas em ordem aleatória (caso a leitura seja sempre na ordem alfabética, a criança poderá decorar e falar o alfabeto mesmo sem fazer a distinção de cada letra); leitura de palavras monossílabas, dissílabas, trissílabas e polissílabas; ditado e escrita de palavras do mesmo campo semântico (como objetos do material escolar, por exemplo); e escrita do próprio nome e da data. 

“Esse diagnóstico acontece inicialmente, mas deve ocorrer também em momentos posteriores para ver no que as crianças já evoluíram. É a partir disso que o professor analisa o que o aluno sabe, o que ainda precisa aprender e quais os pontos fortes e fracos do planejamento. O processo avaliativo tem caráter contínuo”, afirma Selene. 

Agrupamentos de alunos na alfabetização

Entre os registros das avaliações, é importante que o professor anote qual é a hipótese de escrita de cada aluno. As competências e habilidades da BNCC devem ser trabalhadas com toda a turma, mas, para que elas sejam alcançadas, é essencial que as necessidades específicas das crianças sejam respeitadas. Conhecendo a hipótese de cada uma é possível organizá-las em duplas ou agrupamentos produtivos para otimização do planejamento, do espaço e do tempo escolar. 

Esses agrupamentos reúnem estudantes com saberes diferentes, mas próximos, de modo que esses saberes possam ser compartilhados, discutidos, confrontados e modificados durante a resolução de uma atividade proposta pelo professor. Dessa forma, ao analisar diferentes pontos de vista para resolver o que foi proposto e negociar em um acordo, as crianças aprendem com os pares. 

Nesse contexto, vale retomar que as hipóteses de escrita definidas por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, pedagogas e psicolinguistas, são: pré-silábica, silábica sem valor sonoro convencional, silábica com valor sonoro, silábico-alfabética e alfabética. No botão abaixo, disponibilizamos um arquivo com a explicação de cada uma dessas hipóteses, exemplos e uma lista para o professor fazer um mapa da classe de acordo com a hipótese e a data. 

Diferentes estratégias e perfis de alunos

Dioenison Ferreira Maciel, professor de 1º ano na Escola Municipal Analice Maciel de Jesus, em Tartarugalzinho (AP), localizada a 228 km de Macapá, comenta que tem alunos com diferentes níveis de aprendizagens.

“Isso sempre acontece, mas com a pandemia ficou mais forte”, ressalta o professor. “Tenho de alunos pré-silábicos a silábico alfabéticos, então preparo atividades diferenciadas dentro de cada nível. Alguns estudantes têm dificuldade até para traçar as letras, aí trabalho a coordenação motora”. 

Entre os recursos e estratégias utilizados pelo professor estão músicas, leitura de livros para os alunos, contato com livros e textos impressos e jogos de palavras. “Como professores, às vezes, temos muita vontade e pressa de ensinar, mas tento pensar não só no que a criança precisa aprender, mas em como isso será melhor para ela. Alguns alunos aprendem muito com o canto, outros são tímidos e envergonhados. Por isso, uso várias metodologias”. 

“É ideal que o professor do 1º ano tenha como meta que ao final do ano as crianças tenham dominado o sistema de escrita alfabética. Isso é possível para todas, mas há diferenças que são definidas pelo conhecimento prévio, repertório de histórias com que têm contato e atos significativos de leitura e escrita presentes no dia a dia”, destaca Rosângela Veliago. “Não significa que quem não chega na hipótese alfabética não possa cursar o 2º ano. A alfabetização é um ciclo de dois anos”.

Curso: Práticas de Alfabetização para contexto presencial, remoto e híbrido

Esse curso tem como objetivo responder as principais questões que permeiam a realidade de professoras e professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental durante a pandemia e o retorno gradual às escolas. 

Metas de curto prazo, atividades interativas e uso real da língua

Com base no objetivo geral, que é alfabetizar, a professora Suzana Lopes também estabelece metas de curto prazo para organizar melhor seu planejamento.

"Por exemplo, do dia que eu fechei a primeira avaliação diagnóstica até os 30 dias seguintes, quero que os alunos reconheçam as letras do alfabeto, os numerais de 0 a 20 e saibam escrever seu nome completo. Não que eu vá trabalhar só isso, mas esse é o foco”, salienta. “Não adianta nada esperar chegar no meio ou no fim do ano para ver que não há resultados satisfatórios”. 

Há um grande repertório de atividades de alfabetização disponíveis em livros sobre o assunto, materiais didáticos e portais online, mas o contexto atual pede que o professor organize as propostas considerando o biênio pandêmico. Um exemplo são os momentos em que os alunos podem realizar as atividades junto com os colegas, incentivando a interação e a troca de ideias. No início pode ser desafiador, mas precisa ser uma prática frequente, não esporádica. 

Além disso, quando o ponto de partida é o uso real da língua, as crianças aprendem com mais propriedade. “Quando falamos em alfabetização não é só sobre um sistema de escrita, mas sobre a necessidade de transformar os estudantes em cidadãos da cultura escrita e usuários da língua'', afirma Rosângela. Assim, a elaboração de listas de compras e de bilhetes curtos, o contato com textos instrucionais de jogos e projetos interdisciplinares são muito importantes, porque fazem parte do dia a dia das pessoas para além da cultura escolar.

Curso: Alfabetização: usando diferentes gêneros textuais e metodologia ativa

Este curso tem a intenção de mostrar para professoras e professores a importância do planejamento intencional dos espaços na sala de referência das crianças, de forma a garantir que elas, efetivamente, tenham contemplados os seus direitos de aprendizagem propostos na BNCC.  

Suporte ao professor e parceria com as famílias

Durante os quase dois anos de aulas remotas, foi essencial que a parceria entre famílias e escola se estreitasse, principalmente na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Fundamental. Agora, é preciso que a escola mantenha e amplie esse contato para a recomposição e o avanço das aprendizagens.

No caso da alfabetização, os professores podem orientar os responsáveis para proporem que a criança escreva listas de compras, além de lerem para elas e contarem histórias. O professor também precisa explicar para as famílias a importância do momento da alfabetização e orientar sobre atividades e jogos específicos que eventualmente serão enviados para casa. 

“É muito bom quando os pais se interessam em auxiliar nos deveres de casa. Eu noto a diferença quando a criança tem a família presente. Ela realiza as atividades e está mais comprometida com os estudos e em estar na escola. Infelizmente, ainda temos famílias que não consideram o 1º ano tão importante, e a criança falta muito”, conta Suzana. Ela diz estar sempre disponível para marcar reuniões com os pais e que o grupo da escola no Whatsapp foi mantido para que eles pudessem sanar eventuais dúvidas. 

Além da parceria com as famílias, também é essencial que os professores recebam apoio dos gestores e da Secretaria de Educação por meio  de orientações e formações continuadas.

“Por meio do estudo, o professor se descobre um verdadeiro professor-alfabetizador. Ele percebe que consegue dar conta de ensinar porque tem uma teoria para atrelar à prática. O professor precisa estar sempre estudando, buscando e analisando para entender o que o aluno precisa e o que ainda é possível fazer para ajudá-lo”, comenta Selene. 

Segundo ela, antigas formas de alfabetizar já superadas, como a cópia repetitiva, continuam sendo reproduzidas. “Por exemplo: colocar a rotina ou o cabeçalho na lousa para a criança copiar no caderno todos os dias não vai ajudá-la a avançar. Principalmente após tanto distanciamento gerado pela pandemia, é preciso aproveitar o encontro para fazer intervenções e fazê-la refletir sobre o que está escrevendo”. 

Quando o professor e a família entendem a real importância da leitura e da escrita para as crianças é possível garantir um ambiente que favoreça a alfabetização. “A escola precisa ser um espaço de respeito à fase de aprendizagem de cada um, todos podem escrever independentemente da hipótese em que estão. O adulto tem que criar um clima em que escrever, ler e experimentar é bacana, não uma experiência barrada pelas regras”, completa Rosângela.  

Consultoria pedagógica: Mazé Nóbrega, consultora de Língua Portuguesa e professora de pós-graduação do Instituto Vera Cruz, em São Paulo (SP)

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