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Alfabetização: como consolidar as aprendizagens no 4º e 5º ano

Educadores e especialistas apontam caminhos para garantir que os alunos concluam os Anos Iniciais do Ensino Fundamental sabendo ler e escrever

POR:
Paula Salas
Foto: Getty Images

“Apenas três dos meus alunos do 5º ano estão dentro do esperado em relação à alfabetização neste último ano da etapa. Outros 22 estudantes apresentam diversos tipos de dificuldade, e duas alunas estão no início do processo”, diz Helder Guastti, professor na EMEF Pedro Nolasco, em João Neiva (ES). As dificuldades são justificadas pelo tipo de ensino remoto que foi possível no biênio pandêmico: disponibilização de atividades impressas ou enviadas por WhatsApp, sem possibilidade de interação online. 

Essa tem sido a realidade de muitos professores do 4º e 5º ano que, antes da pandemia, não estavam acostumados a ter de pensar em atividades clássicas de alfabetização. Com a retomada do ensino presencial e a possibilidade de ter novamente todos os alunos em sala de aula, ficaram claros o aumento da heterogeneidade e os impactos que esses últimos dois anos deixaram nas aprendizagens das crianças. 

Em um contexto ideal, os alunos do 4º e 5º ano, em sua maioria, já escreveriam convencionalmente e teriam uma certa fluência de leitura e de escrita. Especialmente no 5º, o estudante já consegue ler e escrever um texto de mais fôlego. O foco do trabalho do professor é levar o aluno a se debruçar sobre questões ortográficas, olhar para as irregularidades e regras da língua e ganhar mais fluência na leitura e interpretação de texto. 

Não é difícil perceber que estamos longe desse cenário. “Atuar com crianças do 4º e 5º ano ainda é um trabalho de consolidação da alfabetização. É um processo mais amplo e que não se encerra no 2º ano”, afirma Maria do Socorro Nunes, professora da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Líder do Grupo de Pesquisa em Alfabetização, Linguagem e Colonialidade (GPEALE), ela também é coordenadora geral da pesquisa Alfabetização em Rede, que reúne 28 instituições de ensino superior. 

No entanto, isso não é motivo para pensar que não será possível recompor essas aprendizagens e garantir a sua consolidação. Com apenas dois meses desde a retomada do ensino presencial, Helder vê que o trabalho diário e bem planejado já está começando a surtir efeito. “Eles têm um desejo de aprender. É muito perceptível o avanço em relação a como estavam em fevereiro.”

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Levando a rotina da alfabetização para o 4º e 5º ano

Nesse contexto, alguns pequenos detalhes, os quais muitas vezes os professores não estão tão acostumados a considerar nos últimos anos da etapa, podem fazer a diferença. Um deles é o planejamento de um ambiente alfabetizador, que convide para a leitura e a escrita. Miruna Genoino, orientadora do Espaço Ekoa e formadora de professores no Instituto Vera Cruz, sugere coisas simples, como fixar na parede a lista dos nomes dos alunos ou organizar um cantinho de leitura. 

A professora Elandia Peres, que leciona para o 4º ano na EM Círculo Operário, em Piripiri (PI), tem estudantes com níveis muito diferentes de alfabetização. Para apresentar e estudar as sílabas, ela parte dos textos que lê para as crianças.

“Destaco algumas palavras e exploro o significado de cada uma. Identificamos a letra inicial e a final e as sílabas, fazemos a separação das sílabas e depois identificamos essas sílabas em outras palavras de textos”, relata. Esse trabalho é realizado diariamente e, segundo a educadora, a constância tem dado resultado. 

Helder faz um trabalho semelhante. Seus alunos têm um caderno de textos para o desenvolvimento das atividades permanentes de leitura e escrita. Nesse material, os estudantes acessam diferentes gêneros textuais, e, a partir deles, são pensadas propostas que permitem a aquisição do sistema de escrita. 

Agrupamentos e trabalho colaborativo

Na turma de Glória Hamelak, professora do 5º ano na EM Professora Fernanda Maria de Alencar Colares, em Fortaleza (CE), enquanto parte dos alunos está em um estágio de alfabetização inicial, de reconhecimento das letras e das sílabas, o foco com a outra parte está na exploração de diferentes gêneros textuais, na fluência leitora e na interpretação de texto.

Por isso, a professora optou por utilizar agrupamentos e atividades diferenciadas, com base no nível de cada dupla, identificado a partir de avaliações diagnósticas. 

“Eles gostam das atividades nas quais podem interagir, trocar com alguém. Procuramos trazer algo para que eles se questionem e conversem em grupo”, destaca. Além de ser um formato do qual os estudantes gostam, essa é a estratégia que a educadora encontrou para, em uma turma muito heterogênea de 33 alunos, conseguir ter um olhar mais próximo e propor ações para cada uma das necessidades. 

“Os agrupamentos são uma estratégia importante, desde que sejam heterogêneos para estimular [a troca entre os alunos] e tenham bons critérios para agrupar as crianças em cada atividade”, explica a professora universitária Maria do Socorro. Além de pensar como formar os grupos, a educadora diz que os professores devem refletir muito sobre a atividade. “Não dá para colocar os alunos em grupo e a atividade ser individual, não planejada para que pensem juntos”, complementa. 

Para Rowana Quadros, professora do 5º ano na EMEFEI Chico Xavier, em Marília (SP), além dos agrupamentos, é possível estimular a colaboração entre a turma como forma de contar com o apoio dos alunos que estão em níveis mais avançados. “Eles gostam de ajudar os colegas”, salienta.

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Atividades diferenciadas

Na alfabetização de crianças com níveis diversos de aprendizagem, ter o texto como eixo central favorece o processo. “Ele vai ser lido e compreendido de formas diferentes. Quem estiver mais avançado vai fazer uma leitura com mais autonomia”, aponta Maria do Socorro. 

Investir em um elo comum, mas com desafios diferentes, também é a sugestão de Miruna. “Se todos vão escrever as regras de um jogo, enquanto alguns redigem o modo de brincar [escrita mais complexa], outros fazem a lista de materiais [mais simples por serem palavras ‘soltas’]”, observa. Dessa forma, é possível pensar em atividades diferentes, focadas no nível de cada aluno, mas garantindo uma conexão com o grupo. 

Para a professora Rowana, o que tem funcionado é o trabalho diário baseado nas leituras que faz com toda a turma. A partir de um conto que foi lido e discutido em sala, ela pergunta quais são os personagens da história e propõe que o grupo de estudantes que ainda está em processo de alfabetização faça uma lista – eles têm um alfabeto móvel, material muito utilizado no ciclo de alfabetização, que podem consultar na hora da escrita.

Em paralelo, os demais alunos se dedicam a outras atividades, com foco em ortografia ou interpretação de texto, que podem realizar com mais autonomia. 

Além dessas propostas diferenciadas, Rowana garante momentos para que todos possam participar de uma mesma atividade. Quem ainda não é alfabetizado pode participar de forma oral. Isso acontece tanto em momentos de conversa sobre um texto ou para responder a uma atividade que a educadora tenha levado para a turma. “Trabalho o mesmo conteúdo e peço para registrarem da forma que sabem.”

Foco na leitura e em temáticas significativas

A leitura também está muito presente na sala de aula do professor Helder. “A minha turma gosta muito de gibis e mangás”, compartilha. A partir desse interesse, ele organizou um cantinho de leitura com uma pequena biblioteca. Essa prática já extrapolou os muros da escola, pois se tornou parte da rotina dos alunos ir à praça próxima da escola para ler. 

Além dessas atividades, a turma está lendo Matilda, de Roald Dahl. O clássico da literatura é o primeiro livro em capítulos que os alunos estão trabalhando. “Eles nunca tinham feito essa leitura coletiva, e [também é novidade] cada um ter o seu exemplar. Virou uma chave na maturidade deles”, conta Helder. 

Os momentos de leitura em voz alta permitem que os estudantes avancem em aspectos importantes da fluência leitora, como a entonação adequada para cada sinal de pontuação e acentuação. Também possibilitam que observem, na prática, a conjugação dos verbos que estão estudando e os tipos de narrador. Mesmo quem ainda não consegue ler participa da atividade. 

Maria do Socorro sugere partir de temas de interesse dos alunos para selecionar os textos e apresentar os diversos gêneros textuais para a turma. Outra possibilidade é propor que eles pesquisem determinado assunto para desenvolver a leitura e a escrita de forma significativa, a partir de uma necessidade real da turma. 

É nessa linha que Helder tem atuado. Apesar das dificuldades em Língua Portuguesa, ele percebeu que seus dois alunos que ainda estão no início da alfabetização têm facilidade e gostam de Matemática. Ele passou a aproveitar essa inclinação pelo componente curricular para avançar na alfabetização – por exemplo, ao explorar aspectos de leitura e escrita envolvendo a resolução de situações-problema.

Cuidados para não estigmatizar as crianças

Para avançar na alfabetização, é preciso acolher os alunos 

É importante que todos os alunos de uma turma se sintam parte do grupo e participem das propostas pedagógicas. Na Pedro Nolasco, onde o professor Helder trabalha, quem tem mais dificuldade realiza atividades de apoio pedagógico no contraturno.

Em sala de aula, aqueles que ainda estão no início do processo de aquisição do sistema de escrita têm um acompanhamento mais próximo, individualizado. 

“A turma é muito bacana. Eles se conhecem desde bebês, então todos sabem da realidade [e das dificuldades] de cada um, têm uma sensibilidade. Eu acho isso bonito, eles respeitam aqueles que não conseguiram se apropriar dos conteúdos”, ressalta o professor capixaba.

Assim como Helder, os professores devem ter um olhar sensível para os alunos e criar um vínculo próximo com eles para acolher suas dificuldades e potencialidades. 

Para aprender, os estudantes precisam se sentir acolhidos e seguros de que o professor está ali para apoiá-los. “A alfabetização é um processo que requer muito da criança, emocionalmente. Se ela estiver com medo, se não tiver confiança, não importa o método ou o material, [ela não vai ter sucesso na aprendizagem]”, afirma a professora Miruna. 

“Tem de fazer o possível para tentar atendê-las com base no que elas gostam, pois isso torna o processo mais fácil. [É preciso] criar relações afetivas positivas, [criar um vínculo de confiança e afeto] e fazer um trabalho individual, mas [estando atento para] que não se sintam excluídas”, propõe Helder para os professores que enfrentam esses desafios no 4º e 5º ano.

Parceria entre educadores

Para lidar com todos esses desafios, a formação continuada dos docentes é fundamental. Os encontros formativos também podem ser momentos para os educadores trocarem experiências e sugestões e compartilharem boas práticas e estratégias. Assim, os que se destacam como alfabetizadores podem colaborar com aqueles que têm mais dificuldade. Estimular essa interação pode ser interessante para apoiar o trabalho da formação continuada. 

Miruna também recomenda que os professores do 4º e 5º ano conversem com os do 2º e 3º ano para entender quais eram os projetos ou atividades que estavam previstos, mas não foram realizados devido à pandemia. “Conhecer esses materiais pode ser um ótimo caminho para entender o que é possível fazer.” 

Essas parcerias também podem resultar em trabalhos interdisciplinares ou práticas, nas aulas dos professores especialistas (de Arte, Educação Física ou Língua Inglesa), que contribuam com a consolidação da alfabetização. “Outro professor também pode fazer um trabalho que chame a atenção para algum aspecto da escrita. Não é responsabilidade apenas do professor polivalente, mas de todos os educadores”, finaliza Maria do Socorro. 

Consultoria pedagógica: Mazé Nóbrega, consultora de Língua Portuguesa e professora de pós-graduação do Instituto Vera Cruz, em São Paulo (SP).

Esta reportagem faz parte do Especial Alfabetização. Confira aqui os demais conteúdos.

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