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Educação Infantil: como fortalecer os laços com pais e responsáveis no retorno às atividades presenciais

Conheça estratégias para cuidar desse vínculo tão importante

POR:
Ingrid Yurie
Na EMEI Arco-Íris, em Lagoinha (SP), as famílias participam de rodas de leituras com as crianças na escola. Assim, levam o hábito para casa. Foto: Ingrid Oliveira/NOVA ESCOLA

Na EMEI Arco-Íris, em Lagoinha (SP), famílias e educadoras não estavam se entendendo com facilidade desde o início do ano. Por parte dos pais e mães, eram reclamações sobre as crianças voltarem da escola sujas de tinta ou terra, com peças das roupas molhadas, e expectativas de que o trabalho pedagógico não fosse centrado no brincar – e sim na aprendizagem da leitura e da escrita, como acontece de forma sistematizada no Ensino Fundamental. Já as docentes se sentiam inseguras pelos questionamentos na hora da saída e receosas ao propor uma vivência diferente, a experimentação de um espaço novo, com medo de as crianças caírem, se machucarem, brigarem ou se sujarem. 

A solução encontrada foi aproximar a escola das famílias no dia a dia, já que reuniões e eventos pontuais não eram suficientes para conhecer melhor pais e responsáveis nem compartilhar as concepções de Educação da escola e as propostas de atividade com seus objetivos.

“É um processo difícil e lento, mas temos conseguido mostrar para as famílias qual é a intencionalidade pedagógica por trás de brincar com terra, com água etc. – e também o que as crianças desenvolvem com isso. Além de informar pais e responsáveis, abrimos esse espaço para escutá-los e estamos promovendo trocas entre os que já estão conosco há um tempo e os que estão chegando agora”, diz Claudiane Araújo, coordenadora pedagógica da Arco-Íris. 

Realmente, a adaptação das crianças e das famílias à escola nesse retorno ao modelo presencial é uma situação inédita. Para muitos pais e responsáveis, que durante a pandemia praticamente não se separaram dos filhos pequenos, a experiência é ainda mais difícil. Existem medos e inseguranças em relação aos protocolos sanitários e possibilidade de infecção pelo coronavírus (sobretudo no caso dos menores de cinco anos, ainda não vacinados). Temos de considerar também as crianças e famílias que passaram e, possivelmente, ainda enfrentam o luto de perdas importantes, violência, desemprego e outras privações. Além de todas essas questões, é fundamental ainda levar em conta que, durante o período de distanciamento social, muitas crianças pouco conviveram com outras crianças e com adultos que não eram de seu círculo familiar íntimo. 

Então, nessa chegada à escola, as rodas de conversa, as entrevistas individuais e os questionários são algumas das estratégias que podem apoiar a escuta e o acolhimento às famílias. Já panfletos informativos ajudam a organizar os protocolos sanitários em vigência – e esse material pode ser elaborado em parceria com famílias e crianças. Nos momentos de diálogo também deve haver espaço para as famílias compartilharem angústias e expectativas para a volta ao modelo presencial e esclarecerem dúvidas. 

Durante as conversas, ainda vale investigar as mudanças que a família percebeu nas crianças durante a pandemia, que geram alegrias ou preocupações, e os novos interesses que elas passaram a demonstrar. “Isso ajuda os educadores a propor vivências que vão conquistar os pequenos”, orienta Silvia Fuertes, coordenadora e formadora em projetos de formação continuada da Comunidade Educativa CEDAC. 

É igualmente importante comunicar e dar espaço para a intervenção das famílias sobre qual é o papel da Educação Infantil, o que é esperado para o desenvolvimento e as aprendizagens do grupo, as propostas de adaptação à rotina que serão feitas e quem é e qual é o papel do educador da turma. É necessário validar, ponderar e dar uma devolutiva aos pais e mães acerca de suas perguntas e sugestões.

“Famílias que conhecem e confiam na escola vão saber como incentivar as crianças a se adaptarem, porque se sentem seguras com o espaço escolar e a proposta”, diz Nilcileni Brambilla, formadora de professores e produtora de materiais pedagógicos para a NOVA ESCOLA.

Para as educadoras da Arco-Íris, a aproximação com as famílias também tem ajudado a conhecer melhor a diversidade de cada grupo. Assim, fica mais fácil criar propostas mais contextualizadas com a realidade da turma. No mais, existe uma abertura maior para pedir ajuda às famílias quando uma criança está chorando demais no dia a dia ou apresentando dificuldades de adaptação, por exemplo. 

Entre as várias estratégias que as docentes usam para fortalecer os vínculos, está a contação de histórias. Primeiro, as crianças elaboram com a docente um convite para as famílias irem à escola ouvir uma história (o que costuma acontecer próximo ao horário de chegada ou de saída). No dia, cada educadora recebe e acomoda todos na sala de referência da turma e faz a contação usando recursos de narração como entonação de voz e brinquedos ou fantoches que complementam a experiência. Por fim, todos são convidados a falar sobre o que acharam da narrativa. 

“Percebo que a família se sente pertencente ao trabalho que estamos desenvolvendo com as crianças, que passa a conhecer melhor e valorizar nossas ações e dá mais importância à leitura”, diz Bruna Moraes, educadora das turmas de cinco e seis anos da Arco-Íris. Depois de algumas experiências na escola, famílias e crianças são convidadas a escolher um livro para levar para casa e ficar com o exemplar por uma semana. A prática surgiu quando a rede municipal de Lagoinha fez parte do projeto Pequenos Leitores, da FTD Educação e Comunidade Educativa CEDAC. 

Bruna explica que, quando só mandavam o livro para casa, as situações de leitura planejadas não aconteciam. “Após investigar a situação, entendemos que não era porque os pais não queriam ler para os filhos, mas porque não sabiam fazê-lo ou desconheciam a importância disso”, conta. Agora, todos se tornaram mais leitores, pedem títulos novos sempre e os momentos de leitura em casa são mais valorizados”, fala. 

Sejam bem-vindos!

Pais e responsáveis já reclamaram sobre as crianças voltarem sujas para casa. Depois de conversas planejadas com a escola, hoje está clara para todos a intencionalidade pedagógica por trás de brincar com terra e com água. Foto: Ingrid Oliveira

“Nossa equipe recebe a família das crianças no portão da escola todos os dias, e conhecemos cada um pelo nome. Isso faz diferença no acolhimento, cria um sentimento de pertencimento ao espaço. Ninguém tem de esperar pelo dia de reunião para contar um problema ou tirar uma dúvida. Todos sabem que estamos ali para ouvir e apoiar sempre”, diz Roseli Lopes, coordenadora pedagógica do CEI Santa Escolástica, em São Paulo (SP), sobre uma das estratégias para fortalecer os vínculos com pais e responsáveis a fim de potencializar o desenvolvimento dos pequenos. Afinal, como diz o provérbio africano, “é preciso toda uma aldeia para criar uma criança”. 

“Na hora da saída, quando as famílias veem as crianças se despedindo com carinho da equipe, ficam seguras de que está tudo bem e reforçam essa confiança para os filhos”, diz Lais Cezario de França, auxiliar de sala do CEI Santa Escolástica, que acompanha os momentos de chegada e saída das turmas. Próximo ao portão, foi montado um espaço amplo com brinquedos onde as famílias podem interagir. “Quando os pequenos passam por ali para ir embora, sempre querem mostrar algo que viveram durante o dia para os pais e brincar um pouco com eles. É bacana ver essa interação e as crianças apresentando o que fazemos aqui para as famílias”, conta Lais. Leia também a terceira reportagem da série, sobre como explorar áreas externas.

No processo atual de retorno às atividades presenciais, tal aproximação é um dos pilares essenciais da Educação para adaptar as crianças novamente à rotina escolar e garantir aprendizagens significativas. 

Historicamente, família e escola foram se constituindo como entidades totalmente separadas e com funções diferentes: uma cuida e a outra ensina, respectivamente. Com o avanço de estudos e pesquisas, sobretudo sobre a primeira infância, tal discurso caiu por terra. “Cuidar e educar são indissociáveis e de responsabilidade das duas instâncias”, explica Silvia, da CE CEDAC. 

Por isso mesmo, documentos legais como a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil tratam da interdependência das instituições e afirmam que seus papéis são complementares na garantia de direitos e no desenvolvimento integral das infâncias. 

Na Educação Infantil, isso é bastante perceptível nas situações como a de desfralde, quando é necessário um diálogo constante sobre como anda o processo. Mas vai muito além disso. “Escolas que valorizam o contexto e a cultura das famílias no trabalho pedagógico promovem o sentimento de pertencimento e aprendizagens significativas”, afirma Nilcileni. 

Na prática, isso acontece, por exemplo, quando as panelinhas de plástico disponíveis nos cantos de brincadeira são substituídas intencionalmente pelas de barro, em uma comunidade em que muitas famílias confeccionam o objeto com essa matéria-prima. Esse é um exemplo da valorização da cultura familiar representada nos espaços escolares, nas propostas de brincadeiras planejadas intencionalmente para as crianças.

“Quando o professor conta com informações que a família fornece sobre saúde física e aspectos emocionais da criança e sobre a caracterização da comunidade escolar é mais fácil planejar atividades com as crianças e ações de parceria, como a melhor data para reuniões e os eventos com mais potencial para engajar pais e responsáveis”, acrescenta Silvia, que também ressalta que tudo isso ajuda a diminuir a ocorrência de faltas, possibilita mais aprendizagens e a maior valorização do trabalho docente.

A pandemia mostrou justamente isso para as escolas e famílias que tiveram condições de manter algum contato. De um lado, os professores precisavam do apoio de pais, mães e responsáveis para desenvolver o trabalho pedagógico remoto. Do outro, os familiares perceberam o quanto a socialização, outras referências e a alternância de espaços e atividades faziam falta para a criançada. 

“Nesse período com as escolas fechadas ficou evidente que o papel da escola deve ir além de uma perspectiva apenas focada nos conteúdos esco?lar?es, considerando todas as condições nas quais os pequenos se encontram. E os educadores fizeram a diferença ao ajudar as famílias com garantia de direitos, orientações sobre a importância da rotina e propostas para não deixar ninguém muito tempo em frente às telas. Essa relação de parceria não pode ser perdida agora”, ressalta Silvia.

Portanto, vale a pena dedicar um tempo para avaliar as estratégias de comunicação e aproximação com as famílias usadas durante a pandemia e como elas podem continuar fazendo daqui em diante. Leia também a quarta reportagem da série, sobre como sensibilizar e formar a equipe docente para dar continuidade e aprimorar esse trabalho.

Agora, se muitas crianças não tiveram acesso ao trabalho pedagógico remoto, esse diálogo e o estabelecimento de vínculos com as famílias é ainda mais importante e urgente. O mesmo vale para os pequenos que estão chegando à escola pela primeira vez. “As escolas precisam saber como foi o período de isolamento para as crianças e estar mais disponíveis para elas. Só assim vamos superar desigualdades e permitir que todos avancem”, destaca Silvia.

Três mitos sobre a participação das famílias na escola

1 - “Os protocolos sanitários impedem a entrada dos adultos na escola”

É possível garantir a biossegurança de todos sem que para isso seja necessário abrir mão da qualidade do trabalho pedagógico. Usar espaços abertos, pedindo que os adultos usem máscaras e mantenham o distanciamento, por exemplo, reduz as possibilidades de transmissão do coronavírus. 

2 - “A família não participa porque não quer” 

Talvez pais e responsáveis não saibam que a presença deles é importante e bem-vinda, que eles podem fazer diferença e sempre terão algo a acrescentar. Também pode acontecer de não se sentirem parte porque não enxergam a cultura e a realidade deles representadas nas vivências.

3 - “A presença da família vai atrapalhar ou distrair as crianças”

É verdade que inserir pessoas que não participam da rotina escolar no contexto das atividades demanda muito planejamento, estudo, testes e correções de rota. Apesar disso, é uma proposta muito enriquecedora para todos, e a chave é experimentar, convidando os familiares para contribuírem com o que sabem. 

Os documentos que você encontra a seguir para download são para ajudar na organização das reuniões de pais: uma lista com oito pontos principais que devem ser observados no planejamento do encontro com as famílias e um passo a passo para se inspirar ao montar a pauta da reunião. As propostas, evidentemente, podem ser adaptadas de acordo com as demandas das famílias e com o contexto local.

Consultora pedagógica: Nilcileni Brambilla, formadora de professores e autora do Material Educacional da NOVA ESCOLA.

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