Como acompanhar o dia a dia dos professores e apoiá-los após as formações
Observação de sala de aula, entre outras estratégias, auxilia os docentes a aplicarem na prática o que foi visto nos encontros formativos e permite identificar novas demandas para as reuniões seguintes
POR: Thais Paiva
Se para os professores não há evidência melhor de que uma aula ou sequência didática foi bem sucedida do que ver os alunos aplicando no cotidiano os conhecimentos compartilhados em sala de aula, o mesmo vale para a relação entre coordenação pedagógica e corpo docente. O objetivo último das trocas, estudos e reflexões feitos ao longo de uma formação continuada é sempre o aprimoramento da prática docente. Por isso, para saber se os encontros renderam bons frutos, é preciso estar presente no dia a dia do professor.
Em outras palavras, feitos os encontros formativos, um novo ciclo se inicia com o acompanhamento dos docentes pelo coordenador pedagógico. A finalidade é averiguar se os aprendizados e combinados ocorridos ao longo da formação estão se efetivando na rotina escolar e trazendo resultados positivos para a turma e para a comunidade escolar como um todo. Para ajudar, preparamos um roteiro com sugestões para apoiar, na prática, a equipe.
E, aqui, uma distinção se faz necessária: acompanhamento não é fiscalização. Pelo contrário, é a oportunidade de oferecer apoio contínuo ao corpo docente em suas potencialidades e necessidades. “O professor tem de ver na figura do coordenador um aliado, um parceiro”, aponta Joice Maria Lamb, coordenadora pedagógica da EMEF Prof. Adolfina J. M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS).
A educadora diz que a ideia de vigilância existe porque muitas vezes a formação é entendida erroneamente como uma ação de via única, imposta de cima para baixo, como algo que a escola ou rede precisa que o professor faça. Mas uma formação continuada de qualidade acontece sempre em mão dupla: a comunidade escolar também se beneficia com aquilo que os professores trazem de bagagem. “É preciso acabar com essa ideia de que o professor é sempre incompleto e abrir espaço aos saberes dos docentes como possibilidades de agregar à escola.”
Acompanhamento da equipe
Há sete anos como coordenadora pedagógica na Escola Ângelo Scarabucci, em Franca (SP), Priscila Terencio endossa esse entendimento. Em suas formações, ela se vale da lógica da homologia de processos. Isto é, parte da premissa que o modo como os professores vivenciam a formação é o mesmo como irão trabalhar com os estudantes em sala. Por isso, as atitudes e os valores empregados devem ser aqueles que o coordenador deseja ver incorporados ao fazer docente.
E isso também se aplica ao momento do acompanhamento: o professor precisa estar confortável e seguro para mostrar toda sua potencialidade, por exemplo, na ocasião da observação de sua aula. “Um ponto fundamental para criar esse vínculo de confiança é a escuta ativa, sem juízo de valor. O professor deve se sentir à vontade e confiar que esse trabalho conjunto é para o bem de todos”, defende Priscila.
Na EMEF Maria Chaparro Costa, em Bauru (SP), o acompanhamento dos resultados das formações é feito, sobretudo, por meio de conversas semanais baseadas no planejamento do professor e da observação direta em sala de aula. A coordenadora pedagógica Bruna Albieri explica que as conversas individuais são importantes porque também são momentos para os docentes revelarem questões que vão além de estratégias didáticas.
“A retomada pós-pandemia trouxe uma série de desafios para a coordenação. A gente percebe que os professores estão muito ansiosos, preocupados em cumprir currículo. Então temos trabalhado com eles a questão de diminuir a ansiedade, abordar o que o aluno realmente precisa e priorizar aprendizagens”, conta.
A coordenação tem se mobilizado também para compartilhar, em encontros entre os professores, aquilo que vem dando bons resultados, de modo a inspirar a equipe. “Quando vemos algo muito legal fazemos essa troca de experiências. Por exemplo, algumas professoras estavam fazendo um trabalho bem bacana com leitura, uma sequência didática com receitas. Então pedimos para elas mostrarem os projetos aos demais”, comenta Bruna.
Insumos para novas formações
Além de fornecer um olhar externo com o objetivo de qualificar as práticas didáticas, a presença do coordenador no dia a dia das turmas possibilita identificar necessidades formativas da equipe, coletando insumos para o planejamento das formações seguintes. “Neste ano, vimos que existe a urgência de trabalhar avaliação, pois os professores estão um pouco perdidos. Então conseguimos captar essa necessidade e orientá-los com instrumentos e valores para utilizarem como parâmetro”, relata Bruna.
Essa percepção sobre as necessidades comuns à equipe docente torna-se também um momento importante para a reflexão do coordenador sobre sua própria prática. “É quando eu vejo o que preciso revisar e aprimorar nas formações. Sempre pergunto ao professor como posso contribuir. Faço esse movimento de volta”, acrescenta Priscila.
Para além do trabalho desenvolvido em sala de aula, vale também dar espaço para que os professores compartilhem coletivamente temas que estão pesquisando em outros espaços educativos, como nas universidades, em suas trilhas formativas individuais. “Na nossa escola, temos uma professora que fez uma formação em relações étnico-raciais durante a pandemia. Então, promovemos quase um mês de encontros semanais, em uma sala virtual, para debater esse tema. Ela trouxe referências e reflexões e compartilhou com todos esses aprendizados”, destaca Joice.
Observação de sala de aula
Entre as estratégias mais utilizadas para realizar o acompanhamento dos professores após os encontros formativos e ver na prática seus desdobramentos está a observação de sala de aula. Nessa oportunidade, o coordenador pedagógico consegue identificar os aspectos exitosos da dinâmica do professor com sua turma, bem como os pontos que merecem atenção. Em suma, o objetivo é analisar como as interações entre docente e estudantes e o processo de ensino e aprendizagem são construídos na prática.
Via de regra, a observação consiste na visita do coordenador a uma aula como espectador. Essa supervisão costuma ser guiada por um roteiro previamente elaborado, em que estão elencados os pontos que merecem atenção. Eles podem, por exemplo, estar organizados na forma de perguntas para a reflexão. O coordenador então produz suas anotações relacionando-as àquilo que assiste e às referências da pauta. “O roteiro deve dialogar com o planejamento do professor para aquela semana – quais foram as estratégias e as intervenções pensadas por ele”, detalha Bruna.
Antes da visita em si, no entanto, alguns cuidados devem ser tomados. “Em um acompanhamento quinzenal, vemos os planejamentos dos professores e os trabalhos dos alunos. Então, programamos a visita e [definimos] o que será observado e com qual finalidade”, ressalta Joice.
Para que o clima não seja de fiscalização, é interessante disponibilizar o cronograma mensal de observação, de forma que todos os professores tenham acesso e possam se organizar melhor para esse momento. Priscila conta que nunca vai de surpresa em uma sala de aula, fazendo sempre combinados prévios. “Costumo, inclusive, perguntar ao professor a qual aula ele quer que vá [assistir]. Isso porque acredito que tenho de partir da potencialidade dele, da aula que ele quer me mostrar.”
Vale reiterar que as anotações feitas durante a observação nunca devem se orientar pela dicotomia do certo ou errado, ou ainda visando a uma padronização do modo de ensinar. Cada professor é diferente de outro, logo, suas didáticas também serão variadas. Além disso, a visita não deve ser entendida como uma experiência passiva do coordenador em relação à aula. Apesar de silenciosa, sua presença ali é também um elemento que interfere na dinâmica da sala de aula, e isso deve ser levado em consideração.
Devolutiva aos professores
Após a observação da aula e munido de suas anotações, é hora de o coordenador sentar para conversar com o docente. É importante que esse feedback não demore muito, porque isso também pode gerar ansiedade. “O ideal é que as conversas pós-observação tenham também prazos estabelecidos de antemão”, indica Priscila.
Nesse retorno, a educadora sugere retomar o relato da aula com o professor e o objetivo esperado com aquela exposição, provocando algumas reflexões iniciais, como: “Você acha que o objetivo da aula foi atingido? Teve algo que foi planejado, mas que não ocorreu na prática? E o contrário?”. Essas reflexões conjuntas ajudam a recompor a experiência e a examinar a aula segundo a ótica do próprio professor.
Outra dica para quebrar o clima de cobrança é começar a devolutiva por aquilo que se mostrou positivo, reconhecendo o trabalho do docente. Sobre o que não foi eficiente, em vez de apontar aquilo como falha, o que pode constranger o professor, o ideal é trazer como objeto de uma reflexão conjunta do porquê aquela estratégia ou aquele instrumento não saiu conforme o planejado e propor as intervenções em parceria na prática pedagógica.
“Costumo abordar esses pontos com provocações e sugestões como: ‘Será que, aqui, não seria melhor para o aluno desse jeito? E se fizermos assim nesse momento?’. Nunca me impondo, mas trazendo como uma reflexão conjunta e lembrando o objetivo inicial da atividade”, salienta Bruna.
Valorização das boas práticas
Mesmo com a devolutiva feita, o trabalho de observação ainda não está concluído. “Uma devolutiva não é uma resposta única, ela precisa ter um encaminhamento”, resume Priscila. Assim, o ideal é que o coordenador pedagógico agende seu retorno com o mesmo professor e, de preferência, com a mesma turma para ver se os novos combinados estão acontecendo.
Por último, a própria observação de sala de aula pode ser utilizada como objeto de estudo coletivo na formação continuada da equipe. Compartilhar boas práticas e mostrar ao grupo como determinado educador conduz sua aula são estratégias interessantes, que valorizam o trabalho do professor e podem inspirar os docentes e abrir nossas possibilidades de ensino e aprendizagem.
“Mostrei uma aula gravada para os professores e pedi que eles a analisassem de acordo com uma tabelinha de observação. Foi muito legal porque eles puderam acompanhar e ponderar sobre a prática de um par. Agora, no segundo semestre, quero filmar um deles para ser objeto de estudo coletivo – e já tenho candidatos!”, comemora Priscila.
Observação da sala de aula deve ser momento de respeito e troca
Prática possibilita que o coordenador aponte caminhos para a melhoria das aulas dos docentes e que, juntos, possam buscar novas estratégias
Ao conhecer dificuldades e situações que ocorrem, na maioria das vezes, na prática, a observação do coordenador pode ajudar os professores em diversas frentes:
- Ao mostrar como determinadas metodologias podem funcionar melhor em sala, de acordo com os objetivos de aprendizagem propostos;
- Na definição de estratégias pedagógicas com crianças que apresentam dificuldade de aprendizagem;
- Ao indicar novas possibilidades de trabalho que resolvam problemas simples da sala de aula;
- Ao evidenciar fragilidades no trabalho docente que podem ser melhoradas com feedbacks assertivos.
Consultoria pedagógica: Aline Soares, educadora e formadora de professores.
Esta reportagem faz parte do Especial Formação Continuada. Confira aqui os demais conteúdos.
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