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Como aproveitar as eleições para estudar a República Brasileira?

Atividades que conectam o atual processo eleitoral à República Velha e à Era Vargas favorecem uma aprendizagem mais significativa e estimulam a reflexão e o olhar crítico

POR:
Tatiane Calixto
Foto: Getty Images

Pesquisas, debates, horário eleitoral, panfletos e, claro, uma enxurrada de memes de candidatos. Com a proximidade das eleições e o alcance das mídias, principalmente das redes sociais, é difícil não ser impactado pelo bombardeio de informação sobre o assunto. Na sala de aula, parte desse conteúdo pode ser utilizado a favor da aprendizagem em diferentes componentes, como é o caso da Matemática. Também é possível estimular o debate e o senso crítico nas aulas de História relacionando fatos passados e atuais por meio das notícias que circulam no dia a dia.

“O conteúdo programático da aula ou situações de aprendizagem não têm razão de ser se não ajudarem na construção do pensamento crítico do aluno e não explorarem as habilidades para a formação das competências”, avalia o professor Odair José Pereira. Ele leciona História para as turmas de 6º a 9º anos nas EM Domingos Soares de Oliveira e São Francisco de Assis, ambas em Praia Grande (SP).

Segundo Odair, existe um valor em si no aprendizado do componente ao reconhecer os períodos, costumes e normas dentro de um contexto. Mas mesmo isso precisa ser usado como forma de comparação com a atualidade e de identificação das continuidades e rupturas. “O estudo do Iluminismo e de seus pensadores, por exemplo, não há como dissociá-lo da formação dos três poderes, das funções atuais do Executivo, Legislativo e Judiciário e até mesmo de qual é o papel de um vereador”,

explica.

Assim, um dos caminhos possíveis para os docentes nesta época de eleições é trabalhar conexões entre notícias, informações e vivências do cotidiano dos alunos com a República Velha, criando paralelos em diferentes temáticas.

Realidade do aluno e BNCC

A política brasileira apresenta muitas características de continuidade. Evidenciar esses pontos é uma possibilidade para construir uma ponte entre as notícias atuais e os fatos históricos, favorecendo a identificação da turma com os temas e facilitando o aprendizado. 

O professor Odair lembra que, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de História, tanto a República Velha quanto a Era Vargas são situações de aprendizagem das séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. No primeiro caso, geralmente o aluno está próximo de tirar o seu título de eleitor e, no segundo, já pode votar, o que faz com que o tema ganhe relevância na vida do estudante.   

A abordagem é ainda uma oportunidade de o docente articular as atividades com as competências gerais da BNCC. Por exemplo, a que trata dos pensamentos científico, crítico e reflexivo ou a que aborda a argumentação com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias que respeitem e promovam os direitos humanos.

Conexões possíveis entre a República Velha e os dias de hoje

Entre os pontos que podem ser abordados, Odair sugere as elites agrárias. Nas primeiras décadas do século 20, elas dominavam a política nacional por meio da alternância do poder entre as oligarquias estaduais de maior importância no cenário político da época, com destaque para a aliança entre São Paulo e Minas Gerais – a chamada “política do café com leite”. Hoje, com o avanço da economia agrária no interior do Brasil, há o surgimento da chamada bancada do boi, “um grupo influente nas decisões do governo e nas políticas relacionadas à preservação da Amazônia”, salienta.

Myziara Miranda da Silva Vasconcelos, professora de História na EM Joaquim do Rêgo Cavalcanti, em Ipojuca (PE), e na EM Padre Pedro Sessão, em João Pessoa (PB), ressalta que, em muitos aspectos, o modo de fazer política no Brasil atual conserva características similares ao que era praticado durante a Primeira República. De acordo com ela, promover essa compreensão facilita a construção de conhecimento crítico acerca da experiência republicana brasileira. 

“É possível, por exemplo, comparar o voto de cabresto com a compra de votos, que ainda é uma prática comum, principalmente em cidades do interior. Ainda vemos, no período eleitoral, notícias relacionadas a isso”, comenta. Quando levanto essa possibilidade, percebo a identificação de muitos de meus alunos, que acreditam ser normal votar em determinado candidato em troca de um emprego ou de material para terminar a construção de sua casa.”

Também presente no dia a dia dos estudantes, e exigindo um trabalho de letramento digital, as fake news ganharam destaque nos debates entre os candidatos, que se acusam mutuamente de divulgar notícias falsas. Para muitos, as fake news podem parecer algo novo, que nasceu com a internet – mas não é, e, de acordo Odair, é possível propor uma reflexão para a turma.

“Em 1937, por exemplo, o governo de Getúlio Vargas inventou a história de que havia apreendido um documento chamado Plano Cohen, segundo o qual os comunistas tomariam o poder no Brasil. Hoje, chamaríamos isso de fake news, já que o documento foi uma invenção de Vargas para dar o golpe [e instituir o Estado Novo]”, aponta. “Nas atuais propagandas políticas, vemos muita coisa que tenta induzir o eleitor a ter medos similares. Nesse sentido, o estudo do passado também é útil para reconhecer antigas armadilhas.”

Baixe infográfico sobre Oligarquias para utilizar em sala de aula

Baixe infográfico sobre Era Vargas para utilizar em sala de aula

Atividades e dinâmicas para engajar a turma

Ainda sobre a Era Vargas, Thiago Pereira Francisco, que leciona História na rede municipal de Jaboatão dos Guararapes (PE), afirma que os professores podem abordar a censura e o uso político da propaganda. “Ao falar da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) por Getúlio Vargas, é possível refletir sobre instrumentos de censura e divulgação de atos oficiais durante o Estado Novo, que vetavam assuntos e ditavam pautas para uso político.” O professor sugere ter como material de auxílio periódicos atuais e da época. Para isso, além dos acervos de grandes jornais, é possível contar com os documentos da Biblioteca Nacional

Conforme Thiago, é interessante fazer os alunos identificarem o vocabulário, os atores políticos envolvidos e os momentos históricos dessas reportagens e propagandas. “Dá para abordar que alguns interventores, ou seja, governadores do período varguista, eram proprietários de meios de comunicação e incentivar a turma a pensar como isso era usado de forma a manter o controle político e que relações podem ser feitas com a atualidade.” Também é possível comparar os periódicos da época com os materiais de campanha dos candidatos atuais, tanto as tradicionais propagandas no horário eleitoral como memes e dancinhas no TikTok.

Nesse contexto, explicar as estratégias de uma propaganda pode ser importante para o letramento midiático dos alunos. O instituto EducaMídia, voltado para docentes e estudantes, disponibiliza um Guia de Educação Midiática que aborda temas como fake news e alerta para a importância de saber reconhecer uma propaganda, que nem sempre é facilmente identificável. A habilidade acaba sendo uma ferramenta para que os estudantes interpretem corretamente os conteúdos que veem na TV ou na internet, por exemplo.

Outra estratégia que pode ser usada para vincular informações que circulam atualmente com o estudo da Era Vargas é a apresentação de dados sobre a representatividade das mulheres na política nos últimos 30 anos. Ela pode ser comparada com a luta das sufragistas no início do século 20 ou com a representatividade das mulheres nos partidos. “O objetivo é levar o estudante a compreender que, assim como o direito ao voto feminino garantido em 1932, por meio de um decreto de Getúlio Vargas , as cotas de gênero são uma conquista da luta de muitas mulheres para assegurar uma participação mais igualitária no Poder Legislativo”, diz a professora Myziara.

Eleições na prática e reflexões sobre participação política

Os professores Odair e Thiago concordam que simular um processo eleitoral pode ser uma atividade potente para o desfecho das aulas sobre o assunto. “Uma das coisas mais interessantes para que o aluno entenda a importância do processo eleitoral é a formação de chapas e a eleição do grêmio estudantil. Em nível micro, simula todos os processos eleitorais: as regras de campanha, a propaganda, as propostas de cada chapa, a votação secreta e o resultado”, enumera Odair.

Para se inspirar, uma dica é o Plenacast, um podcast sobre eleições que faz parte do projeto Plenarinho, ação da Câmara dos Deputados voltada para crianças, jovens, pais e educadores. São quatro episódios que mostram experiências, ideias e reflexões para levar o tema eleições para a sala de aula, de forma lúdica e alinhada aos conteúdos previstos na BNCC.

Outra maneira de despertar um olhar mais crítico dos alunos para as eleições, de acordo com Odair, é fazer com que eles identifiquem também nesse processo as situações de poder. Isso pode ser feito, por exemplo, por meio de pesquisas, começando com a composição das chapas na escola e partindo para a Câmara de Vereadores, Deputados ou Governadores. A partir desses dados, a ideia é debater a participação negra, indígena e feminina nas instâncias de poder em paralelo com as primeiras décadas da república. “O olhar comparativo pode demonstrar que houve um avanço, mas que ainda assim caminhamos a passos lentos.”

O professor Thiago propõe ir além e mostrar a participação social no processo eleitoral ao longo da História. “No Império, tínhamos o voto censitário  o cidadão tinha de comprovar uma determinada renda para ser eleitor e outra maior ainda para se candidatar a algum cargo político. Era somente a elite que tinha direitos políticos plenos. Na República, o voto censitário cai, mas, em compensação, cria-se o impedimento do voto dos analfabetos, que eram a maior parte da população. Hoje, ampliamos a participação política, o que não quer dizer que ela seja ideal.”

Protagonismo dos estudantes e valores democráticos

Estabelecer uma relação entre aquilo que é vivenciado pelos estudantes no presente, explorando a internet e até o uso de redes sociais nas campanhas eleitorais, e o conhecimento histórico adquirido em sala de aula torna a aprendizagem mais significativa, na visão da professora Myziara. Para ela, esse processo contribui para o desenvolvimento da criticidade e do entendimento do próprio protagonismo dos estudantes no processo contínuo de consolidação da democracia na República Brasileira.

O professor Odair diz perceber isso em seu dia a dia, quando observa que seus alunos estão mais preocupados em expressar suas preferências nesta eleição do que nas anteriores. O que, segundo ele, reforça a importância da escola como um lugar onde o estudante constrói sua noção de democracia, respeito e tolerância, sabendo, inclusive, se expressar e atuar nos ambientes presencial e digital.

Eleições e atualidades nos Anos Finais do Fundamental

A professora Roberta Duarte, do time de formadores da NOVA ESCOLA, aponta conexões que os docentes podem fazer entre o atual período eleitoral e as habilidades previstas na BNCC para os Anos Finais

6º ano: (EF06HI12) Associar o conceito de cidadania a dinâmicas de inclusão e exclusão na Grécia e Roma Antigas.

Relacionar como as noções de cidadania e política na Grécia e em Roma influenciaram a ideia de democracia e república vivenciada nos dias atuais. 

7º ano: (EF07HI10) Analisar, com base em documentos históricos, diferentes interpretações sobre as dinâmicas das sociedades americanas no período colonial.

Entender como se deu a estruturação dos vice-reinos nas Américas, onde as decisões políticas não passavam pela população, e sim pela elite portuguesa. É possível relacionar isso com o processo de exclusão de grupos minoritários da política (negros, indígenas e mulheres) que se perpetua até os dias atuais, como herança do processo de colonização.

 

8º ano: (EF08HI01) Identificar os principais aspectos conceituais do iluminismo e do liberalismo e discutir a relação entre eles e a organização do mundo contemporâneo.

(EF08HI16) Identificar, comparar e analisar a diversidade política, social e regional nas rebeliões e nos movimentos contestatórios ao poder centralizado.

Perceber como as ideias iluministas contribuíram e influenciaram a forma de governo republicana. Destacar as ideias de Montesquieu e a divisão de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). A partir daí, explorar a origem da tripartição do poder, base do nosso modelo de eleição atual. Por meio dos movimentos de contestação ao poder centralizado no período imperial, explorar como a população, ao longo desse período, lutou por uma maior participação e a ampliação de seus direitos políticos. 

 

9º ano: (EF09HI01) Descrever e contextualizar os principais aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos da emergência da República no Brasil. 

(EF09HI06) Identificar e discutir o papel do trabalhismo como força política, social e cultural no Brasil, em diferentes escalas (nacional, regional, na cidade e na comunidade). 

(EF09HI11) Identificar as especificidades e os desdobramentos mundiais da Revolução Russa e seu significado histórico.

(EF09HI13) Descrever e contextualizar os processos da emergência do fascismo e do nazismo, a consolidação dos estados totalitários e as práticas de extermínio (como o holocausto).

Além das conexões com a República Oligárquica e o Governo Vargas apresentadas na reportagem, é possível abordar a Revolução Russa e o surgimento do socialismo e dos regimes autoritários. Pode-se explorar como discursos contra o socialismo e o comunismo vêm sendo comumente utilizados por distintos governos republicanos como maneira de estabelecer regimes autoritários e/ou práticas antidemocráticas, e como a internet multiplica essas falas.

Consultoria pedagógica: Roberta Duarte, professora dos Anos Finais do Ensino Fundamental na rede municipal de Jaboatão dos Guararapes (PE) e integrante do time de formadores da NOVA ESCOLA.



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