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Matemática: como trabalhar com dados e pesquisas eleitorais nos Anos Finais do Fundamental?

Professores sugerem abordagens para vivenciar a estatística de forma reflexiva, crítica e contextualizada à temática das eleições

POR:
Victor Santos
Foto: Getty Images

“Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) enfatiza que devemos, sempre que possível, trabalhar a unidade de probabilidade e estatística voltada para os temas do cotidiano e da realidade dos alunos”, sintetiza Ivonete Dezinho, professora de Matemática e colunista da NOVA ESCOLA.

De acordo com a educadora, que leciona o componente há 19 anos e atua na EMEF Professor Milton Porto, em Naviraí (MS), a BNCC propõe ainda que todos os cidadãos tenham o direito de desenvolver a habilidade de coletar, organizar e analisar dados, “para que, a partir deles, possam tomar decisões mais adequadas”. Assim, o período de eleições traz uma oportunidade e tanto para desenvolver trabalhos nessa linha, como destaca Marytta Rennó, vice-diretora do Colégio Estadual João Bettega, em Curitiba (PR), e integrante do Time de Formadores da NOVA ESCOLA.

“A pesquisa eleitoral se situa dentro da área da estatística, contemplando habilidades como coleta de informações e leitura e interpretação de textos estatísticos, além da construção de gráficos – todas previstas no componente da Matemática”, salienta Marytta, que atua desde 2000 como professora na rede pública e com elaboração de currículo e materiais didáticos. Ela reforça também a importância de sempre trazer assuntos da atualidade para as aulas. “Uma Matemática descontextualizada não traz significado para os estudantes – os conteúdos e objetivos de aprendizagem precisam dialogar com o cenário que eles estão vivendo.”

Considerando isso, na primeira reportagem do Especial Eleições, professores experientes da rede pública explicam como construir propostas que trabalhem dados eleitorais e a construção de uma pesquisa em sala de aula, mas sem perder de vista um ponto primordial: as importantes reflexões críticas por parte dos alunos, que devem permear todo o processo. Ao final, disponibilizamos uma seleção de planos de aulas que podem apoiar o seu planejamento.

Questionamentos disparadores

Para começar a pensar nesse trabalho, o educador Fabio Menezes da Silva, que dá aula de Matemática há 22 anos na rede municipal de Duque de Caxias (RJ) e atualmente no Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) 330, aponta que tudo começa com o planejamento e recomenda a prática do planejamento reverso.

“Quando vou trabalhar com pesquisa na sala de aula, preciso começar a planejar sabendo aonde quero chegar. Se a ideia é que eles façam uma análise do cenário eleitoral, então essa é minha proposta final. Perguntas básicas como ‘onde?’ (na sala de aula), ‘quando?’ (em setembro, para aproveitar o contexto eleitoral) e ‘como?’ auxiliam nessa hora e ajudam a criar as outras etapas”, detalha Fabio, que é formador de professores da NOVA ESCOLA e docente na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

A ideia de definir primeiro as expectativas de aprendizagem que devem ser atingidas ao final do processo ajuda na escolha das atividades e metodologias que serão utilizadas. Se a aprendizagem pretendida é que os alunos de 6º ano interpretem situações cotidianas que envolvam dados de pesquisas (como sugere a habilidade EF06MA32), não basta propor que eles apenas identifiquem informações em gráficos ou reportagens. É preciso criar estratégias para que aprendam a relacionar esses dados com a realidade e consigam tirar suas próprias conclusões.

“Para 6º e 7º anos, posso delimitar que saibam analisar uma medida estatística, probabilística e percentual; para 8º e 9º, avançar para ideias de razão, proporção e interpretação. Daí sigo para questionamentos como: ‘O que preciso atingir? Por que e para quê estou trabalhando com isso?’, e vou desenhando como quero que tudo se processe, escolhendo metodologias como a rotação por estações, por exemplo.

Interface com a política

Na hora de começar a colocar tudo em prática, a professora Marytta recomenda um diagnóstico inicial. “Para checar se e o quanto entendem de porcentagem, do que é uma coleta de dados, se compreendem como as pesquisas se dão. Enfim, é preciso um início de aula bem dialogado para conseguir captar a profundidade do conhecimento da turma.”

A respeito dessas perguntas disparadoras para introduzir o tema das eleições, Fabio reforça que há uma interface muito grande com a própria educação política. “Pergunto primeiro se alguém sabe como são ocupadas as vagas para deputados, já que nem sempre o mais votado é eleito – a maioria não tem noção do cálculo de vagas por partido, ligado a conceitos como quociente eleitoral e quociente partidário. Vale contextualizar essas informações do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostrando como elas envolvem a razão entre uma coisa e outra”, comenta. “Então, consigo logo de cara abordar questões como a votação para o Executivo e o Legislativo, diferenciando eleição majoritária e eleição proporcional.”

Em seguida, prossegue o educador, é necessário fazer os estudantes pensarem, por exemplo, “por que uma pesquisa eleitoral é feita?” e “o que significa dizer que um candidato está com tal porcentagem de intenção de voto?”. “Sobre a primeira pergunta, não existe uma resposta pronta – podemos dizer que é algo que influencia o eleitor, ou então que um eleitor gosta de saber o que o outro está pensando e com quem o outro está se identificando. Já a segunda questão faz com que aos poucos os alunos comecem a identificar que não é a estatística por si só – ela sempre vem acompanhada de uma análise e da forma como você comunica essa análise, que deve ser entendida no nível da produção de sentido [que se deseja].”

Análises de fontes oficiais e jornalísticas

“Nossos alunos são ‘experts’ no uso das tecnologias e das redes sociais, mas poucos têm o hábito de ler e assistir jornal ou mesmo de acessar as redes para se informar sobre pesquisas eleitorais”, conta a professora Ivonete. “Então esse é um bom momento para levá-los à sala ou ao laboratório de informática para pesquisar dados e gráficos sobre votações em sites oficiais e fontes jornalísticas confiáveis”, completa. Não havendo essa opção, é interessante que o professor leve esses dados impressos. Esse estudo, segundo a docente, já pode resultar em uma produção inicial a respeito do que descobriram e entenderam. “Inclusive, explorando diferentes formatos nessa devolutiva, como TikTok, mural colaborativo no Padlet ou o aplicativo Pixton, que cria histórias em quadrinhos.”

Ainda nessa perspectiva de uso de conteúdos jornalísticos, a professora Marytta sinaliza que recortes de eleições passadas também rendem boas ações em sala de aula. “Dá para pegar reportagens antigas com as expectativas trazidas pelas pesquisas e também o resultado da última votação no site do TSE. Então, é possível pensar em uma divisão por grupos – um analisando a disputa para presidente, outro para governador, outro para senador – e fazer uma análise. O candidato ‘tal’ tinha uma intenção de X votos na pesquisa e ganhou com Y votos. Essa expectativa de votos refletiu a realidade ou não?”

A partir disso, explica a educadora, se eles observam que não, que o número de votos foi bem maior, pode-se conduzir a conversa levando em conta pontos como “de onde será que podem ter vindo esses números?”, seguido por um exame minucioso, em grupo, do total de votos dos outros candidatos. “Daí, resultam conclusões do tipo: ‘Opa, então esses votos podem ter saído desse candidato B para o candidato A, que ganhou’.”

Conforme o professor Fabio, esse trabalho com reportagens permite dar mais um passo no desenvolvimento de um olhar crítico dos estudantes para as próprias fontes de informação. “É interessante mostrar para eles um mesmo fato em duas notícias diferentes – uma delas pode dizer que ‘há chances da disputa se encerrar no primeiro turno, porque a soma dos votos válidos dos demais não atinge o do primeiro colocado’, enquanto outra afirma que ‘é possível que haja segundo turno, por conta da margem de erro ou outros fatores’”, exemplifica. “Isso pode levar os alunos a captar que toda comunicação tem um fundo de concepções políticas por trás, o que nos leva de volta à questão dos sentidos que se deseja produzir ao divulgar uma pesquisa.”

Indagações como essas fomentam discussões que podem ser úteis para cristalizar para os alunos o próprio conceito e a função da estatística. “Quando vamos ensinar esse assunto, ele não pode ser uma coisa vazia, de dizer ‘este aqui tem maior percentual; este, menor, e tudo bem’”, comenta o educador. “Eles precisam alcançar a percepção de que pesquisas como as eleitorais não são eventos determinísticos – nada delas é certo de que vai acontecer –, mas existe uma probabilidade de aquilo ocorrer. É como se a gente quisesse, dentro de um caos, traçar alguns padrões. O que a gente faz com a Matemática é buscar esses padrões para quem sabe ter algum tipo de previsibilidade naquilo que a gente vai fazer, socialmente falando.”

Caminhos para estruturar uma pesquisa

Após essas análises, é o momento de levar os estudantes para a experiência prática de conduzir todas as etapas de uma pesquisa. “Uma possibilidade é começar ali no ‘micromundo’ da sala de aula, antes de fazer por toda a escola”, diz Marytta. “Se tiver, por exemplo, votação para líder de turma, é um teste interessante para construir a ideia de porcentagem e o que ela significa no todo daquele ambiente.”

De acordo com Fabio, esse momento de verificação antes da coleta de dados é provavelmente a etapa mais importante de todo o processo. “É hora de falar de semântica, do ‘como perguntar’. Mostrar que, se eles elaboram uma questão que diz ‘você acha importante que…’, ela já está dizendo que algo é importante, e isso causa problema na futura análise dos dados coletados”, resume. “Então eu testo as perguntas antes, na sala, para calibrá-las, e identificamos [o problema]: ‘Olha só, houve um problema aqui porque perguntamos assim e assado’. Dessa forma, conseguimos estruturar a pesquisa.”

A professora Ivonete considera crucial que os alunos vivenciem todas as etapas e enumera tudo o que precisa ser considerado por eles. “‘Qual tema exatamente vamos pesquisar e quais questões vamos abordar com as pessoas?’; ‘Qual instrumento vai ser usado para a pesquisa – questionário impresso, Google Forms ou algum outro?’; ‘Qual o grupo de pessoas que vamos pesquisar: alunos daqui da escola, professores, ou vamos estender [a pesquisa] para a comunidade, o bairro ou mesmo a cidade?’.”

Análise dos dados e reflexões

Realizadas todas as entrevistas com o público definido para a pesquisa, chega a hora de tabular esses dados. Como descreve a docente, os estudantes devem debater como colocar essas informações em um gráfico – e qual o tipo de gráfico ideal para isso. Trata-se da deixa para discutir de maneira mais aprofundada a leitura e a interpretação dessas representações visuais.

“Essa é a oportunidade de apresentar a eles os tipos de gráficos, como barras, linhas, colunas, setores [gráfico “pizza”] e pictogramas. Procuro levar a eles também alguns gráficos problemáticos – como aqueles de barras que não respeitam a proporcionalidade ou o de setores, no qual 22% aparece com tamanho próximo a 50% na circunferência, por exemplo”, descreve Ivonete.

Ela afirma que os benefícios para os alunos vão além de possibilitar a escolha do modelo ideal para demonstrar a pesquisa realizada. “Com esse estudo, eles conseguem compreender como muitos gráficos podem induzir o leitor ao erro. Futuramente, ao observar algum que esteja mal elaborado, vão identificar: ‘Espera, 22% não pode ser desse tamanho’ – uma habilidade muito útil especialmente no período eleitoral, em que esse tipo de manipulação acontece por parte de alguns candidatos”, frisa Ivonete. Ela reforça a importância de que as discussões em duplas ou rodas de conversa, ao final das atividades de coleta e tabulação, culminem em um texto descritivo. “As primeiras tentativas podem até sair em uma linha, um parágrafo. Mas, com a insistência, eles vão fazendo melhor e, ao adquirirem mais prática, podem diversificar e produzir nos gêneros descritivo, música, paródia, crônica etc.”

A professora Marytta ressalta a chance de incentivar o uso de tecnologias a favor da aprendizagem, como consolidar tabelas e gráficos no Excel ou Google Planilhas, e de reflexões. “O cerne de todo esse trabalho com levantamento de votos é que os alunos notem que, sem o conhecimento da estatística, há o risco de sermos facilmente enganados por pesquisas mal intencionadas. Por outro lado, eles gradativamente adquirem a percepção de como as pesquisas sérias são ferramentas importantes até para a decisão: se o eleitor vê que seu candidato não está bem ranqueado, pode optar por outro, que tem mais chances de ganhar daquele que ele não quer eleito de jeito nenhum.”

Por fim, os educadores sublinham que propostas desse tipo abrem um leque para iniciativas futuras, com a possibilidade de os alunos escolherem novos recortes de investigação dentro da pauta eleitoral, como urnas eletrônicas, planos de governo e diversidade. “A grande maioria dos meus estudantes é negra. Sempre penso que vale incentivá-los a refletir estatisticamente pontos como: quantos candidatos são negros? Quantos de vocês se sentem representados por esses postulantes?”, aponta Fabio. “É uma saída para nos aprofundarmos no estudo da representação do negro, do periférico e da própria escola pública. Matemática é problematizar.”

Para apoiar o seu planejamento

Confira uma curadoria de planos de aula da NOVA ESCOLA que vão auxiliar na hora de levar os dados e pesquisas eleitorais para a sala de aula

Sequência didática (sete planos que precisam ser trabalhados em sequência) para 6º e 7º anos envolvendo elaboração de pesquisa, leitura e interpretação de gráficos, medidas e dados estatísticos

Plano de aula para as habilidades EF06MA31 e EF06MA32

Plano de aula para as habilidades EF06MA30 e EF06MA32

Plano de aula para as habilidades EF07MA34 e EF07MA37

Plano de aula para as habilidades EF07MA35 e EF07MA36

Plano de aula para as habilidades EF08MA22 e EF08MA23

Plano de aula para as habilidades EF08MA24 e EF08MA25

Plano de aula para as habilidades EF09MA07 e EF09MA23

Plano de aula para as habilidades EF09MA21 e EF08MA22

Plano de aula para as habilidades EF09MA21 e EF08MA22

Consultoria: Rodrigo Blanco, professor de Matemática e coordenador das formações da NOVA ESCOLA.

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