Ana Teberosky: quem foi e seu legado para a alfabetização e o letramento
Educadora, que faleceu em 2023, é uma das responsáveis pela teoria que mudou a forma de entender o processo de aquisição do sistema de escrita
POR: Paula SalasAna Teberosky é uma das maiores referências na alfabetização. A educadora, nascida em Buenos Aires, na Argentina, faleceu em 31 de março de 2023. Desde os anos 1970, esteve ligada à Universidade de Barcelona, na Espanha, onde ocupou o posto de professora catedrática nas áreas de Psicologia e Educação.
Durante toda sua trajetória, Teberosky dedicou seus estudos para compreender o processo de aquisição da escrita e desenvolvimento da leitura na infância. Tornou-se também um nome importante para o construtivismo. “Sempre teve um olhar muito voltado para a sala de aula, próximo dos educadores. Iluminando com uma teoria potente o fazer pedagógico”, afirma Maria José Nóbrega, consultora de Língua Portuguesa e professora da pós-graduação no Instituto Vera Cruz, em São Paulo (SP).
Marco para a alfabetização
Com Emília Ferreiro, Ana Teberosky foi autora do livro Psicogênese da língua escrita, obra que transformou a forma de compreender a alfabetização das crianças. Elas defenderam que a aquisição da escrita é um processo de construção baseado na forma como os estudantes pensam e entendem o universo letrado.
As crianças evidenciam, ao tentar escrever, em qual estágio desse percurso se encontram – as hipóteses de escrita –, oferecendo as informações necessárias para o professor fazer intervenções e planejar atividades que lhes permitam avançar.
Essa concepção mudou a forma de alfabetizar as crianças, pois evidencia que o percurso de cada aluno é único, já que esse caminho é marcado pelos conhecimentos prévios e vivências com os usos sociais da língua do estudante; quebra com a lógica de métodos prontos, baseados na repetição; e destaca a importância dos “erros” para a aprendizagem e para o próprio fazer docente.
A teoria da psicogênese, para pensar o desenvolvimento da alfabetização, colocou as crianças em um papel de protagonismo e valorizou seus saberes prévios – mesmo antes de escreverem convencionalmente. “Conheci um artigo escrito por Teberosky que abordava o quanto a interação entre as crianças pode potencializar a aprendizagem do sistema de escrita”, lembra Caroline Rezende, alfabetizadora na EE Prudente de Morais, na capital paulista, formadora de professores e colunista da NOVA ESCOLA. “Desde então, considero a construção da escrita uma atividade que demanda muita interação entre os pares. Proponho diversos momentos em que os estudantes possam interagir com as hipóteses de escrita dos colegas para pensar a própria escrita.”
Importância do acesso a contextos culturais diversificados
Os estudos de Teberosky contribuíram para a perspectiva defendida por muitos especialistas de que não existe um único (ou melhor) método para alfabetizar – vale destacar que a psicogênese não é um método, e sim uma teoria. O professor deve utilizar diferentes estratégias para garantir o avanço dos alunos. Mas essa é apenas uma parte do desafio.
Teberosky defendia que, dado que as crianças fazem parte de uma cultura letrada, os alunos chegavam à alfabetização com aprendizagens importantes relacionadas aos usos sociais da escrita. Dessa maneira, destacam-se o papel do ambiente alfabetizador, da leitura e de atividades de oralidade.
“Devemos ler para as crianças não só porque elas ainda não são leitoras autônomas, mas também porque a linguagem dos livros é diferente da que se produz em uma conversação – ela tem maior densidade lexical e diversidade de construções”, disse a educadora em entrevista para a NOVA ESCOLA.
“A escrita é uma modalidade de linguagem e se relaciona com ela de diversas maneiras. Do ponto de vista didático, o que nos importa dessa relação é que existe a mútua influência. O desenvolvimento da oralidade serve para a aprendizagem de quem escreve. E vice-versa: o conhecimento escrito ajuda a aumentar o desenvolvimento oral”, complementou.
Legado de Ana Teberosky
Além de sua obra mais conhecida, a autora produziu livros, artigos e pesquisas durante décadas de dedicação à Educação, como:
- Psicopedagogia da linguagem escrita, escrito com Emília Ferreiro (Vozes, 2014);
- Aprender a ler e a escrever: uma proposta construtivista, escrito com Teresa Colomer (Penso, 2003);
- Reflexões sobre o ensino da leitura e da escrita, organizado com Beatriz Cardoso (Vozes, 2000);
- Aprendendo a escrever: perspectivas psicológicas e implicações educacionais, com a participação de Cláudia Schilling (Ática, 2001).
É inegável a marca que a educadora deixou na história da alfabetização. “É uma enorme perda, mas sua contribuição permanece viva nos trabalhos de inspiração sociointeracionista que muitos educadores Brasil a fora desenvolvem”, diz Maria José. “Sou grata a Ana por essa contribuição. Minhas aulas nunca mais foram as mesmas, a aquisição do sistema de escrita passou a ser um processo compartilhado entre pares”, finaliza a professora Caroline.
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