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Ataques a escolas: possibilidades para evitar novas ações violentas

Além da assistência e do acolhimento às comunidades escolares, é necessário pensar maneiras de evitar outros casos

POR:
Tatiane Calixto

CEI Cantinho Bom Pastor, instituição particular em Blumenau (SC), foi alvo de ataque na manhã desta quarta-feira (5). Foto: Eduardo Valente/Secretaria de Comunicação Social

Menos de duas semanas após o ataque que matou a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, na EE Thomázia Montoro (SP), outro caso choca o país. Uma creche particular em Blumenau (SC) foi invadida por um homem de 25 anos que, armado com uma machadinha, matou quatro crianças e deixou outras feridas. Além dos trabalhos de assistência e acolhimento às famílias das vítimas e à comunidade escolar, uma pergunta que se soma à dor diante dos casos é: como evitar que ataques a escolas voltem a ocorrer?

Especialistas e educadores são unânimes ao afirmar que essa questão não tem uma resposta simples e evitar novos atentados exige ações compartilhadas e compromisso de toda a sociedade. No entanto, o cenário atual evidencia que implementar essas medidas se faz urgente.

Relatórios sobre planejamento de possíveis ataques aumentam 142%

O Laboratório de Operações Cibernéticas (Ciberlab), da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência, do Ministério da Justiça, monitora ações e, quando necessário, encaminha relatórios de forma preventiva com a indicação de possíveis ataques. 

Um levantamento do setor revela que, em 2021, foram produzidos 33 ofícios indicando possíveis planejamentos de atentados a escolas, enviados para 16 estados diferentes. Em 2022, o número saltou para 80 comunicações encaminhadas a 21 estados, um aumento de 142% de um ano para o outro. Só nos primeiros três meses de 2023, já foram 31 comunicações de possíveis ataques, informou o Ciberlab em nota à NOVA ESCOLA.

“[Esse monitoramento] é uma medida fundamental, uma vez que boa parte dos agressores são alunos ou ex-alunos e, por vezes, comportamentos anteriores do agressor devem servir de alerta. A partir da identificação de um caso suspeito – como em publicações em mídias digitais, por exemplo –, a polícia local é avisada imediatamente a fim de localizar o autor e, consequentemente, instaurar o procedimento investigativo correspondente”, explicou o laboratório, que não detalhou quantos casos foram efetivamente desbaratados após o envio dos ofícios.

O órgão esclarece ainda que o trabalho é desenvolvido em parceria com a Homeland Security Investigations (HSI), da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, com a qual compartilha boas práticas na identificação de possíveis ataques em escolas.

Letramento digital e combate ao discurso de ódio 

Monitorar o ambiente virtual é importante, e isso tem a ver com o tempo que crianças e jovens ficam na internet, o que eles podem consumir e com quem podem se relacionar nesse ambiente. Telma Vinha, coordenadora do Grupo Ética, Diversidade e Democracia na Escola Pública, do Instituto de Estudos Avançados da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), aponta que, ao longo dos anos, os fatores que levam crianças e jovens a realizar ataques a instituições de ensino mudaram. 

De acordo com a especialista, se antes a principal motivação era o bullying, hoje, além de algum sofrimento vivido pelo estudante, os casos também se relacionam ao consumo de cultura extremista, principalmente na internet. “Muitos viveram momentos ruins na escola e acabam tendo ligação com esses grupos extremistas que fomentam racismo, xenofobia, enfim, o discurso de ódio. E, se antes esses grupos estavam na deep web [zona da internet que não pode ser detectada facilmente pelos tradicionais motores de busca e tem pouca ou nenhuma fiscalização], hoje eles estão nas redes sociais. Alguns são cooptados nas plataformas de jogos online”, afirma a professora. E, nesses ambientes, crianças e jovens são incentivados a realizar ataques.

Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e ativista pelo direito à Educação, Daniel Cara afirma que, do ponto de vista das escolas, há a necessidade de atuação em duas frentes:

  • A criação de protocolos de ação em casos de ataques;
  • A promoção de um processo de formação junto à comunidade escolar.

Formação para resolução de conflitos e combate ao extremismo

“É importante que os educadores tenham formação para a resolução de conflitos e, principalmente, para identificar casos que exijam intervenções pedagógicas”, afirma Daniel. Para ele, a comunidade escolar precisa aprender a identificar os casos que necessitam de algum tipo de intervenção, e essa discussão também precisa chegar às famílias.

Além disso, o educador pontua que a escola precisa ser um ambiente democrático e seguro para o debate de temas centrais como combate ao racismo, à misoginia e ao ódio contra a comunidade LGBTQIA+.

“É preciso enfrentar a ligação desses casos com uma cultura que alimenta esse discurso de ódio, que tem ligação com o extremismo de direita. Esses jovens não são instrumentos políticos, mas cultuam símbolos e ideias neonazistas, e isso precisa ser discutido.” 

Por outro lado, Cara ressalta que o parlamento precisa rever questões relacionadas aos crimes de ódio, ao mesmo tempo em que as forças de segurança e o sistema de proteção precisam estar preparados para agir rapidamente em casos de ataque.

Ainda segundo o educador, esses pontos foram mapeados no relatório entregue ao novo governo pelo grupo de Educação que atuou na transição, do qual ele próprio foi um dos coordenadores. O especialista afirma que ainda não houve uma devolutiva efetiva, mas o governo sinalizou a intenção de montar um grupo de trabalho para atuar diretamente na construção de uma política nacional de combate a violências contra e nas escolas.

Ações após ataque à escola no Espírito Santo

Três meses antes dos ataques a duas escolas de Aracruz (ES), que deixaram quatro mortos e 12 feridos, outro atentado já havia acontecido em uma escola da rede municipal de Vitória (ES). 

Seguindo um roteiro semelhante a outros casos, o agressor invadiu a unidade, mas foi detido. Com ele, foram encontrados arco, flechas, facas e bombas caseiras. Não houve vítimas fatais – o que não significa que o ocorrido passou sem deixar marcas na comunidade escolar.

A secretária municipal de Educação de Vitória, Juliana Rohsner, conta que a comunidade ficou extremamente impactada e agora, com novos ataques em outras localidades, houve a necessidade de acolher educadores, alunos e famílias da unidade novamente.

Porém o ataque frustrado, ocorrido em agosto do ano passado, também serviu para fortalecer laços e impulsionar mudanças. No começo de 2023, por exemplo, a rede implementou o botão do pânico e outras medidas para enfrentar e prevenir ataques a unidades escolares.

“O botão do pânico está presente nas 103 unidades da rede e é uma resposta rápida, que mostra para a comunidade que têm pessoas olhando por nós. Desde o começo do ano, ele foi acionado três vezes, mas em situações externas, como um caso de tiroteio no bairro. Quando o botão é acionado, as forças de segurança têm acesso imediato ao áudio do ambiente e podem tomar a melhor decisão de como agir”, explica a secretária.

A ferramenta faz parte de um pacote de medidas que visa trazer mais segurança às escolas e tem ainda outros dois pilares:

Infraestrura

Além do botão do pânico, a Secretaria também observa uma série de medidas que focam as vulnerabilidades físicas da escola, como instalação de câmeras, colocação de grades ou melhorias em muros e portões.

Nesse sentido, outra ação foi deslocar as secretarias para áreas externas, o que permite um maior controle do fluxo de pessoas que nem sempre estão diretamente ligadas à unidade. “É claro que queremos que a comunidade se sinta parte da escola, mas é preciso um controle. Às vezes chega alguém dizendo que precisa de um histórico escolar e não temos como saber se é realmente isso. Essa pessoa vai entrar no coração da escola?”, exemplifica Juliana.

Outra medida em relação à infraestrutura é entender realmente se os prédios escolares estão preservados e são acolhedores. “O banheiro está pichado? Há elementos quebrados? Isso também diz muito e merece atenção”, afirma a secretária. 

Clima escolar

No entanto, para Juliana, o eixo mais importante é o do clima escolar, com o desenvolvimento de ações contra bullying, racismo, homofobia e extremismo. “Porque, no fim, são esses temas que acabam se desdobrando em ataques”, justifica.

A Secretaria conta com comissões de Direitos Humanos e Estudos Étnico-Raciais. Quando existe alguma informação de uma situação que provocou o sofrimento de um estudante, representantes das comissões vão até a escola, analisam o ocorrido e formatam planos de ação individualizados junto com a unidade.

A medida exige, por outro lado, um movimento de sensibilização dos educadores para não negligenciar nenhuma situação que cause sofrimento a um aluno. “É um trabalho contínuo, com reuniões constantes para melhorar o clima escolar. Porque são essas as principais ações. Não adianta colocar policiais ou seguranças armados dentro das unidades”, afirma Juliana.

A sociedade precisa se envolver, as comunidades devem repensar suas práticas, e tudo isso exige uma atenção imediata, acredita a secretária de Vitória. “A cada escola atingida, todos nós nos sentimos feridos porque ataques a escolas falam muito sobre o lugar em que a sociedade como um todo se encontra.”

Orientações para a criação de protocolos de enfrentamento à violência

A consultoria Vozes da Educação elaborou um documento chamado “Orientações para a criação de protocolos de enfrentamento às violência no âmbito escolar”, que traz referências e sugestões que ajudam escolas a criar estratégias de prevenção e, também, ações durante e após episódios violentos.

“Protocolos de combate e de enfrentamento à violência no âmbito da escola podem salvar vidas, especialmente se forem construídos com a participação colaborativa de todos os representantes da comunidade escolar e dos órgãos que integram sua rede de apoio”, afirma o documento, produzido a pedido da Fundação Lemann, mantenedora da NOVA ESCOLA.

“A parte mais importante do protocolo são as ações tomadas para a sua criação”, explica Carol Campos, especialista em educação e fundadora do Vozes da Educação. Uma das principais é a construção de vínculos e de um senso de comunidade no território em que a escola está para que exista uma rede de apoio que contribua para a criação do documento e, principalmente, para enfrentar a violência. 

Esta rede deve ser formada por diferentes agentes públicos e pela comunidade escolar em geral. “Isso significa, por exemplo, a diretora da escola ter no WhatsApp o número do chefe dos bombeiros, do sargento da Polícia Militar ou da enfermeira-chefe da Unidade Básica de Saúde (UBS) [do território em que a escola está]”, exemplifica a especialista.

O documento é importante para situações de emergência por estabelecer o fluxo do que deve ser feito neste momento. “Porém, o documento precisa ser aberto e ter a cara do território. Professores, estudantes, gestores escolares, famílias e a comunidade escolar como um todo devem saber o que está escrito no protocolo”, afirma Carol.

O protocolo do Vozes da Educação não é um passo a passo, já que, segundo sua fundadora, o documento não deve ser idêntico para todas as escolas. “Optamos, então, por apresentar sugestões de fluxos [de enfrentamento à violência], porque o mais importante do documento é fazer as pessoas se relacionarem. É fazer com que a diretora da escola vá até a UBS, o Conselho Tutelar e a polícia para que converse com as pessoas e pergunte como elas podem ajudar [a escola]”, finaliza a especialista.

Acesse o documento chamado “Orientações para a criação de protocolos de enfrentamento às violência no âmbito escolar”, do Vozes da Educação.

*Texto publicado originalmente em 05/04/2023 e atualizado em 04/08/2023 para incluir informações sobre o protocolo de enfrentamento às violências do Vozes da Educação.

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