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Sondagem na alfabetização: por que e como identificar os saberes da turma?

Conhecer os saberes da turma é uma ação importante e precisa ser constante no trabalho do professor alfabetizador

POR:
Caroline Rezende
Para além das sondagens periódicas, o olhar investigador deve estar presente nas atividades de escrita do dia a dia para conhecer os saberes dos alunos a respeito do sistema de escrita e realizar melhores intervenções. Foto: Getty Images

O diagnóstico dos saberes das crianças em relação ao sistema de escrita é uma ação importante a ser realizada pelo professor alfabetizador e que já está inserida na rotina da maioria das escolas. Mas esse olhar deve estar presente apenas nos momentos de sondagem determinados pelo calendário escolar? Como levar essa perspectiva para o dia a dia em sala de aula? 

Todas as informações que conseguimos colher são importantes para pensar em boas situações de leitura e escrita para as crianças. Por isso, o olhar para como a criança está pensando a escrita precisa ser constante no dia a dia da sala de aula. 

As ações de diagnóstico mais pontuais, aquelas que ocorrem periodicamente durante o ano, em que todos os alfabetizadores da escola colhem dados de aprendizagem da escrita das crianças, também são importantes, pois é preciso conhecer o panorama geral das turmas. No entanto, mais do que uma avaliação para mapear a

hipótese de escrita das crianças, a análise de como estão pensando precisa ter finalidade didática.

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Então, separei para esta nossa conversa exemplos destes dois momentos cruciais que se completam: o olhar para o dia a dia e boas práticas para os momentos formais de sondagem, de forma a identificar detalhes de como cada estudante da turma está pensando a escrita. Vamos a cada um deles:

Acompanhamento diário dos saberes na alfabetização

Primeiramente, para saber como as crianças estão pensando a escrita, deve-se garantir momentos de escrita todos os dias em sala de aula. Pode parecer óbvio, mas a observação do cotidiano escolar me leva a retomar uma discussão importante: se o estudante não tiver a oportunidade de escrever colocando em jogo o que sabe, se todas as situações forem controladas pelo professor sem permitir que as crianças criem suas hipóteses, é impossível analisar a diversidade de saberes na sala de aula e atuar com base neles. 

Uma situação de escrita que utilizo bastante é a produção de listas, em que as crianças vão até a lousa para escrever uma das palavras segundo sua hipótese. Por exemplo, eu posso fazer o seguinte convite: “Vamos construir uma lista de supermercado, e eu gostaria de pensar junto com vocês quais produtos de limpeza a mamãe não deixa faltar”. Conforme eles respondem, peço para irem até a lousa escrever com base em seus conhecimentos. A ideia é pensarmos juntos, garantir que todos possam opinar respeitando o tempo de fala do colega, dar dicas e lembrá-los de palavras que podem ajudá-los.

A escrita pode ser produzida individualmente, mas será resultado de um esforço coletivo. Isso significa que aquela criança irá escrever segundo sua hipótese, mas com base em contribuições de outros colegas ou com materiais de apoio. Os saberes sobre o sistema de escrita vão se revelando na minha frente e, para que eu possa potencializar as reflexões das crianças para apoiá-las em avanços, preciso estar com o olhar atento a cada detalhe do que produzem. 

Vamos imaginar que uma criança escreve DTGT para “detergente”. Posso logo concluir que está produzindo com base em uma hipótese silábica com valor sonoro convencional e assim consigo tomar algumas decisões. Ensinar que palavras conhecidas podem ajudar com algumas pistas de quais outras letras podem ser boas para escrever é uma dessas estratégias. Ao terminar de escrever, poderia perguntar se o nome de alguém da turma começa igual à palavra que estão produzindo e, por aí, fazer questionamentos que os façam refletir a respeito do sistema de escrita. Poderia ocorrer a seguinte situação:

Crianças respondem que o nome da Denise tem som parecido com “detergente”. Em seguida, posso perguntar: qual parte de “Denise” pode ajudar a gente a pensar na escrita de DETERGENTE? Se o aluno apontar só para o D, posso lançar mão dos saberes dos outros colegas da sala e perguntar se é somente essa letra que pode contribuir para a escrita. Se outro estudante citar o E, eu pergunto se o aluno que escreveu DTGT concorda e o convido a escrever novamente a palavra embaixo da primeira, para comparar. 

Percebam que, ao me dar conta da escrita silábica priorizando as consoantes, pude utilizar uma estratégia que focalizasse a análise da criança em outra letra que também seria “boa” para representar o segmento sonoro em análise. A ideia não é completar “o que está faltando” na palavra, mas apoiar para que a criança obtenha pistas que a ajude a desvendar a lógica do sistema de escrita alfabético. 

Após essa reflexão, posso seguir pedindo que outras crianças escrevam outras palavras da lista. Não há necessidade de continuar até “deixar a escrita alfabética”, o mais importante é que ela tenha oportunidade de sempre refletir, buscar pistas e trocar ideias com outros coletas, e, para que isso ocorra, as situações de escrita precisam estar sempre na rotina.

O olhar investigativo do professor para esses momentos do dia a dia da sala de aula é muito importante e precisamos aguçá-lo cada vez mais.

Sondagens periódicas durante o ano

Como citei no início do texto, também temos as sondagens de tempos em tempos. Esses momentos também precisam ser cuidadosamente planejados para uma análise detalhada do pensamento de cada estudante sobre a escrita.

Esses momentos não estão voltados para checar se acertam ou não a escrita das palavras escolhidas, mas são ricos para obter o maior número possível de informações sobre a forma como pensam e, dessa forma, ter mais elementos para planejar as intervenções.

Os dados são importantes para que eu possa trocar ideias com meus coordenadores sobre o desenvolvimento da sala, com meus pares, para pensar em estratégias coletivas de recomposição de aprendizagens, e para verificar os saltos qualitativos que as crianças tiveram após as atividades realizadas naquele período.

Dicas valiosas para planejar a sondagem

  • Escolha uma lista de palavras de um mesmo campo semântico. Isso auxilia na construção do significado daquilo que está escrevendo, pois geralmente listamos elementos de uma mesma natureza ou temática;
  • Crie também uma frase que contemple uma das palavras da lista, geralmente a trissílaba ou a polissílaba;
  • Diversifique o tamanho dos desafios. Isso significa ter ao menos uma polissílaba, uma trissílaba, uma dissílaba e uma monossílaba. Também sugiro pensar em sílabas mais ou menos complexas. Sempre faço a opção por essa variedade, independentemente da faixa etária da turma, pois as crianças sempre apresentam saberes diferentes. Só quando são desafiadas a pensar é que vão demonstrar o que pensam. Por isso, se só escolho sílabas simples”, como saberei o que pensam sobre as “complexas”?;
  • Evite palavras que tenham vogais repetidas em sílabas próximas, pois, na hipótese silábica com valor sonoro convencional, por exemplo, podem escrever “AAA” para representar SALADA.
  • Lembre-se de que as crianças podem materializar a escrita de diferentes formas, caso apresentem alguma resistência ou dificuldade para escrever com lápis e papel. Diversas vezes passei por situações em que o alfabeto móvel estimulou a produção de um estudante que dizia não saber. Em uma outra ocasião, no atendimento a uma aluna com paralisia cerebral, o teclado e o computador foram grandes aliados.

Gestão de sala de aula para o momento da sondagem

Em minhas turmas, gosto de reservar um tempo da sondagem para conversar individualmente com as crianças. Esse momento possibilita dar atenção a todas as formas de manifestação do pensamento: como justificam a sua escrita, perguntas ou comentários que fazem ao tentar escrever uma palavra – expressões faciais dizem muito sobre o que estão refletindo. 

Para desenvolver com tranquilidade e a atenção necessária, planejo o desenvolvimento para que ocorra ao longo de uma semana. Assim, posso planejar diversas atividades que eles possam fazer com mais autonomia, dando-me condições de dedicar atenção sem muitas interrupções ao estudante que está passando pela sondagem. 

Alguns exemplos do que já utilizei: produção de ilustração para uma atividade de Geografia ou Ciências já trabalhada; elaboração de quadro numérico completando os números que faltam, consultando o quadro exposto; atividades de colorir, em que, para se descobrir a lógica orientada, é preciso ler o nome da cor (com a possibilidade de pedir dicas aos colegas); atividades em duplas de leitura de histórias, em que os que já leem com autonomia garantem o acesso a quem ainda não lê convencionalmente.

Sugestões para o momento da sondagem

  • Explique que se trata de um momento em que elas devem escrever da melhor forma que conseguirem sem usar borracha. Caso mudem de pensamento, podem escrever novamente logo abaixo. Peça que usem letras maiúsculas de forma.
  • Entregue uma folha de tamanho A4 em branco e peça que escrevam o próprio nome. Essa será uma informação útil para ela, além de permitir que você, professor ou professora, verifique se a criança já sabe escrevê-lo. A leitura é global ou por segmentos? O nome próprio é realmente valioso nesse processo.
  • Comunique o tema da lista. Cuido para que conheçam o sentido das palavras, dizendo, por exemplo: Vamos escrever uma lista de animais. O primeiro é dinossauro. Você já ouviu falar sobre eles?”. Não é preciso haver uma ampla conversa, mas desconhecer totalmente o que será escrito antes de escrever impede que a criança vá acionando seus saberes. Tenho vários imigrantes em minha sala de aula, e nessa experiência ficou evidente a importância do significado das palavras.
  • Comece ditando as maiores palavras, porque, para as crianças, as menores são mais desafiadoras. Por exemplo, crianças com hipótese silábica (em que representam uma letra para cada sílaba), podem acabar não admitindo escrever “com tão poucas letras” se iniciássemos pelas menores. A palavra polissílaba, por ser uma palavra mais longa, oferece mais subsídio para as crianças demonstrarem suas hipóteses. A monossílaba é a mais desafiadora. Tome cuidado para não marcar as sílabas na hora de fazer o ditado.
  • Solicite que o aluno leia apontando o que escreveu. Não deixe de registrar em suas anotações a forma como leu – sem deixar a criança esperando por muito tempo, caso sinta a necessidade de registrar detalhes (faço depois que termino com a criança). Importante: a cada palavra, solicite a leitura, pois só assim conseguimos ter acesso ao seu pensamento completo.
  • Dite um mínimo de quatro palavras, mas sempre se lembre do objetivo: entender como a criança está pensando. Se após o primeiro ditado isso não foi possível para você, invista em outra lista ou outras palavras do mesmo tema sem que isso se torne exaustivo, pois não é o número de palavras que leva à reflexão; às vezes, precisamos observar mais uma vez como estão pensando para fechar a análise.
  • Peça que escrevam a frase. Não se preocupe se a criança não parece demonstrar nesse momento o mesmo desempenho que teve na escrita das palavras anteriores. 

Pode fazer isso durante o diagnóstico?

Ao entrar na minha sala, você encontrará um alfabeto de parede, um cartaz com os nomes das crianças e outros textos no mural que elas conhecem de memória. Eles são grandes informantes para que as crianças encontrem pistas. 

Preciso tirar os diferentes materiais disponíveis na sala de aula nesse momento? Não é necessário! As crianças podem estabelecer relação com as informações expostas nesses murais – e isso diz muito sobre o quanto ela está pensando sobre a escrita, basta que fiquemos atentos para observar esse saber. 

E se o aluno não lembra como se escreve uma letra? Nesse caso, solicite que leiam o alfabeto na sequência até chegar nela. Durante essa busca autônoma, é possível verificar se conhecem a sequência, por exemplo.

Ao longo dos anos, venho desenvolvendo essas ações e trocando com colegas a fim de pensar como criar momentos potentes de análise dos saberes da turma. Pensar em conjunto com outros professores é sempre muito importante, pois juntos podemos trocar experiências e “apoiar o olhar” uns dos outros. As dicas organizadas aqui se baseiam nessas experiências.

Continuemos aprimorando nosso olhar investigativo para os momentos de escrita na rotina e durante as sondagens. 

Até a próxima! 

Caroline Rezende é professora alfabetizadora na EE Prudente de Morais, na capital paulista, e mestranda em Escrita e Alfabetização pela Universidade Nacional de La Plata. Também atua como formadora de educadores.

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