Rap: das ruas das periferias para as salas de aula
Canções de rap podem ser ferramentas pedagógicas nos Anos Finais, dialogando com temas atuais e engajando as turmas
POR: Ana Cláudia Santos“Não somos a parte do povo que cala. Nós somos a fala da parte calada do povo.” As palavras estão no Jornal O Povo/ Vida e Arte, de 1997, no entanto, não perderam a essência com o passar dos anos e seguem traduzindo o papel do rap. Gênero musical cantado de forma rápida e que se dirige, principalmente, aos jovens das periferias, o rap apresenta um caráter de denúncia e as letras misturam poesia e protesto. Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, os raps podem ser nossos aliados no trato diário com a arte e a representação por meio da palavra.
Para ampliar o repertório e entender mais sobre esse estilo, sugiro a leitura do livro Gangsta rap, de Benjamin Zephaniah, em que o autor narra a trajetória de jovens sufocados pelo preconceito nos bairros pobres de grandes centros urbanos. A poética das ruas pode favorecer o interesse por formas de manifestação cultural que nem sempre são valorizadas e a leitura de letras de raps pode ter grande apelo entre o público jovem.
Além da proximidade com o universo dos alunos, trabalhar com esse gênero é uma oportunidade singular para debater questões sociais, além de possibilitar o desenvolvimento da oralidade e da capacidade argumentativa.
Por isso, minha dica é: faça uma playlist de raps que circulam na atualidade ou mesmo retome nomes fortes como os Racionais MC’s, que na edição de 2023 do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) tiveram versos de suas músicas exibidos nos cadernos de prova do exame. O grupo, formado há mais de 30 anos na periferia de São Paulo, é composto por Edi Rock, Ice Blue, KL Jay e Mano Brown e é considerado o principal nome responsável pela consolidação do rap no país.
Uma opção é trabalhar a canção Negro Drama, dos Racionais, promovendo o acompanhamento da letra durante a audição. Em seguida, incentive uma discussão sobre os elementos que estruturam o gênero em estudo, avaliando seus múltiplos aspectos: os sentidos, a construção e a linguagem.
Rap, linguagem e História
O rap É pra rir ou para chorar? foi composto e interpretado por Gabriel, O Pensador e registra partes da História do Brasil. A canção tem início com a Proclamação da República, posteriormente aborda a abolição da escravatura e chega à Ditadura Militar, além de trazer reflexões relacionadas aos problemas sociais e políticos no Brasil. Metaforicamente, os versos dizem que podemos gostar ou não de um acontecimento social, aplaudir ou protestar; até mesmo repetir algo já realizado ou transformar criando novas perspectivas e caminhos.
Além da questão social e política, ainda mostra como cada um de nós pode lidar com os conflitos e crescer à nossa maneira, avaliando atitudes humanas e sociais.
Poesia marginal e o rap
Aproveite para associar as composições do rap à poesia marginal, afinal, as composições dos dois gêneros têm fronteiras bem tênues. A poesia marginal foi uma manifestação de autores na década de 1970, quando o Brasil enfrentava uma grave crise das instituições democráticas.
Antônio Carlos Brito, o Cacaso, é um importante artista do período e manifesta, em seus poemas, o engajamento e concretiza a insatisfação do eu lírico com a mudança do cenário político. Jogos Florais I e Lar Doce lar parodiam Gonçalves Dias, pois o poeta romântico enaltece a terra natal ao passo que Cacaso critica a dele. Se julgar oportuno, explore a inquietude típica dos poemas marginais e explique que os textos eram veiculados em panfletos e pichações; comumente, há uma preferência pela linguagem coloquial e lúdica, descontraída, mas também de denúncia ao autoritarismo.
Depois de contextualizar e relacionar os gêneros de textos, proponha a criação de panfletos com versos que possam ser distribuídos em locais públicos e que contenham a releitura e/ou a denúncia de questões sociais, históricas ou econômicas de nossa atualidade. Incentive a pesquisa e o debate nas turmas antes da produção, acompanhe o processo de criação dos textos e socialize com os alunos pontos importantes sobre a linguagem adequada e o respeito à liberdade, sentimento tão censurado pela nossa história.
Arte, luta contra o racismo e hip hop
O rap, ao lado do graffiti e do breaking, é parte da expressão artística e cultural do hip hop. Nascido no ambiente urbano, periférico e negro dos Estados Unidos, o rap também fincou raízes no Brasil e hoje é referência artística e de reflexão social importante, em especial no que diz respeito ao racismo e à questão racial no nosso país.
Para celebrar a arte e a cultura como formas de combate à violência, instituiu-se o dia 12 de novembro como dia mundial do Hip Hop, abraçado pelas periferias, o movimento vem ganhando cada vez mais versatilidade e alcançando outros espaços.
Parte da coleção Vagalume, a obra O grito do Hip Hop, conta a história de Toninho, fruto da periferia de São Paulo, mas que descobre nas manifestações desta arte uma forma de lutar contra a injustiça social e vislumbrar a transformação. Leia com seus alunos para que possam desconstruir estereótipos e percebam em suas realidades outras formas de lutar e vencer os reveses da vida em sociedade.
Hip Hop – Da rua para a escola é um produto educacional que mostra um pouco mais como esse movimento pode ser um percurso de conexão com o ensino, evidenciado o que são as rodas culturais e as batalhas de MC’s. Aproveite as sugestões para se inspirar e usar esse tipo de produção cultural como forma de desterritorialização, oportunize rodas culturais que podem ser para promover simples conversas ou momentos de reflexão e batalhas.
Aventurem-se, afinal, somos a história que nos permitimos escrever!
Ana Cláudia Santos é professora de Língua Portuguesa na Educação Básica da rede estadual de ensino há 20 anos e mestra em Educação Profissional e Tecnológica. Foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, promovido pela Fundação Victor Civita, nas edições de 2014 e 2018, com os trabalhos O Povo Conta e O (Ser)tão de Cada Um. Recebeu a medalha Ordem do Mérito Educacional (MEC) – Grau de Cavaleiro e o troféu Capitão-Médico João Guim.
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