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Racismo e saúde mental: qual a relação e como a escola pode agir?

Escolas precisam estar atentas e preparadas para lidar com os impactos do racismo na saúde mental dos alunos negros

POR:
Lavini Castro
O Setembro Amarelo pode ser um ponto de partida para a escola explorar o "saber ouvir" e validar os sentimentos dos alunos. Foto: Getty Images

Vivenciar o racismo é uma experiência complexa e dolorosa, que desencadeia uma variedade de emoções intensas e que perduram. Isso ocorre porque o racismo se manifesta de forma cruel nas relações sociais e instituições, fazendo parte da engrenagem estrutural da sociedade brasileira.

No livro Racismo Estrutural, de Silvio Almeida, o racismo é dividido em três concepções: individual, institucional e estrutural.

Na concepção individual, o racismo é visto como um fenômeno que depende da moral e ética do indivíduo. No entanto, o racismo é uma ideologia historicamente construída que permeia a estrutura da sociedade brasileira, assim, ele se materializa por meio do preconceito, já que o indivíduo que o pratica vive em uma sociedade racista.

Por outro lado, na concepção institucional, o racismo aparece nas relações dentro das instituições, sejam elas públicas ou privadas. Nelas, as relações de poder evidenciam privilégios e subserviências que certos grupos raciais possuem, refletindo o lugar que ocupam — seja na chefia ou nos serviços gerais. O racismo institucional, portanto, está ligado à ideia de poder e dominação, e as instituições tendem a reproduzir o racismo presente na sociedade em que estão inseridas.

Já na concepção estrutural, o racismo é percebido como parte de uma cultura hierárquica construída ao longo da história, onde características de pessoas brancas são idealizadas como superiores e as de pessoas negras, como inferiores. A raça branca é associada à essência humana e a qualidades positivas, enquanto a raça negra é relegada a um lugar de desvalorização.

Diante dessas concepções, é possível imaginar como é doloroso para uma pessoa negra vivenciar o racismo. Para a escritora Grada Kilomba, um corpo negro que sofre ações racistas é capaz de rememorar tempos de escravidão, por isso o título de seu livro, Memórias da Plantação

As emoções resultantes do racismo podem afetar significativamente a qualidade de vida e a saúde mental, contribuindo para o desenvolvimento de transtornos como ansiedade, depressão e, em casos extremos, pensamentos e atitudes suicidas.

Gatilhos e estereótipos

Ao abordar educação antirracista, é necessário discutir a relação entre saúde mental e racismo, pois este afeta negativamente a saúde mental dos estudantes negros. A escola, muitas vezes, também é um espaço de reprodução do racismo, o que pode gerar gatilhos emocionais como:

  • Raiva: é tão comum uma pessoa que sofreu o racismo ficar indignada, pois como entender uma lógica entre ser pessoa negra e ser culpada por isso? Realmente, não há lógica alguma. E como se não bastasse, ainda é preciso manter o controle e não aparentar raiva diante das injustiças para não ser logo interpretada como pessoa raivosa, estressada, ou comumente chamada de barraqueira. Ou seja, o racismo é capaz de inverter posições. Assim, a vítima do racismo que deveria estar recebendo toda a empatia, é taxada de raivosa para que o agressor ganhe visibilidade para apresentar suas desculpas e tentar justificar algum descontrole. Como não adoecer diante dessa cultura?

  • Tristeza: a sensação de perda, impotência e desvalorização pode levar à tristeza profunda. O critério do racismo é a cor, por isso, bell hooks, já destacava como é difícil amar a negritude. Para a autora, algumas pessoas negras desejam ser brancas para não terem que lidar com a dor do racismo. Não é à toa que o termo “preto de alma branca” se encaixaria na definição do que seria uma pessoa negra mais aceitável para a cultura hegemônica branca. Porém, não se engane: esse perfil também sofre racismo.

  • Medo: o medo constante de ser alvo de discriminação ou violência pode gerar ansiedade e estresse crônico. Esse sentimento é especialmente evidente nas escolas. Crianças em idade escolar que sofrem racismo internalizam os estereótipos racistas e passam a acreditar que são menos valiosas, sentem medo de serem discriminadas e isso pode levá-las a um isolamento social, dificultando a construção de amizades, a participação em atividades e o processo de aprendizagem. 

Como a escola pode promover a saúde mental dos alunos negros?

O racismo é um fator de risco para o sofrimento psicológico e o sentimento de inferioridade. Portanto, é essencial combatê-lo em todas as suas formas, promovendo a equidade racial e a inclusão social. Algumas ações importantes são:

1. Educação antirracista. É fundamental combater o racismo em todas as suas concepções, promovendo a equidade racial e a inclusão social. Como a educação antirracista pode colaborar com essa promoção? A equipe pedagógica da escola pode organizar palestras sobre temas que auxiliem na promoção da autoestima, pode criar um canal de acesso rápido para crianças e jovens da escola conversarem sobre suas angústias e temores, além de criar protocolos em casos de racismo.

2. Promover a saúde mental. É preciso investir em políticas públicas que garantam o acesso a serviços de saúde mental de qualidade para toda a população, com um enfoque especial nas comunidades negras. A escola pode informar sobre os canais de ajuda que existem, como os telefones, endereços próximos, caso a própria instituição não tenha condições de fazer esse acolhimento.  

3. Fortalecer as redes de apoio. Muito importante fortalecer as redes de apoio social, como famílias, amigos e comunidades, para oferecer suporte emocional e prevenção ao suicídio. Essa estratégia deve começar dentro da sala de aula. Aqui, o professor é peça fundamental para mediar conflitos, informar e questionar os problemas para que em coletivo possamos superá-los.

Responsabilidade e apoio na escola

Como bell hooks observa, a sala de aula é uma comunidade onde se aprende a conviver com a diversidade. Portanto, é crucial que o professor compreenda sua função como mediador social, usando o conteúdo pedagógico para questionar questões sociais e raciais.

Portanto, aproveitando o setembro amarelo, devemos explorar mais o saber ouvir e validar os sentimentos de nossos alunos. É importante mostrar às crianças e aos jovens que seus sentimentos são válidos e que eles não estão sozinhos. Precisamos relembrar diariamente que combater o racismo é uma responsabilidade de todos nós. 

Contudo, ao falar com educadores nessa coluna, gostaria de despertar atenção para nosso compromisso, afirmando  o quanto a escola é valiosa para criar espaços mais justos e igualitários, pois se a sociedade ainda não se encontra como um espaço da igualdade, nossa sala de aula pode começar a ser um ensaio daquilo que tanto desejamos.

Como nos falou Paulo Freire do seu esperançar, nossa sala de aula já pode ensaiar o mundo que queremos construir, garantindo que todos os nossos alunos tenham a oportunidade de crescer e se desenvolver, valorizando sua existência. 

Então, diante de casos de racismo, a equipe escolar deve: ouvir a história com atenção, demonstrar empatia e acolhimento, não julgar ou minimizar o problema, promover uma conversa franca com os envolvidos e, depois, chamar a turma para um bate-papo sobre o problema do racismo que tenha acontecido. Caso não tenha acontecido publicamente, é importante abrir espaço para o diálogo de como as pessoas negras se sentem diante do racismo e como podemos juntos superá-lo.

Lavini Castro é educadora antirracista. Doutoranda em História Comparada pelo PPGHC/UFRJ. Mestre em Relações Étnico Raciais pelo PPRE/CEFET-RJ. Historiadora pela UFRJ. Professora de História do Ensino Fundamental e Ensino Médio das redes pública e particular do estado do Rio de Janeiro. Idealizadora e coordenadora da Rede de Professores Antirracistas. Ganhadora do Prêmio Sim à Igualdade Racial do ID_BR em 2021.