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Proibição de celulares: como lidar com a hiperconectividade dos alunos?

Dificuldade de concentração e aumento da ansiedade são alguns dos impactos; governo sanciona lei que barra aparelhos nas escolas

POR:
Carol Firmino
Para professores dos Anos Finais do Ensino Fundamental, onde estão alunos de 11 a 14 anos, a presença dos celulares na sala de aula representa um desafio diário. Foto: Getty Images

O uso de celulares nas escolas brasileiras é um tema cada vez mais central, especialmente devido à preocupação crescente com os impactos da hiperconectividade no aprendizado de crianças e adolescentes.

Em meio aos debates, o presidente Lula sancionou, em 13 de janeiro, uma lei que limita o uso de celulares na Educação Básica de todas as escolas do país, públicas e privadas. Pelas regras, estudantes podem portar celulares nas escolas, mas o uso dos aparelhos fica restrito a situações de emergências e necessidades de saúde, assim como para fins pedagógicos, didáticos e de inclusão, de acordo com a orientação dos professores.

O aumento das distrações causadas pelo uso excessivo de celulares entre os alunos tem chamado a atenção e, muitas vezes, interferido na concentração e no rendimento escolar.
Conforme argumenta Rosykeila Rogerio, professora de Língua Portuguesa, de Espanhol e do Laboratório de Comunicação na EE Deputado João Beltrão, em Coruripe (AL), os alunos veem o celular como uma extensão da vida social e de lazer, mas muitos têm dificuldade em usá-lo como ferramenta de aprendizado. “A falta de orientação específica sobre o uso produtivo pode fazer com que o aparelho mais atrapalhe do que ajude nas aulas”, diz.

O desafio de engajar os estudantes

Para professores dos Anos Finais do Ensino Fundamental, onde estão alunos de 11 a 14 anos, a presença dos celulares na sala de aula representa um desafio diário. Com o fácil acesso às redes sociais, jogos e aplicativos, muitos se distraem durante as aulas, o que pode prejudicar o aproveitamento das atividades pedagógicas. A interação constante dos adolescentes com as telas também torna mais difícil para os educadores conquistarem a atenção dos estudantes e envolvê-los nas propostas.

Em sua experiência, a professora Rosykeila conta que tarefas interativas e práticas, como dinâmicas em grupo, debates, experimentos ou exercícios que conectam o conteúdo com a vida real dos jovens são mais eficazes para engajar os alunos sem envolver tecnologia. “Vale também incentivar a colaboração, o pensamento crítico e a expressão pessoal em tarefas que exigem criatividade fora do ambiente tecnológico”, sugere.

Esse cenário coloca em evidência a necessidade de um equilíbrio entre o uso da tecnologia e as metodologias de ensino adotadas, para que seja possível tirar proveito das ferramentas digitais sem comprometer a qualidade da Educação.

Aspectos cognitivos e impactos da hiperconectividade

A hiperconectividade dos jovens, que resulta do uso constante de dispositivos móveis e de redes sociais, é uma preocupação da sociedade atual, especialmente no contexto educacional. De acordo com Adriana Foz, especialista em psicopedagogia e neuropsicologia e mestre em ciências, do ponto de vista da neurociência, a alta exposição a telas pode ter consequências significativas para o desenvolvimento e o amadurecimento cerebral. Isso acontece, especialmente, nas fases da vida em que o cérebro está sob efeito da plasticidade, que é a capacidade de se reorganizar. “Esse é um aspecto que joga tanto a favor como contra [o desenvolvimento], dependendo da adequação dos estímulos”, afirma. 

A exposição constante a esses estímulos pode levar a uma série de consequências psicológicas, cognitivas e comportamentais, que, por sua vez, afetam significativamente o processo de aprendizagem dos estudantes. 

Segundo a professora Rosykeila, a percepção sobre os estudantes hiperconectados em geral é que eles apresentam menor concentração e maior ansiedade e impaciência, além de dificuldades em tarefas que exigem foco e pensamento crítico. “E o desempenho escolar pode ser prejudicado, pois eles se distraem facilmente e têm dificuldade em se envolver com o conteúdo de maneira profunda.”

Ela comenta ainda que as novas gerações acreditam que são capazes de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, como focar na aula enquanto escuta música e interage nas redes sociais. “Isso pode ser uma armadilha para a produtividade e a saúde mental, pois, na prática, estamos lidando com resultados de aprendizagem frustrantes tanto para os alunos quanto para os docentes”, alerta.

A professora destaca que o uso indevido do celular nas aulas torna o aprendizado mais lento e afeta a disciplina. Além disso, mesmo quando há incentivo para realizar uma atividade que envolve gamificação, uma pesquisa, a produção de um podcast, uma apresentação ou um jogo autoral surgem empecilhos. Ela cita a falta de conectividade, de criatividade e de manejo com ferramentas digitais que não sejam as redes sociais com as quais esses jovens estão acostumados. 

5 consequências da hiperconectividade

Confira o que ela pode provocar no comportamento de crianças e adolescentes e os seus impactos na apredizagem

1. Falta de atenção e concentração

O cérebro dos jovens, frequentemente exposto a múltiplos estímulos simultaneamente, como notificações de mensagens, vídeos e jogos, tem sua capacidade de focar em uma tarefa única diminuída. Adriana explica que a atenção é um sistema que inclui diversos processos, como a atenção dividida, a atenção focada e outras. Esse sistema também precisa ser amadurecido e cultivado de uma maneira promotora, para que seja mais durável e perene e traga benefícios para o indivíduo. “Hoje, porém, o que nós estamos acompanhando são crianças mais estressadas devido ao excesso de tela.”

A alternância constante entre atividades ainda pode prejudicar a memória de trabalho [sistema cognitivo que apoia o desenvolvimento de várias aprendizagens] e a capacidade de reter informações, dificultando a concentração em atividades escolares.

2. Ansiedade/FOMO

Conhecido como Fear of Missing Out (FOMO), o medo de estar perdendo algo é um sentimento alimentado pela comparação e exposição constante às redes sociais e pela percepção de que os outros estão vivendo experiências mais emocionantes ou bem-sucedidas. A ansiedade gerada nesse contexto pode afetar o bem-estar emocional dos jovens e, consequentemente, prejudicar aspectos da aprendizagem. Isso porque emoções intensas e negativas consomem recursos cognitivos, prejudicando a capacidade de concentração. “Há uma dificuldade maior de lidar com frustrações e uma maior necessidade de ser atendido e de ter a recompensa imediata. Tudo isso atrapalha o corpo, o comportamento, as relações com os outros e consigo”, completa Adriana. 

3. Vício 

O vício em jogos de azar ou apostas esportivas tem se intensificado entre adolescentes, com o aumento do acesso à internet e a popularização de plataformas de apostas online. No entanto, o cérebro dos jovens nessa faixa etária é particularmente vulnerável aos sistemas de recompensas rápidas dessas atividades. Isso é algo que pode levar a comportamentos impulsivos e a uma desconexão da realidade, comprometendo o foco nos estudos. 

4. Depressão 

A depressão também é uma consequência comum da hiperconectividade, especialmente devido ao cyberbullying, aos discursos de ódio e à constante exposição a padrões de beleza e sucesso irreais presentes nas redes sociais. Há uma pressão para a vivência de experiências, muitas vezes inalcançáveis, resultando em baixa autoestima e, eventualmente, episódios depressivos. A depressão afeta diretamente a aprendizagem, pois pode reduzir a motivação, tornando mais difícil a dedicação às tarefas escolares.

5. Dificuldades socioemocionais ou comportamentais.

Por fim, embora ofereça uma forma de conexão, a presença digital excessiva, muitas vezes, leva ao isolamento e começa a substituir as interações presenciais. Esses contatos são fundamentais para o desenvolvimento de competências socioemocionais, como empatia, comunicação e resolução de conflitos. A falta dessas habilidades pode afetar a aprendizagem, já que a colaboração e a interação com colegas e professores são componentes importantes desse processo.

Mobilização por uma experiência digital adequada

Um dos caminhos para lidar com os impactos negativos causados pela hiperconectividade é promover o uso ético, seguro, crítico e responsável das tecnologias. A Safernet é a primeira organização não-governamental do Brasil a atuar nessa área. O objetivo é estabelecer uma abordagem multissetorial para proteger os direitos humanos no ambiente digital, em especial de crianças e adolescentes, para que seja possível construir relações sociais saudáveis e seguras por meio do uso adequado da tecnologia. 

Segundo Bianca Orrico, psicóloga e coordenadora na SaferNet, a organização integra um grupo de trabalho sobre telas que está sendo coordenado pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e outros Ministérios. A ideia é desenvolver produtos e ações que contribuam com a educação midiática da população. Entre as questões abordadas estão, justamente, os impactos das telas na saúde de crianças e adolescentes. Ela diz que, em breve, será lançado um guia para o uso consciente de telas e dispositivos digitais por esse público. “Será  um documento oficial com a participação de diversos especialistas e organizações, com análises, recomendações sobre o tema, baseadas em evidências científicas, e as melhores práticas internacionais.” 

A coordenadora da SaferNet conta que o grupo desenvolveu uma disciplina de cidadania digital, em parceria com o governo do Reino Unido, para apoiar escolas e docentes na busca por um currículo que prepare os alunos para o uso seguro, crítico e consciente das tecnologias. “Elaboramos um caderno de aulas que está totalmente em conformidade com as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e disponível para educadores interessados em trabalhar esse assunto com estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio”, relata. “Algumas secretarias municipais também estão adaptando o material e utilizando alguns planos de aula para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental.”

O caderno traz planos de aulas completos, com o passo a passo de atividades, apresentações de slides, conteúdos diversos, vídeos e sugestões de adaptações para ambientes com diferentes tipos de conectividade. “A gente sabe que o Brasil é um país continental e conhecemos os desafios e diversidades que existem em relação ao acesso à internet”, comenta Bianca. 

Ela aponta que os módulos são divididos em diferentes temas, tratando de questões relacionadas a bem-estar e saúde emocional, segurança e privacidade na internet, respeito e empatia nas redes, relacionamento seguro online e cidadania digital. “O material torna possível que crianças e adolescentes, com a utilização de metodologias ativas pelos professores, possam criar intervenções socioculturais dentro da comunidade escolar para promover o uso consciente das tecnologias”, conclui. 

A SaferNet ainda disponibiliza o curso Segurança e Cidadania Digital em Sala de Aula, online e gratuito, disponível no Ambiente Virtual de Aprendizagem do MEC (AVAMEC). Com carga horária de 40 horas e emissão de certificado, ele prepara os professores e equipes pedagógicas para prevenir violências online, desenvolver habilidades e estimular o protagonismo dos estudantes.

Proibição de celulares nas escolas

Especialistas apontam a relevância do diálogo e da educação para o uso consciente

Sobre impedir o uso de celulares em sala de aula, Bianca, Adriana e Rosykeila concordam que o melhor caminho é ensinar crianças e adolescentes a se apropriarem dessa ferramenta de forma produtiva e responsável. 

Bianca reforça a importância de as medidas serem decididas em conjunto com a comunidade escolar, considerando os diferentes usos e contextos: “A inclusão de professores, estudantes e famílias nesse debate é essencial para promover práticas que equilibrem as oportunidades no uso das tecnologias.” 

Adriana defende uma política de alfabetização da linguagem digital dentro e fora das escolas: “Nós precisamos ter o  entendimento de que o celular veio para nos servir – e não nós que estamos a serviço dele. Assim, ao integrar esse objeto com as suas especificidades, é possível fazer com que os estudantes aprendam o melhor uso.” 

Rosykeila acredita que educar sobre o uso consciente pode ter um impacto mais duradouro do que a mera proibição: “Com instruções claras e objetivos definidos, é possível transformar o celular em um recurso de aprendizado positivo e direcionado. Mas, na prática, tem sido difícil fazer com que os alunos adquiram esta consciência para o uso produtivo, mesmo com o empenho dos professores.”

* Texto publicado originalmente em 02/12/2924 e atualizado em 13/01/2025 para inclusão de informações sobre a sanção da lei que proíbe o uso de celulares nas escolas.

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