Currículos regionais são aposta para a implementação da Base
Gestores públicos acreditam que construções regionais podem favorecer as redes somando recursos humanos, técnicos e financeiros
POR: Laís SemisColaboração: Paula Peres
A aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz consigo uma série de impactos e atualizações necessárias. Uma delas é a adequação dos currículos de todas as escolas públicas e privadas do país até, no máximo, o início do ano letivo de 2020. As discussões de elaboração das estratégias para implementação dos currículos tiveram início no dia 16 de janeiro, em Fortaleza (CE) e devem se estender em comitês de trabalho pelos próximos meses. O debate reúne a Secretaria Básica do Ministério da Educação, a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).
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Uma das propostas discutidas é a possibilidade das redes estaduais e municipais trabalharem também em arranjos curriculares regionais. “Tenho defendido que não há necessidade de todo município ter um currículo diferenciado”, diz Idilvan Alencar, secretário do estado do Ceará e presidente do Consed. “O estado deve buscar eficiência e debater a possibilidade do que se pode fazer, como consórcios e arranjos regionais”, considera.
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Para dar início à construção dos currículos, os estados nomearão uma equipe técnica. “Haverá uma rede nacional com um comitê central formado pelo Consed, Undime e MEC, e nos estados teremos comitês estaduais com um coordenador estadual e um municipal. Também teremos coordenadores dos ciclos e dois ou três redatores por cada disciplina”, explica Alessio Costa, presidente da Undime. Os estados farão as nomeações públicas até 9 de fevereiro. “Nossa expectativa é que até o mês de novembro as propostas estejam preparadas para avaliação dos conselhos. Queremos que já esteja tudo implantado em 2019”, adianta.
O que é o regime de colaboração
O regime de colaboração é uma estratégia prevista pela Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em que União, estados e municípios se organizam para solucionar problemas comuns ou estimular e apoiar implementação de políticas. Arranjos de Desenvolvimento da Educação, consórcios públicos e o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), do Ceará, são alguns exemplos de como se dar essa colaboração. No PAIC, estado e municípios entraram em cooperação em 2007 com o objetivo de garantir a alfabetização dos alunos até o final do 2º ano do Fundamental. Entre as ações, o programa prevê formação continuada aos professores e apoio à gestão escolar e financeiro. A experiência trouxe resultados positivos: enquanto no ano de criação do programa apenas 8% dos municípios tinham um nível desejável de alfabetização, ele passou a 98% em 2015 (conheça o funcionamento do programa e seus fatores de sucesso aqui).
O Ceará é um dos estados que pretende continuar na linha do regime de colaboração e construir currículos regionais. “Estamos trabalhando com a perspectiva de ter o currículo implementado até 2019”, conta Idilvan. “No PAIC, o currículo do Fundamental 1 foi construído em parceria entre as secretarias municipais com apoio técnico do estado e de especialistas”, destaca Alessio. Para ele, a construção conjunta e participativa foi um dos pontos-chave para o sucesso do programa e sua legitimidade.
Apesar da aposta, Alessio lembra que os entes federados são autônomos para decidir como se dará a construção de seus currículos. “Estados e municípios poderão fazer isso separadamente”, explica Alessio. Ele lembra, porém que sobretudo no caso dos municípios menores, as complicações podem aparecer. “Há dificuldades em algumas áreas, como técnica e financeira, que fazem do regime de colaboração um modelo interessante”.
Os ganhos da proposta
Diferentes arranjos seriam possíveis dentro da proposta de currículos regionais. Além do modelo do PAIC, pequenos municípios de uma mesma região com características próximas poderiam se articular (como é o caso do Consórcio de Desenvolvimento e Inovação do Norte do Paraná, o Codinorp) ou o estado poderia se dividir em macrorregiões e construir o currículo em conjunto com os municípios, por exemplo.
Em 2016, o jornal Folha de S. Paulo fez um levantamento sobre quais prefeituras entregam mais serviços básicos à população, incluindo Educação, com menor volume de recursos financeiros. De acordo com o Ranking de Eficiência dos Municípios, apenas 24% dos municípios são eficientes. O ganho do modelo de colaboração é potencializar as boas práticas, somar recursos e minimizar as desigualdades. “A proposta do Ceará, por exemplo, representa uma otimização de esforços e recursos enormes, tanto humanos, quanto materiais e financeiros”, diz Alessio. Ele aponta que a colaboração também permite formações, processos de avaliação e desenvolvimento de materiais pedagógicos em conjunto. “Isso gera uma sinergia muito forte. Faz da escola parte de um sistema maior, que se articula. Nesse processo, você ganha em qualidade muito mais do que se o município ficar isolado em discussões entre poucos profissionais, que tende a ser menos rica e diversa de formações”, avalia o presidente da Undime.
A possibilidade de discussão sobre as especificidades das regiões para construção de um currículo que atenda às necessidades locais é um ganho para Madalena Peixoto, diretora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “É outro tipo de abordagem que passa pelo envolvimento dos professores e da comunidade escolar, fazendo-os entender como aqueles temas obrigatórios se relacionam com sua realidade”, observa.
Os riscos de uma construção regional
A Base passou por diversas instâncias de consulta pública. Após a publicação da primeira versão, o MEC disponibilizou um portal online para receber considerações sobre o texto, sugestões para alterações, acréscimos e exclusões. Ao todo foram 12 milhões de contribuições recebidas. A partir delas, a equipe redatora do documento produziu uma nova versão, discutida em 27 seminários – um em cada estado – com a presença de mais de 9 mil educadores, especialistas e entidades ligadas à Educação. Uma nova versão foi publicada a partir dos levantamentos dos seminários e passou por cinco audiências públicas. Apesar disso, a falta de participação dos educadores nesse processo é uma das críticas feitas por especialistas e professores contrários ao documento.
Em um comparativo de como a participação é fundamental para que documentos de referência tenham legitimidade entre os membros da comunidade, Madalena traz os exemplos dos projetos político-pedagógicos (PPP). “Em sua grande maioria são documentos formais. Ninguém participou daquilo. Nem professor, pai ou aluno o conhecem”, considera a especialista. “Se os currículos não forem construídos em conjunto será mais um documento imposto de cima para baixo”, diz.
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Uma construção regional de currículo afastaria mais os professores ou limitaria a participação deles nesse processo do que uma iniciativa em nível municipal? Alessio Costa acredita que a garantia de participação independe do fator regional. “Depende muito da forma como se planeja e se coloca a proposta de pé”, afirma. “Existem muitas maneiras de fazer e não é pelo fato de ser regional que ele representa uma exclusão”. Para o presidente da Undime, é imprescindível que haja tempo para planejar, discutir e maturar ideias em diferentes níveis. “Na elaboração coletiva, é fundamental idas e vindas e assegurar o retorno desse currículo à escola, envolvendo momentos de formação”, afirma.
Assim como depende de cada ente federado decidir como será desenhado esse modelo de participação, também é importante que cada escola e professor se mobilizem para estar ou, ao menos, acompanhar a discussão. Esta é uma nova oportunidade para que os educadores brasileiros possam refletir e colaborar com um processo que tem impacto direto em sua profissão, no dia a dia da aprendizagem da sala de aula e na qualidade da Educação do país.
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