Estudantes ainda não se “enxergam” na Base do Ensino Médio
Professores também criticaram o documento, mas o saldo da primeira audiênica pública é positivo, diz CNE
POR: Paula Peres
“Como falar da Base Nacional sendo que quem vai praticar essas habilidades não está aqui presente?”. A questão partiu de Tamires Santos da Costa, de 18 anos, uma das estudantes do Ensino Médio que participou da primeira audiência pública convocada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) para debater a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio. Ela foi um dos jovens a usar a palavra para discutir a Base na audiência realizada na última sexta-feira (11), em Florianópolis (SC), que reuniu também professores, educadores e representantes de entidades civis. Apesar de ter mobilizado muita gente desde sua aprovação, o debate em torno do documento não foi capaz de manter uma plateia constante até o final dos trabalhos.
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Na plenária, os professores de escolas públicas e particulares, estudantes, representantes de organizações da sociedade civil e especialistas de Educação não se fizeram de rogados na primeira oportunidade que tiveram de ser ouvidos por órgãos oficiais desde o momento em que o MEC divulgou o documento. Sobraram críticas ao processo e algumas informações desencontradas, como a ideia de que a BNCC entregue é de autoria do CNE (quando na verdade é do MEC) ou de que a Base deve dar conta de explicar as regras de aplicação dos itinerários formativos nas escolas (responsabilidade da reforma do Ensino Médio).
A própria dinâmica do evento não dá espaço para que as dúvidas e críticas sejam esclarecidas: falas de apenas 3 minutos por pessoa em uma longa lista de participações desde as 10h da manhã, enquanto as considerações dos conselheiros acontecem apenas no período da tarde, quando a plenária já está completamente esvaziada.
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Participação estudantil
A participação dos estudantes secundaristas, ainda que modesta, se deu não apenas na plateia, mas em algumas falas no púlpito diante dos conselheiros. Tamires da Costa foi a primeira dos jovens a se pronunciar. Representando o conselho jovem do Instituto Inspirare, Tamires falou sobre a necessidade de aproximar o documento dos estudantes. Segundo ela, muitos de seus colegas não sabem o que é a BNCC nem para quê ela serve.
Depois dela, ao longo do dia outros militantes secundaristas e representantes de entidades estudantis pediram a palavra, na maioria das vezes para criticar o processo de construção da Base e da reforma do Ensino Médio, distantes de sua realidade, e pedir que fossem mais ouvidos. “Se o conselho quiser que as audiências públicas tenham crédito com os estudantes, precisam convidar nossos representantes”, disse Luiz Henrique, um dos jovens presentes.
Apesar de alguns estudantes acreditarem que os conselheiros não valorizam sua presença na plenária, a visão do CNE é outra. “Acho que tem que ter mais participação dos estudantes, porque nos dá mais segurança ao fazer determinadas defesas. Eu não admitirei nunca dispensar a participação deles”, disse Laurinda Oliveira Santana, uma das conselheiras.
Professores ainda não se enxergam na Base
Assim como os estudantes estão reticentes com relação à BNCC e à reforma do Ensino Médio, os professores encaram a mesma situação. As sugestões de inclusão de conteúdos específicos nas habilidades e as defesas de reinserção de algumas disciplinas (que agora aparecem integradas em áreas de conhecimento) mostram que os professores ainda não enxergam de que maneira aquelas competências e habilidades de cada área do conhecimento se aplicam em suas aulas.
Alguns professores apontaram falhas no documento entregue pelo Ministério da Educação (MEC), criticando a grande valorização das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática em detrimento das demais e a falta de clareza com relação aos itinerários formativos. “A Base como está proposta hoje se restringe apenas a uma parte do Ensino Médio”, explica César Callegari, presidente da comissão do CNE responsável pela análise da BNCC. Ele se refere ao fato de que o texto entregue pelo MEC diz respeito aos 60% dos conteúdos que são considerados obrigatórios para o Ensino Médio. Os outros 40% constariam nos famosos itinerários formativos, que tanto causam dúvidas nos educadores e estudantes. “Se pensarmos a Base como expressão dos direitos de aprendizagem, nós temos que dizer todos o direitos, e não apenas uma parte. Se tem uma coisa que ficou clara hoje é que há uma incompletude na proposta que o MEC entregou ao CNE”, afirma.
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A ausência de recomendações sobre a porcentagem opcional dos conteúdos do Ensino Médio, associada à priorização das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática no texto, causam o temor de que isso deixe os currículos, principalmente das escolas públicas, reducionistas.
Como ficaria a cargo das escolas criarem seus percursos formativos, aquelas que teriam mais infraestrutura e condições de implantação conseguiriam oferecer uma Educação superior em relação às escolas de condições mais pobres, o que agravaria a desigualdade educacional que o Brasil já vive, e iria na contramão da proposta de se ter uma Base Nacional Comum Curricular. “Formaremos mão de obra barata na escola pública que trabalhará para os seres pensantes formados nas escolas particulares”, defendeu uma das professoras em um momento acalorado.
O argumento foi rebatido em partes pelo relator Chico Soares ao final da audiência: “A Educação deve ser centrada na compreensão de textos. A crítica de dizer que leitura e compreensão de textos não deveriam ser obrigatórios é preocupante para mim, porque isso é ciência da Educação”.
Mesmo com as críticas, a maioria dos conselheiros acredita que o saldo da primeira audiência foi positivo. “Nesta audiência me pareceu que, agora, as entidades vieram com discussões muito aprofundadas, levantando pontos que já estão sendo alvo de discussão do próprio conselho”, ressaltou a conselheira Malvina Tuttman. Ricardo Coelho, diretor de Programa da Secretaria Executiva do MEC, concorda que quanto mais preparados os professores forem à audiência, mais qualificado será o debate. “Essa preparação vem com a leitura e a reflexão sobre o texto que foi entregue. É muito importante que todos venham para a audiência com o texto lido”, defende.
Como participar da discussão
O CNE está organizando, até o final de agosto, uma audiência pública em cada região do país para debater a BNCC do Ensino Médio. A próxima está prevista para o dia 8 de junho em São Paulo. Já estão marcadas as datas para as demais: 5 de julho em Fortaleza; 10 de agosto em em Belém do Pará e a última no dia 29 do mesmo mês em Brasília.
Nas audiências, o púlpito é aberto a quem quiser expressar sua opinião sobre a BNCC, desde que se inscreva previamente e respeite o tempo de 3 minutos por pessoa. Os participantes podem, também, levar documentos por escrito que são protocolados no ato da audiência, e analisados posteriormente pelos membros do conselho. “Tem um enorme valor aquilo que é recebido pelos conselheiros através de documentos mais substanciados. Porque em 3 minutos a pessoa consegue fazer uma síntese da sua defesa, mas o seu raciocínio, aquilo que ela acredita pode ser explicitado nesses documentos”, defende Cesar Callegari.
Há, ainda, uma novidade nas audiências sobre a BNCC do Ensino Médio: o lançamento, anunciado pelo presidente do CNE Eduardo Deschamps, de uma nova plataforma online para quem quiser enviar suas contribuições por escrito sobre a BNCC. “A plataforma colabora com a agilidade na sistematização das contribuições, e também na questão da segurança, com mecanismos de identificação. No ano passado, percebemos que havia muitas mensagens parecidas, ou iguais, o que levantava a suspeita de que havia robôs digitais enviando essas mensagens”, afirmou Eduardo Deschamps.
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