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Como se ensina e se aprende a linguagem na Educação Infantil?

Especialista explica as concepções de língua presentes na escola e o papel do professor para favorecer a aprendizagem

POR:
Larissa Teixeira
Foto: Getty Images

A linguagem não está restrita apenas à oralidade e à escrita, mas envolve também diferentes modos de expressão que se relacionam entre si, como as imagens, os movimentos corporais e os sons presentes no cotidiano. Por isso, é preciso abordá-la em sua pluralidade.

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A afirmação é da pedagoga e coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização e Letramento da Faculdade de Educação da USP, Silvia Colello. A pesquisadora esteve presente no “21º Seminário de Educação Infantil -  As Bases e a Base na Educação Infantil: Reflexões Pedagógicas”, promovido pelo Prisma/Centro de Estudos do Colégio Santa Maria, para falar sobre o processo de ensino e aprendizagem da língua na Educação Infantil.

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Ela aponta que os professores trazem para a escola diferentes concepções de linguagem, que muitas vezes não dão conta de explicar todos os seus usos e funções. A primeira concepção é que ela seria um código, uma associação de palavras. Nela, o professor está mais preocupado com a fala correta, a gramática e a ortografia, e menos com a funcionalidade da expressão oral, a escrita e a leitura. A segunda concepção é que ela seria a expressão das ideias, ou seja, o ato de registrar no papel ou falar aquilo que está na nossa cabeça, e vice-versa.

“A maioria dos professores cai em uma dessas visões monológicas da linguagem, em que não há autores, não se cria e não se relaciona. Ela se transforma apenas em um instrumento para a aprendizagem. A escola ensina, mas rouba das crianças o direito de dizer”, aponta.

Para Colello, é preciso entender a linguagem com base em uma terceira concepção, a dialógica, em que as diferentes expressões da língua são vistas como uma prática social, uma relação entre eu e o outro. “Aquele que escreve pede para ser lido, aquele que fala pede para ser ouvido, por uma determinada razão e em um contexto específico. Poucos professores têm clareza disso, mas a natureza da língua é a perspectiva da interação e da comunicação”, explica.

A professora Silvia Colello durante o 21º Seminário de Educação Infantil. Crédito: Gustavo Almeida

A especialista afirma que a escola trabalha em um sistema completamente contrário à essa noção, ao seguir uma linha linear, cumulativa e rígida no processo de ensino. “Ela parte do ponto de vista de que primeiro você aprende, e um dia você irá usar. Será que as crianças do século 21 estão dispostas a passar anos aprendendo para depois usar?”, questiona. Para que a aprendizagem ocorra, explica, é preciso criar um vínculo da criança com a linguagem em um contexto em que ela precisa resolver problemas. “A língua não pode ser vista como um castigo, mas como uma aventura”.

O paradoxo da língua

E por que é tão difícil ensinar e aprender a escrever? Para a pesquisadora, a dificuldade vem do fato de que a língua é paradoxal. Por um lado, a escrita é um sistema fechado, com regras que devem ser respeitadas. Mas por outro, é um sistema bastante aberto, em que tudo é possível de ser dito, que permite a criação e a reconstrução de significados.

“Os docentes costumam errar pela falta de equilíbrio: ou eles ficam no sistema fechado, ou acreditam que na linguagem vale tudo. É preciso ensinar as crianças a ser senhores da sua própria palavra, o que é muito diferente de aprender a ler e escrever. A língua não é apenas um código, mas um processo de comunicação e recriação de ideias, que se dá em um determinado contexto e com um propósito”, diz.

Quando começa a alfabetização?

Entre os educadores se questiona muito sobre se existe uma idade certa para iniciar o processo de alfabetização. Na opinião de Colello, esse processo começa assim que a criança nasce e começa a ouvir sons e observar expressões. Isso porque a linguagem não está restrita apenas à leitura e à escrita, mas a uma série de elementos que envolvem gestos, movimentos, imagens, ícones, músicas e sinais sonoros.

“Desde o nascimento, você já está convivendo com a linguagem. O que a Educação Infantil deve fazer é alimentar e incentivar um processo que já está em curso”, explica a pedagoga. Para ela, o papel do professor é trazer essa pluralidade para a sala de aula, mostrar os usos e funções da língua e as relações entre as diferentes linguagens, favorecendo um ambiente alfabetizador.

“Os professores têm uma mania de trazer a verdade em vez de questionar e construir ideias novas. A melhor aula não é a que ensina, mas a que pergunta. Isso faz com que o aluno se abra para a aprendizagem e se transforme em um sujeito inquisitivo, pesquisador”, afirma.