Base do Ensino Médio é aprovada sem aviso prévio
Sessão pública do Conselho Nacional de Educação estava agendada mas pauta não foi divulgada – não houve anúncio de que o tema seria votado na sessão
POR: Laís SemisColaboraram Pedro Annunciato e Sophia Winkel. Publicada em 04/12/2018 às 12:02 e atualizada às 17:05
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio foi aprovada e segue agora para homologação do Ministério da Educação (MEC). O documento foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) na manhã desta terça-feira (4/12) sem nenhum voto contrário, apenas duas abstenções. Dos 24 conselheiros, 22 foram favoráveis à aprovação do texto. As abstenções foram de Chico Soares e Aurina de Oliveira Santanna. Aurina foi uma das três conselheiras que se colocou contrária, em 2017, à aprovação do texto da Base da Educação Infantil e Ensino Fundamental, por considerar que o documento ainda precisava de ajustes. Chico era um dos relatores. O texto ainda não foi divulgado.
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O conselheiro Chico Soares ocupou a função de relator da Comissão Bicameral da Base no CNE nos últimos dois anos. Ele se retirou da função na reta final do processo e se absteve de votar sobre o texto do Médio. “Não posso votar contra porque sou a favor de uma Base. Ela tem uma história e há quatro anos eu falo que uma Base bem especificada é importante para o Brasil”, explicou o conselheiro, após o final. Mas ele foi claro. “Eu ter me abstido é como se eu tivesse votado contra”.
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Para ele, o atual texto não supre dois problemas que considera “muito complicados”. O primeiro é não deixar mais claro como se comportam os componentes curriculares dentro do novo modelo, que dilui os componentes em áreas do conhecimento (Matemática, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas). Chico compara os componentes curriculares às ferragens de um viaduto: “Quando um viaduto cai é porque a ferragem era pouca. As disciplinas são as ferragens de um projeto pedagógico. Eu acho que um projeto que faz um apagamento geral das disciplinas está pouco fundamentado tecnicamente”.
O segundo ponto levantado pelo conselheiro seria o risco de uma cerca inversão de papéis entre Base e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Se a gente especificasse mais a Base, não entregaríamos a definição [de conteúdos] para o Enem. Para mim, é uma coisa que preferiria que o CNE tivesse definido”, explica Chico, que já foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pelo exame. “Queria o Enem a serviço de um projeto e não como a gente vive hoje, que o Enem define o projeto. O risco disso acontecer é muito grande”, diz. O conselheiro também disse que gostaria de ter tido um "tempo maior" para tratar dos itinerários formativos – a parte flexível do currículo do Novo Ensino Médio.
A reunião decisiva para seguir com a Base
A reunião de hoje foi uma sessão pública do Conselho Pleno, como acontece no início de cada mês. As pautas a serem discutidas, no entanto, não haviam sido publicadas. O tema é de extremo interesse público por impactar diretamente a estrutura do Ensino Médio brasileiro, além de ser controverso. Das cinco audiências públicas agendadas para discutir o documento, duas delas – uma em São Paulo e outra em Belém (PA) –, foram canceladas após manifestações de professores e alunos. De acordo com Luiz Roberto Liza Curi, presidente do CNE, o processo não teria sido diferente ao de 2017. “O Pleno do CNE é acionado pela comissão. A comissão estava em discussão e passou a pauta para o Pleno. Foi exatamente o mesmo processo”, disse. “A comissão decidiu enviar a pauta para divulgação e fazer a discussão. Foi uma falha da nossa equipe de não ter avisado. Do meu ponto de vista, houve a entrega no prazo regimental para colocar em pauta. Isso foi feito”.
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Questionado sobre a razão de o CNE votar o texto de maneira repentina, contrariando o formato adotado previamente, Eduardo Deschamps, presidente da comissão da Base no Conselho Nacional de Educação, limitou-se a dizer que "são procedimentos normais que estavam previstos". "No caso da Educação Infantil e do Fundamental, nós tinhamos um trâmite previsto que foi cumprido e aguardava apenas a manifestação da comissão. Agora nós acreditamos que o processo estava mais maduro. Então ontem concluímos o parecer na comissão e foram 18 votos favoráveis ao encaminhamento para o Pleno do CNE", afirmou.
A sessão teve início oficial às 9h e seguiu até às 13h, sendo retomada novamente às 15h. No entanto, antes do meio-dia, os conselheiros já haviam aprovado o texto. “Diferente da Base do Infantil e Fundamental, não houve pedido de vista [revisão]. Foi uma discussão tão boa e produtiva que conseguimos aprovar. Tinha bastante gente acompanhando, mas lamento a ausência de mais gente no plenário”, afirmou o presidente do CNE.
A falta de anúncio público amplo da votação do texto da Base do Ensino Médio vai na contramão do caminho que toda a discussão da BNCC tomou até então. Em 2015, após a divulgação da primeira versão do documento, o Ministério da Educação abriu uma consulta pública online por cinco meses para receber comentários sobre o documento. Uma segunda versão do texto rodou os estados brasileiros em seminários com a mesma finalidade entre julho e agosto de 2016. Em 2017, com o anúncio da reforma do Ensino Médio, as discussões da etapa foram adiadas. O texto da Educação Infantil e Ensino Fundamental seguiu em audiências públicas pelas cinco regiões do Brasil até sua aprovação, em 15 de dezembro (relembre como aconteceu aqui).
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Eduardo Deschamps acredita que os principais problemas da Base do Ensino Médio apontados nas audiências públicas foram resolvidos. "Houve um esforço grande para superar esses eventuais entraves", afirmou após a audiência. "Não é um documento perfeito, mas que avançou bastante. E vai ser complementado pelos currículos. É bom diferenciar que são apenas documentos de referência e também levar em consideração que foram apresentados este ano". Curi afirma que todas as manifestações feitas nas audiências públicas foram consideradas na versão aprovada pelo CNE. "Todas foram sistematizadas, analisadas e debatidas. Muitas não foram propostas de fato, mas manifestações simplesmente constrárias de que não queriam a Base. Mas as proposições foram analisadas e aproveitadas", explica o presidente do CNE.
Sobre o foco em Língua Portuguesa e Matemática, bastante criticado por educadores, ele reitera que "esse ponto foi alterado". "Essas disciplinas, além de aparecerem dentro das áreas de conhecimento, também são componentes curriculares isolados. Na verdade, a gente tem que dar uma olhada mais ampla em relação a isso". Deschamps compreende que os currículos deixarão mais claro para os professores como a Base será aplicada em sala de aula. "Existem competências e habilidades e os currículos deixarão isso mais claro".
Em julho deste ano, o conselheiro César Calligari deixou a presidência da comissão também por discordar dos trabalhos. Na época, ele afirmou em nota: O fato é que sobre todos os problemas da reforma, não posso e não vou me calar".
Na aprovação do texto da Educação Infantil e Ensino Fundamental, a sessão, além de ter sido divulgada com antecedência para a sociedade, contou até mesmo com transmissão ao vivo. No entanto, em 2017, o CNE não conseguiu passar o documento de primeira. Além dos protestos, as conselheiras Márcia Ângela, Malvina Tuttman e Aurina de Oliveira Santana interromperam a leitura do parecer dos relatores com pedido de vista (mais tempo para leitura e análise do documento). Já os membros do CNE só tiveram acesso à versão revisada do parecer na manhã da votação.
Agora, o documento segue para homologação do Ministro da Educação Rossieli Soares, que fica no cargo até o final do ano. Com a homologação, a Base do Ensino Médio passa a valer como lei para todas as escolas públicas e privadas do Brasil. A Base da Educação Infantil e do Ensino Fundamental foi aprovada em 15 de dezembro do ano passado e já no dia 20 de dezembro estava homologada.
Raio X da Base. A Base do Ensino Médio é bem diferente da Base do Fundamental. Se no Fundamental todas as atuais disciplinas se mantiveram e houve um conjunto (grande) de habilidades para serem desenvolvidas ano a ano, no Médio os reflexos da reforma da etapa de ensino dão as caras. Entre as 13 disciplinas que atualmente fazem parte da grade curricular, apenas Língua Portuguesa e Matemática se mantêm como disciplinas e devem ser oferecidas nos três anos da etapa. As outras disciplinas foram organizadas por área do conhecimento, sendo elas:
- Linguagens e suas Tecnologias (Arte, Educação Física, Língua Inglesa e Língua Portuguesa)
- Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Biologia, Física e Química)
- Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (História, Geografia, Sociologia e Filosofia)
Com a reforma, essa etapa passa a ser dividida em dois blocos. Na parte comum, os conteúdos são alinhados à Base. Na outra, os alunos podem escolher entre cinco áreas, desde que haja oferta em sua escola: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ensino Técnico.A proposta já constava na reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017, que exige a ampliação da carga mínima diária de 4 horas para 5 horas até 2022. Pelo texto aprovado, o currículo da etapa deverá ser composto por até 60% de conteúdos previstos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e 40% por itinerários formativos em cinco áreas: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional.
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