BNCC do Ensino Médio: o que especialistas pensam sobre o texto aprovado
A Base define o conteúdo mínimo que os estudantes da última etapa da Educação Básica de todo o Brasil deverão aprender em sala de aula
POR: Paula CalçadeO Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou na semana passada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Médio. Foram 22 votos a favor e duas abstenções. O placar parece indicar uma enorme aceitação do documento que servirá como orientação para os currículos de todas as escolas públicas e privadas do país. Mas entre educadores e especialistas, ainda há muitas críticas em relação ao documento que agora vai para homologação do ministro da Educação.
O texto em revisão e aprovado pelo CNE já está circulando entre educadores de todo o país e comentado até em posts em redes sociais. Entre as definições mais importantes, foi aprovado que apenas Língua Portuguesa e Matemática serão as matérias obrigatórios nos três anos e os demais conhecimentos poderão ser distribuídos ao longo da etapa, sejam concentrados em um ano, ou em dois, ou mesmo em três. Os currículos estaduais também deverão ser adaptados e implementados e trarão as especificidades locais ao documento.
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Discutir os pontos aprovados na BNCC do Ensino Médio é urgente, uma vez que o conteúdo do documento impactará a vida de milhões de jovens. Mas o fato da votação ter acontecido sem aviso prévio causou impacto negativo, tirando a luz sobre o que é o documento. “Foi um erro grave. Fere os preceitos legais de transparência e publicidade e afronta a tradição democrática do próprio Conselho Nacional de Educação. A sociedade deve poder acompanhar e participar da definição do documento”, comenta César Callegari, especialista em Gestão de Políticas Públicas e ex-conselheiro do CNE.
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ações Comunitárias (Cenpec), lembra que o CNE já tinha realizado diversas audiências públicas sobre o tema e as reuniões foram abertas, o que mostrou o esforço para aprimorar a BNCC. “Pela primeira vez, temos uma Base Nacional Comum Curricular para a etapa”, comemora. Anna Helena ressalta, no entanto, lacunas e omissões no texto que caberão aos estados regulamentar. “Gestores, educadores e alunos ainda não sabem qual será o desenho efetivo do Ensino Médio, até porque ele pode variar de estado para estado”.
A aprovação da BNCC segue as diretrizes estabelecidas na Reforma do Ensino Médio de 2016, que estruturou o aprendizado em cinco itinerários formativos: linguagens e suas tecnologias, matemática e suas tecnologias, ciência da natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional. Com a reforma, ficou estabelecido também que as escolas poderão escolher como vão ocupar 40% da carga horária do Ensino Médio. Os demais 60% são definidos pela BNCC, agora aprovada.
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Lacunas do Fundamental para o Médio
O documento aprovado traz: “A BNCC do Ensino Médio se organiza em continuidade ao proposto para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, centrada no desenvolvimento de competências e orientada pelo princípio da educação integral". Entretanto, uma das principais preocupações entre os especialistas é se essa continuação acontecerá de fato e se todos os alunos terão acesso a todo o conteúdo da etapa, uma vez que cada rede de ensino poderá estruturar e orientar a BNCC a sua maneira.
Enquanto a BNCC do Ensino Fundamental estabelece objetivos de aprendizagem por área de conhecimento e por disciplina a cada ano, a do Ensino Médio só entra no nível de detalhamento das disciplinas em Português e Matemática. Os demais objetivos de aprendizagem estão organizados por área e ainda para que os estados possam construir sua própria grade de disciplinas.
Para Anna Helena Altenfelder, essa questão preocupa porque uma das grandes expectativas em torno do documento era justamente que ele pudesse contribuir para a superação das desigualdades educacionais no país e também para a superação de lacunas existentes na transição dos anos finais do Ensino Fundamental para o Ensino Médio. “A articulação entre essas duas etapas é essencial, até porque muitos dos problemas do Ensino Médio, como a reprovação e o abandono, têm início nas etapas anteriores. Da forma como foi aprovado, tudo dependerá da capacidade técnica e financeira de cada estado e o resultado pode ser justamente o oposto do esperado”.
César Callegari é mais crítico. “Desde o começo do ano, quando eu ainda fazia parte do CNE, venho denunciando a falta de orientação do texto. Educadores, estudantes e especialistas deverão pressionar os estados a corrigir esses graves problemas. A questão é que esse movimento será desigual pelo país afora, podendo induzir a mais desigualdades educacionais e mais exclusão”.
Competências X lógica conteudista
Sobre projetos de vida e formação para a cidadania, o texto aprovado discorre: "É, também, no ambiente escolar que os jovens podem experimentar, de forma mediada e intencional, as interações com o outro, com o mundo, e vislumbrar, na valorização da diversidade, oportunidades de crescimento para seu presente e futuro". Segundo Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco, esse é um dos tópicos mais positivos da BNCC, apesar de ser um desafio. “Na prática, isso significa que as competências devem permear, além dos currículos, os processos de ensino e aprendizagem, gestão, formação de professores, convivência escolar e avaliações. Ou seja, a escola como um todo precisará se repensar e deixar de lado, de vez, a lógica conteudista e fragmentada. Esse é um ótimo desafio, mas que requer apoio técnico e financeiro para ser superado, com formações em serviço e acompanhamento”.
Outro ponto trazido pela BNCC do Ensino Médio é: "Nessa etapa, o foco passa a estar no reconhecimento das potencialidades das tecnologias digitais para a realização de uma série de atividades relacionadas a todas as áreas do conhecimento, a diversas práticas sociais e ao mundo do trabalho". Para Ricardo Henriques, é preciso articular o uso dos computadores às práticas pedagógicas. “Mais importante do que usar a máquina é entender que os jovens estão imersos em um mundo de redes sociais e mídias digitais que reconfiguram as formas de relacionamento e aprendizagem”, diz.
Percursos formativos X possibilidades das redes
"O currículo do Ensino Médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino", define o texto. Para Anna Helena Altenfelder, esse seria um dos pontos mais preocupantes da reforma do Ensino Médio e da Base Nacional Comum Curricular. “Condicionar a oferta de percursos formativos às possibilidades das redes de ensino num momento em que os estados têm sérias restrições orçamentárias e que a Emenda Constitucional 95/2016 limita a ampliação de recursos federais para a educação pode comprometer seriamente o princípio da reforma de aumentar o protagonismo dos jovens, permitindo que escolham seus itinerários formativos”.
A presidente do Cenpec ainda afirma que, estados com baixa capacidade de arrecadação, com infraestrutura escolar precária e município com uma única unidade escolar ou com menos possibilidades de parcerias com setores da indústria, comércio ou organizações da sociedade civil terão menos condições de ofertar um leque de percursos formativos aos seus estudantes. Já para o superintendente do Instituto Unibanco, com a definição da BNCC, essas questões práticas precisarão ser enfrentadas. “Eventuais adequações de infraestrutura, reorganização do sistema de matrículas, parcerias para possibilitar o transporte de alunos a escolas mais distantes onde ele encontre uma opção de seu interesse deverão ser pensadas. Ou seja, é um grande movimento de mudança, que requer planejamento, tempo e recursos adequados. Para que a implementação dessas mudanças ocorra de modo adequado, é preciso que elas aconteçam de forma sistêmica”, conclui.
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