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Como o retorno presencial abre espaço para repensar a escola

Conheça as orientações do CNE para a retomada e confira reflexão de como elas se relacionam à necessidade de um novo formato para forma de ensino-aprendizagem

POR:
Mozart Neves Ramos
Crédito: Getty Images

Na última coluna conversamos sobre o impacto da pandemia nas aprendizagens e as mudanças necessárias para recuperar tais aprendizagens, diminuir as desigualdades e o risco de abandono escolar. Em julho, o Conselho Nacional de Educação (CNE) se debruçou em cima do Parecer nº 6/2021 - que foi aprovado e aguarda homologação do Ministério da Educação (MEC). 

O documento foi construído por Maria Helena Guimarães de Castro e foi fruto de um árduo trabalho que revisitou e consolidou, em um único documento, os pareceres que foram divulgados desde 2020 referentes ao período da pandemia. Resgata-se o histórico, são apresentados exemplos internacionais, atualiza-se o quadro atual e se apontam dez aspectos que devem ser priorizados na volta às atividades presenciais. São eles: 

1. Respeito aos protocolos sanitários locais e prioridade ao processo de vacinação dos profissionais de educação;
2. Reorganização dos calendários escolares considerando a flexibilização dos 200 (duzentos) dias letivos como definido no artigo 31 da Resolução CNE/CP nº 2/2020;
3. Busca ativa de estudantes;
4. Avaliações diagnósticas para orientar a recuperação das aprendizagens;
5. Replanejamento curricular considerando o contínuo curricular 2020-2021-2022;
6. Manutenção das atividades remotas intercaladas com atividades presenciais quando necessário;
7. Adoção de estratégias de aprendizagem híbrida e uso de tecnologias para complementar as aulas presenciais;
8. Formação continuada de professores;
9. Articulação entre os três níveis de governo para assegurar o acesso dos estudantes às atividades remotas e melhoria da conectividade/acesso às tecnologias; e
10. Revisão dos critérios de promoção.

A pandemia aflorou a urgência de repensar a Educação Básica, já que o formato que tínhamos antes não se adequa às necessidades atuais. As recomendações do CNE vêm ao encontro dessa necessidade de repensar a escola. 

Para um desenvolvimento pleno, como estabelecido pelo Artigo 205 da Constituição Federal, não podemos deixar de lado as competências socioemocionais. Diversos estudos já comprovaram que alunos que têm esse aspecto bem desenvolvido conseguem aprender mais e melhorNo entanto, como desenvolver a empatia, criatividade e pensamento crítico em um formato tradicional de sala de aula? Fica evidente que aulas de 50 minutos com professor na lousa passando conteúdo e alunos enfileirados em silêncio não dá conta do que é importante para o desenvolvimento pleno. Dentro disso, vemos a necessidade de pensar a forma de ensinar. 

Especial Competências Socioemocionais

NOVA ESCOLA produziu conteúdos especiais para auxiliar professores e gestores a usar as competências a favor da aprendizagem e bem-estar

Vivemos um cenário disruptivo, de mudanças constantes - e não é apenas pela pandemia. Nesse contexto, garantir mais conteúdos na escola não é o que ajudará a preparar esses jovens, mas que eles desenvolvam competências cognitivas e socioemocionais que os preparem para resolver problemas cada vez mais complexos. Além de garantir o acesso à banda larga na escola, o professor precisa estar preparado para trabalhar com as ferramentas digitais - diferente de como aconteceu com o ensino remoto emergencial. 

Não se trata de criar uma nova demanda para os educadores. Mas, essas mudanças serão fundamentais para superar os impactos da pandemia. A escola precisa entender que todos aprendem, mas cada estudante tem um caminho e ritmo. Nessa nova configuração, não podemos pensar a Educação de forma linear e única, mas ela precisa ser personalizada. Dentro dessa transformação da forma de ensinar, também precisamos mudar como avaliamos os alunos. A escola do “tamanho único” ficou para trás.

Uma nova forma de educar para superar os impactos da pandemia
Como já coloquei em outras colunas, os educadores fizeram o que foi possível neste período. Eles não tinham a formação adequada para o ensino remoto, não tinham materiais nem conectividade necessária. No entanto, o esforço realizado garantiu o vínculo com a escola. Se não tivesse feito isso, o abandono escolar seria muito maior. Seria uma catástrofe.

Curso gratuito: acolhimento e segurança no retorno às aulas

Entenda como os gestores podem planejar o acolhimento emocional; a busca ativa (encontrar maneiras de trazer os alunos de volta à escola também é acolher); a organização para um retorno seguro, com todos os protocolos de higiene e saúde, e a garantia da aprendizagem.

Apesar disso, não podemos negar que tivemos uma queda drástica na aprendizagem - as primeiras avaliações estão mostrando isso. Para poder superar esse cenário, será necessário organizar um continuum curricular. Isso era algo que já discutimos em 2020. No entanto, quando fizemos a recomendação no CNE de um currículo contínuo entre 2020-2021, não imaginávamos uma segunda onda tão forte e que não teríamos aulas presenciais desde o início do ano letivo de 2021.

Com uma retomada presencial gradual no 2º semestre e com o uso de tecnologias a favor da aprendizagem, acreditamos que levará até 2023 para recuperar as aprendizagens que são essenciais para os alunos. No entanto, as redes de ensino precisam entender que não será possível fazer o mesmo que era realizado antes da pandemia. Devemos olhar para a qualidade dos conhecimentos e não a quantidade. Isto é, identificar quais são as habilidades e competências que os estudantes precisam desenvolver. Neste trabalho, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) será uma bússola extremamente importante

A tecnologia também será uma grande aliada, porque, em um cenário que as turmas terão diferentes níveis de conhecimento e cada aluno tem seu tempo, as ferramentas digitais poderão ajudar a que cada aluno possa evoluir respeitando o seu processo de aprendizagem. Essa estratégia deve estar associada ao projeto de vida como forma de estimular o estudante, pois verá que o trabalho se relaciona com aquilo que quer alcançar, com algo que faz sentido e é importante para ele. Isto é, para que se torne o que chamo de aluno de tempo integral - o que não é sinônimo de estar mais tempo na escola, mas que o jovem procure os conhecimentos e aprendizagens dentro e fora do horário de sala de aula. 

Todo esse trabalho articulado deve promover o desenvolvimento cognitivo e socioemocional dos alunos. A escola precisa articular e planejar essas estratégias para que todas as iniciativas estejam conectadas àquilo que o estudante precisa aprender. Mais uma vez, a BNCC será fundamental para nortear esse esforço. 

Outro ponto trazido pelo documento do CNE, é a questão de rever os critérios de promoção. Em 2020, recomendamos a aprovação de todos os alunos. Entendemos que era a medida necessária, pois os alunos estavam extremamente pressionados e, se a escola reprovasse, poderia gerar um aumento ainda maior na evasão. No entanto, entendemos que este ano precisamos rever essa estratégia. 

(Re)planejamento do segundo semestre de 2021

Entenda quais são os principais desafios e ponto de atenção para a volta às escolas no segundo semestre. Também conheça os aprendizados de quem já está atuando no contexto semipresencial com turmas do Fundamental 2.

Como fazer essa mudança na prática
A mudança não acontecerá em um passe de mágica. O planejamento será fundamental para não perder o foco, e permitir uma implementação gradual do chamado ensino híbrido para não perder a janela de oportunidade trazida pela pandemia. Com uma gestão escolar que lidere o processo — a partir das orientações e competências dos diretores escolares—, uma Base Nacional Comum de Formação Inicial e Continuada dos professores, a BNCC e um investimento em capacitação e recursos tecnológicos, os educadores terão as ferramentas necessárias para realizar essa mudança. Gradualmente, com esses elementos, será possível alcançar essa nova escola. Nesse processo de transição, a colaboração entre redes e sistemas de ensino também será fundamental. 

Não existe uma receita única. Cada secretaria de Educação e escola precisa entender, dentro de sua realidade, quais foram os impactos que a pandemia trouxe para os seus alunos e criar um calendário - levando em consideração essas transformações que apresentei no texto e que Maria Helena sintetizou no parecer. O documento que elaboramos no CNE busca dar um norte para pensar nessa nova escola, mas garantindo a autonomia das redes pensarem no planejamento no contexto de um continuum curricular.  

Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) – Ribeirão Preto. Engenheiro químico de formação, possui doutorado e pós-doutorado na área, além de grande trajetória no Ensino Superior. Foi professor, pró-reitor acadêmico e reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atualmente é membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna. Eleito pela Revista Época como uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil em 2008, também foi considerado Educador Internacional do Ano, em 2005, pela IBC Cambridge. Mozart atuou como secretário de Educação de Pernambuco, foi presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) e presidente-executivo do Todos Pela Educação. Também é autor dos títulos “Educação brasileira: uma agenda inadiável” e “Educação sustentável”.

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