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Professores iniciantes: como se preparar para a sala de aula?

Falta de receptividade, insegurança e descompasso entre teoria e realidade escolar são alguns dos desafios. Educadores experientes e especialistas falam como essas dificuldades podem ser superadas

POR:
Jonas Carvalho

Se o professor iniciante não receber nenhum tipo de apoio, a probabilidade de ele desistir da carreira é maior, explica especialista.

Foto: Getty Images

“Garoto, tu achas que tem competência e coragem para dar aula?”, ouviu Altamiro Marlon Ribeiro de uma diretora de escola em 1996. Na época, aos 19 anos, ele buscava uma instituição estadual em Joinville (SC) para ocupar uma vaga como docente temporário de Matemática para o Ensino Médio. O educador, que hoje leciona a disciplina na EEB Prof. Juracy Maria Brosig e integra o Time de Autores de planos de aulas da NOVA ESCOLA, lembra que a falta de estímulo é um dos problemas que afligem os professores iniciantes.

Naquela ocasião, após corrigir questões de provas deixadas sem o gabarito pelo antigo professor de Matemática, Altamiro superou a descrença da gestora escolar e iniciou a carreira docente. Porém o começo não foi fácil, especialmente em relação à gestão e aos colegas de profissão. “Quando eu estava começando, tinha pouco apoio. Hoje, sou concursado, mas há uma certa divisão nas escolas entre professores efetivos e temporários. Senti dificuldade nisso [na época] e aprendi a me virar sozinho.”

A falta de receptividade da gestão escolar e de outros educadores, a insegurança para atuar em sala de aula e o descompasso entre a teoria acadêmica e a realidade escolar são alguns dos desafios que podem ser enfrentados nesse começo – que tem o potencial de influenciar toda a trajetória docente.

“Se o professor não receber nenhum tipo de apoio, a probabilidade de ele desistir da carreira é maior, assim como a chance de ter experiências negativas que vão interferir em seu trabalho, em sua maneira de enxergar os alunos e a própria escola”, afirma Patrícia Albieri Almeida, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas (FCC) com foco em Políticas e Práticas da Educação Básica e Formação de Professores.

Ao mesmo tempo, o início também é um momento de grandes expectativas, de oportunidades de aprendizado e de realizações, o que também torna esse momento muito promissor.

Desafios de quem está no começo da carreira

Patrícia explica que pesquisas sobre o início docente definem esse momento como um período de sobrevivência e descoberta. “Ao sair da faculdade, há um impacto inicial com o enfrentamento de situações novas e desconhecidas, chamado de choque de realidade. Quando se depara com a complexidade da situação real de trabalho, o profissional percebe a distância entre o que era idealizado na formação inicial e a realidade da docência”, analisa.

Caso não se sinta preparado para enfrentar essa situação, o novo professor pode apresentar insegurança e falta de autoconfiança, o que prejudica o trabalho com os alunos. Por mais que docentes experientes também possam ter desafios, os professores iniciantes “estão mais vulneráveis à complexidade das exigências da vida escolar”, observa a pesquisadora.

Eliane de Siqueira, integrante do Time de Formadores da NOVA ESCOLA, que iniciou a carreira docente nos anos 1990 em aulas para os Anos Finais do Ensino Fundamental, lembra que sentiu pânico ao entrar em uma sala de aula pela primeira vez. “A mediação e o dia a dia, especialmente com estudantes mais velhos, são assustadores porque dependem de diversos fatores, como o equilíbrio emocional [do professor]”, aponta a formadora, que também atua na Secretaria de Educação de Guarulhos (SP).

“Há professores que chegam a uma escola e muitas vezes não sabem como planejar uma aula. Em alguns casos, eles até conseguem listar o que vão ensinar, mas não fazem um planejamento que tem como foco a aprendizagem da criança”, diz Eliane. Para ela, é importante contextualizar roteiros e planejamentos de aula com a turma e promover um processo de ensino e aprendizagem efetivo. “A faculdade não ensina isso ao professor”, opina.

A formadora acredita que os estágios deveriam contar com mais atividades práticas, pois apenas observar não ensina ao professor possibilidades para sanar dificuldades de aprendizagens. “[O professor] sai da faculdade com a cara e a coragem, vai brigar por atribuições de aula ou aprovações em concursos para só então começar a prática docente”, comenta. “Temos inúmeras teorias para falar sobre estrutura da Educação, legislação, recomposição de aprendizagens, entre outras. O desafio é conseguir colocar tudo em prática”.

Professor iniciante: um conceito recente no Brasil

O conceito de professor iniciante deve ser compreendido em um contexto de desenvolvimento profissional docente, afirma Patrícia Albieri Almeida, da FCC. A ideia de começo de carreira, inclusive, é recente. “Há duas décadas atrás nem se falava em professor iniciante aqui no Brasil, sendo que vários países contam com políticas públicas para esse estágio da docência”, explica a pesquisadora.

É o caso do Chile, por exemplo, onde os alunos da graduação vivenciam a prática escolar nos estágios e contam com professores mentores nas instituições. Experiências similares também ocorrem na França e nos Estados Unidos, de acordo com a especialista. “Há um trabalho de tutoria e de acompanhamento por parte de professores mais experientes, que dão assistência aos docentes em início de carreira assistindo a aulas, dando opiniões e promovendo encontros semanais para tirar dúvidas.”

Em alguns casos, há inclusive um processo de avaliação para os estudantes serem certificados como professores, assim como ocorre em carreiras como Medicina e Direito. “Isso faz uma grande diferença. Quando o professor começa a trabalhar sem trocar ideias e sem apoio, essa situação pode causar experiências ruins, reprodução de más práticas e desistência, o que impacta negativamente os alunos”, afirma a pesquisadora.

A importância da formação docente

“A gente tem de aprender a dar aula desde a graduação”, afirma professor. Foto: Getty Images

A formação inicial pode oferecer mais elementos para que o professor se sinta mais preparado e tenha mais ferramentas para lidar com o início de carreira. O pouco tempo nos cursos de licenciatura voltado à formação de professores é criticado por Altamiro. “Há uma carga horária grande para estudo do objeto específico, mas a formação é deixada de lado. Um amigo, que é formador, foi questionado durante uma atividade se os docentes aprendem a dar aula no mestrado ou no doutorado. A gente tem de aprender a dar aula desde a graduação”, opina.

Segundo o educador, o fato de a faculdade, muitas vezes, ficar restrita a aspectos técnicos e à aprovação é prejudicial para a prática docente e induz professores recém-formados a adotar o mesmo modelo em suas aulas. “Saímos da faculdade ‘bitolados’, porque lá muitas vezes é apenas aula, aula e prova. Se você precisa de um décimo para passar em uma disciplina, o professor [universitário] não dá e você terá de cursá-la novamente. É preciso desconstruir a lógica pedagógica da graduação, e isso pode levar anos.”

Mirtes Ramos dos Santos Melo, professora na Creche Municipal João Eugênio, no Recife (PE), e integrante do Time de Formadores da NOVA ESCOLA, também faz ressalvas à formação inicial dos professores. “Percebo que a velha ideia de Educação bancária ainda continua em determinadas faculdades e escolas”, ressalta.

O termo, cunhado pelo educador Paulo Freire, faz referência a uma visão de ensino na qual os alunos são vistos como depositários de conhecimentos, sem estímulo ao debate, à reflexão e ao seu protagonismo no processo de aprendizagem.

Dicas para professores iniciantes

Conhecer o perfil da turma

“O diagnóstico inicial é indispensável para conhecer a turma, o seu contexto e a influência da comunidade externa no desenvolvimento dos alunos”, avalia a formadora Eliane. Ela lembra que também é importante ir além de sondagens que avaliem, por exemplo, níveis de saberes.

“É preciso saber quem é o aluno, como ele se relaciona com os colegas e como é o apoio da família e olhar para ele como um ser único. Um grande equívoco é achar que um mesmo planejamento cabe para turmas diferentes”, reforça a educadora. Ela menciona ações como rodas de conversas como um dos recursos para fazer o diagnóstico. 

Ler documentos e relatórios e dialogar com professores que deram aula para aquela turma e com as famílias também ajudam quem está chegando a entender o perfil dos alunos. “A partir daí, o professor pode organizar o planejamento”, indica Mirtes.

O professor Altamiro, que também foi docente nos Anos Iniciais e Finais do Fundamental, conta que as diferenças das turmas entre as etapas também deve ser analisada, já que podem gerar surpresas no começo.

“Nos Anos Iniciais, os alunos podem apresentar comportamentos infantis ou mesmo interromper explicações para perguntar se podem apontar o lápis, por exemplo. Na transição entre Anos Iniciais e Anos Finais, há estudantes que ainda não têm a percepção do tempo de aula com o aumento da quantidade de disciplinas. Já no Ensino Médio, é preciso lidar com questões de comportamento e desinteresse. Isso ninguém me falou na faculdade, eu fui aprendendo com o tempo e com sensibilidade.”

Fazer um bom planejamento

Norteador das ações do professor, o planejamento de aulas deve ter como foco a aprendizagem e o desenvolvimento da turma, sem deixar de considerar especificidades de alunos que possuem diferentes tempos e ritmos de aprendizagem.

“Ao fazer o planejamento, são definidas estratégias a serem seguidas, mas é preciso entender que serão trilhados vários caminhos para se chegar ao objetivo final. Essa flexibilidade ajuda a respeitar processos cognitivos e a perceber avanços e dificuldades de um aluno em relação a ele mesmo”, comenta Eliane.

Altamiro ganhou confiança ao longo do tempo para lidar com as turmas graças à preparação e ao detalhamento do planejamento de aula. “O ponto principal para os alunos respeitarem os professores é mostrar que você está muito bem preparado e que domina o objeto de conhecimento que será ensinado. Não dá para ter a audácia de estar em uma sala sem saber o que fazer, pois isso afeta a credibilidade e desanda tudo.” Por isso, ele diz, é preciso pensar com detalhes o que fazer no começo, no meio e no final da aula.

Adaptar-se à realidade escolar

Na graduação, muitas vezes a experiência docente é projetada sobre um estudante ideal, que tem tudo o que precisa, uma família e todas as refeições necessárias, por exemplo. Mas nem sempre é isso que acontece. “O aluno real muitas vezes não tomou café da manhã nem almoçou antes de ir para a escola. Penso que os professores deveriam ser mais bem preparados na graduação para acolher esses estudantes, que são maioria em alguns lugares”, destaca Altamiro.

Outra questão que pode ser desafiadora é a falta de acesso a recursos na escola. Eliane acredita que eles potencializam a aprendizagem, mas lembra que também é necessário pensar na mediação pedagógica e no elemento humano da escola. “Salas menos cheias, lousas digitais e laboratórios, por exemplo, são facilitadores, mas não são determinantes para o aprendizado. O que faz a diferença é ter um profissional que está lá [pelos alunos] e com vontade de estar nesse lugar.”

Ter bom relacionamento com os colegas

Os colegas de profissão são grandes aliados de docentes recém-formados. Para Eliane, é essencial ouvir quem está há mais tempo na escola para entender aquele contexto. “Ao fazer isso, o novo professor não precisa reproduzir o que é feito, mas pode entender como é a comunidade escolar, o entorno e como usar esses elementos para modelar a própria prática pedagógica.”

Patrícia considera que quanto mais os professores têm acesso a informações sobre o que podem fazer e como trabalhar, mais ficam seguros. “O professor iniciante deve estar muito aberto a pedir ajuda, não ter vergonha nem achar que deve fazer tudo sozinho”.

A atuação de Altamiro para recepcionar e se relacionar com os novos professores é bem diferente daquela que presenciou ao ingressar em uma escola pela primeira vez. “Dou apoio, tiro dúvidas desde onde fica e como usar a biblioteca e os livros didáticos até como acontece o uso de recursos como a sala de informática. E jamais desmotivo os novos colegas. Quando comecei, escutei muitas vezes: ‘Desiste enquanto é tempo’. Isso é tão desmotivador que eu ficava até com raiva”, lembra.

Mirtes reforça que os professores que já estão na escola devem receber novos docentes de braços abertos, pois será possível trocar experiências e juntar saberes. “Quem acabou de chegar da faculdade está cheio de ideias e contribuições.”

O papel da gestão escolar no apoio aos professores iniciantes

Professores em começo de carreira devem se preparar e buscar aprimoramento, mas a gestão escolar também tem papel crucial para um bom início da vida docente. Coordenadores, orientadores, supervisores, assessores da direção e mesmo os diretores são fundamentais para apresentar a turma e os recursos da escola.

“As escolas e as redes de ensino precisam se conscientizar e fazer movimentos para receber bem professores iniciantes. É importante que a instituição designe um docente ou um grupo de professores para ajudar quem está chegando a obter informações sobre o funcionamento da escola”, salienta Patrícia. “Gestores, coordenadores e diretores têm responsabilidade pela recepção e devem garantir acolhimento e socialização profissional para que o novo docente não se sinta solitário.”

Segundo ela, enquanto a gestão escolar deve ser acolhedora, docentes iniciantes precisam ter humildade para tirar dúvidas e se inteirar sobre a rotina do espaço escolar e sobre o Projeto Político Pedagógico (PPP).

Para Eliane, a gestão escolar é essencial, já que é o alicerce de toda a organização da escola. Por isso, os professores novos precisam conversar com a equipe gestora. “Mesmo que cada integrante tenha papéis específicos na instituição, é fundamental que todos possam se unir em torno de um objetivo comum: a qualidade da Educação. A busca por esse objetivo fortalece vínculos em prol de um trabalho de qualidade na escola.”

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