Trabalho em grupo: entenda a sua importância e como promovê-lo na escola
Atividades colaborativas incentivam a autonomia e o protagonismo dos alunos e o desenvolvimento de habilidades socioemocionais
POR: Dimítria Coutinho“Tudo o que a gente aprende é sempre na relação com o outro.” Essa é a frase usada por Ana Maria de Aragão, professora do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para definir a importância do trabalho em grupo nas escolas.
Em contato uns com os outros, crianças e adolescentes podem se ouvir, trocar ideias e perceber novas formas de produzir conhecimento, o que é fundamental para o desenvolvimento cognitivo. “Essa troca pode fazer com que o aluno pare e pense sobre aquele objeto de conhecimento, e tenha reflexões como: ‘Nossa, isso pode ser resolvido dessa forma também’”, exemplifica a docente.
“As crianças – e todos nós – aprendem muito mais na ação, e os trabalhos em grupo propiciam uma aprendizagem ativa, garantindo que o aluno se torne protagonista nesse processo”, acrescenta Ana Cecilia Dias, mestra em Educação e formadora de professores da NOVA ESCOLA.
Trabalho em grupo e habilidades socioemocionais
A importância das atividades em grupo não se limitam à melhoria da aprendizagem. O próprio ato de trabalhar em grupo é um ensinamento que será levado para toda a vida. Na fase adulta, precisamos com frequência realizar atividades colaborativas com as mais diversas pessoas, e isso pode ser aprendido ainda na infância.
Essas atividades permitem também o desenvolvimento de habilidades relacionadas à convivência e ao âmbito socioemocional, como:
- tomar decisões;
- ouvir o outro;
- cooperar;
- ter empatia e respeito;
- expor ideias;
- testar hipóteses;
- ter autoconfiança;
- ter autorregulação;
- argumentar.
Competências como essas se mostram ainda mais necessárias no período atual, depois de crianças e adolescentes terem passado pelo isolamento social e pelo ensino remoto devido à pandemia de Covid-19. É comum que, neste momento, muitos estejam mais retraídos ou enfrentando questões emocionais, e a convivência em grupo pode ajudar.
“Como os estudantes passaram um grande período fora da escola, as experiências de trabalho em grupos com os colegas não aconteceram”, afirma Sidecleia
dos Anjos, educadora e integrante do Time de Formadores da NOVA ESCOLA. “Por isso, em um contexto de recomposição das aprendizagens, intensificar essas ações ajuda no desenvolvimento de habilidades para trabalharem em grupo e garantir mais aprendizado”, acrescenta a especialista.
Ana Maria destaca que uma habilidade muito importante para as crianças e os adolescentes que o trabalho em grupo pode ajudar a desenvolver é a comunicação não violenta. “Na internet, quando eles não gostam de alguém, eles simplesmente vão lá e cancelam essa pessoa. Ao vivo e a cores, isso é mais difícil de acontecer. Então, eles têm de aprender a se comunicar e a ouvir a opinião do outro, não para derrubar uma ideia, mas para acrescentar algo aos argumentos”, comenta a especialista.
Atividades em grupo e a BNCC
Competências e direitos de aprendizagem propostos pela Base relacionam-se com trabalhos em grupo
Os trabalhos em grupo possibilitam o desenvolvimento não só de habilidades específicas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – que variam de acordo com a atividade proposta pelo professor e o componente curricular –, mas também de competências gerais que integram o documento.
A Base prevê, em toda a Educação Básica, o desenvolvimento de dez competências gerais. Grande parte delas pode ser promovida a partir de trabalhos em grupo, como:
- pensamento científico, crítico e criativo;
- comunicação;
- argumentação;
- autoconhecimento e autocuidado;
- empatia e cooperação.
Ainda sob o olhar da BNCC, também é possível pensar na garantia de direitos de aprendizagem da Educação Infantil. A Base considera seis direitos básicos, e alguns se relacionam diretamente com atividades em grupo, como conviver, brincar, participar e expressar-se.
Planejando trabalhos em grupo
Apesar de ser uma estratégia muito importante, as atividades em grupo não atingem seus objetivos por si só. É necessário que o professor se planeje para garantir a intencionalidade pedagógica.
Para isso, o educador deve conhecer muito bem a turma e os diferentes perfis que existem na sala, tanto do ponto de vista da aprendizagem – os alunos que estão mais avançados e os que precisam recompor aprendizagens – quanto da perspectiva da diversidade de aptidões – os estudantes que são líderes naturais e os que se comunicam melhor, por exemplo.
Depois, é interessante pensar na proposta a ser feita. Para trabalhos em grupo, é importante que a atividade traga um desafio, como a necessidade de resolver um problema, e não seja uma sugestão muito fechada. A ideia é que os estudantes se engajem para, juntos, encontrarem soluções.
Nesse sentido, pode haver algumas diferenças a depender das etapas de ensino. Sidecleia afirma que alunos de diferentes faixas etárias são capazes de desenvolver atividades em parceria com colegas e que todos têm condição de exercer papéis operacionais nesses grupos.
Especificidades de cada etapa de ensino
Existem, porém, algumas particularidades. Na Educação Infantil, o professor precisa estabelecer combinados com as crianças porque elas ainda não têm autonomia para se organizarem. “Mas o objetivo de trabalhar em grupo é justamente aprender a fazer esse gerenciamento para que consigam realizar isso sem conflitos quando chegarem às etapas de ensino seguintes”, ressalta Sidecleia.
Tanto na Educação Infantil quanto nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, os professores geralmente têm de explicar as tarefas e dar instruções antes do trabalho em grupo começar. Já nos Anos Finais do Fundamental e no Ensino Médio, quando os estudantes têm mais autonomia, os docentes podem entregar uma ficha da atividade e deixar que os alunos executem toda a tarefa sozinhos, sendo o professor um observador e um mediador quando necessário.
Outra diferença entre as etapas de ensino apontada por Ana Cecilia é que, na Educação Infantil, o trabalho em grupo acontece de forma mais natural, já que as crianças brincam e aprendem o tempo todo na interação com as outras. Nas demais etapas, os professores têm de colocar um esforço extra para estimular esse tipo de atividade, não se deixando levar apenas pelas aulas expositivas.
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Como formar os agrupamentos
Um dos aspectos mais importantes do trabalho em grupo é a maneira de organizar os agrupamentos. As especialistas aconselham que, em turmas que ainda não estão acostumadas a esse tipo de atividade, sejam elas de qualquer etapa de ensino, o professor pense, primeiro, em outras formas de interação para que os estudantes se habituem com esse tipo de colaboração.
Ana Cecilia recomenda, por exemplo, a promoção de atividades nas quais os alunos possam interagir, se conhecendo mais e se reconhecendo enquanto um grande grupo da turma. Outra ideia, sugerida por Ana Maria, é promover primeiro trabalhos em duplas, e depois em trios, para só então desenvolver atividades em grupos de quatro ou cinco pessoas.
A forma de dividir os alunos em grupos deve ser concebida já no planejamento. Nesse sentido, entra o conceito de agrupamentos produtivos, em que todos os membros se ajudam e aprendem, organizados a partir da observação do educador a respeito do potencial que existe de colaboração.
Sidecleia explica que o professor deve planejar a divisão desses agrupamentos produtivos de acordo com a intencionalidade pedagógica e a atividade proposta. Em alguns casos, pode ser interessante reunir alunos com níveis de aprendizagem similares; em outros, juntar estudantes de diferentes níveis.
A formadora dá um exemplo: se o professor quer que os alunos resolvam uma operação matemática, é mais interessante agrupá-los por níveis semelhantes de conhecimento, para que pensem juntos em como alcançar a solução – sem que um deles chegue ao resultado primeiro por estar em um nível mais avançado.
Já em uma proposta na qual os estudantes precisam produzir um texto a partir de uma pesquisa sobre determinado tema, faz sentido juntar um aluno que já sabe escrever com outro que ainda não sabe. Nesse caso, ambos conseguirão fazer a pesquisa, e, na hora de redigir o texto, o que está em nível menos avançado poderá aprender com o que está em nível mais avançado – que, por sua vez, pode colaborar ditando o texto ou relembrando aspectos importantes do tema que o colega esqueceu.
Papéis operacionais e diversidade
É importante lembrar, também, que há papéis operacionais a serem executados dentro de cada grupo. Assim, nem sempre o professor precisa determiná-los, mas é necessário garantir que haja rotatividade entre eles. Se um aluno tem dificuldade de se comunicar, por exemplo, pode ser interessante desafiá-lo a ser a pessoa que vai apresentar a atividade para a turma. Se outro é sempre o líder, ele pode executar outra tarefa de vez em quando. “Uma das finalidades do trabalho em grupo é romper com as hierarquias. Um é bom em desenhar, outro em desenhar ou falar”, explica Sidecleia. “Se ajudarmos os estudantes a definir papéis operacionais, inclusive mudando as pessoas de papel com frequência, todos podem desenvolver novas habilidades”, acrescenta.
Outra orientação na hora de montar os grupos é quebrar as “panelinhas”. “Na minha vida, eu preciso aprender a trabalhar com pessoas das quais eu não gosto ou que tenho dificuldade de ouvir, porque o princípio básico do grupo é o respeito pelo outro”, salienta Ana Maria.
Atividades em grupo na sala de aula
Marcela Saramela, professora do 4º ano na EM Jael Da Silva Barradas, em Boa Vista (RR), costuma desenvolver atividades em grupo com seus estudantes. Ela, que acompanha a turma desde o ano passado, percebe que os alunos desenvolveram, ao longo do tempo, habilidades importantes de cooperação e respeito.
“No momento da atividade, eles trocam conhecimentos e experiências, e eu vejo muito um incentivando o outro”, conta a professora. Ao formar os grupos, ela busca incentivar a autonomia e o protagonismo dos alunos, permitindo que eles façam as divisões, mas vai mediando as escolhas para quebrar “panelinhas” e garantir que estudantes com aptidões diferentes trabalhem juntos.
Na hora em que a atividade está acontecendo, o papel de Marcela é fazer mediações. Ela costuma intervir quando a socialização entre os membros do grupo não está boa ou um dos estudantes não está executando o papel que lhe foi proposto – seja por falta de participação ou porque os colegas não estão deixando.
Nesses momentos, a estratégia da professora é sempre ressaltar as melhores habilidades de cada aluno, seja com a escrita, com o desenho ou com a comunicação, fazendo com que os estudantes percebam que todos têm algo com que contribuir, cada um à sua maneira.
A importância da mediação
Para fazer mediações como as citadas por Marcela, é essencial que os professores estejam atentos aos estudantes no momento em que as atividades estão sendo realizadas. Os educadores podem se fazer algumas perguntas ao observar a sala para entender se é necessário intervir. Por exemplo:
- Participação: todos os alunos estão participando? Eles estão interagindo entre si?
- Respeito: os estudantes estão deixando os colegas se expressarem? Há alguma situação de conflito?
- Papéis: os alunos estão desempenhando os papéis que deveriam? Todos estão contribuindo para a realização do trabalho?
- Missão: está claro o que deve ser feito? Os estudantes entenderam a atividade?
Ao intervir, o professor deve ter cuidado para não acabar interferindo no processo de construção de conhecimento dos alunos, dando respostas ou indicando caminhos tidos como corretos.
“As intervenções devem ser feitas a partir de questionamentos, para que os estudantes cheguem à resposta ou para que eles possam rever o percurso e escolher outras alternativas”, considera Ana Cecilia. “Essa mediação do professor vai permitir que as crianças avancem, que utilizem o conhecimento que já possuem, reflitam sobre o que estão fazendo e o que estão alcançando até o momento, entendendo a necessidade de replanejamento.”
A pesquisa guiando a aprendizagem
Conheça uma escola que adotou os trabalhos em grupo como método em todos os anos e componentes curriculares
Na EMEF Infante Dom Henrique, conhecida como Espaço de Bitita, em São Paulo (SP), os trabalhos em grupo não são o projeto de um professor ou de uma aula, mas sim de toda a escola.
Por lá, a aprendizagem se dá de forma interdisciplinar, e os alunos sempre estão reunidos em grupos que misturam diversas faixas etárias. Com roteiros de pesquisa elaborados pelos professores em mãos, os estudantes transitam livremente pela escola, escolhendo onde e com quem vão desenvolver as atividades.
Situada na chamada região da Cracolândia, a escola recebe muitos alunos em situação de vulnerabilidade social, além de estudantes de diversas nacionalidades, muitos deles refugiados. “Trabalhar em grupos minimiza as dificuldades que eles enfrentam. Eles conseguem desenvolver o respeito mútuo, a valorização da criatividade e o reconhecimento das diferenças”, afirma Rodrigo Baglini, professor de Educação Digital e Geografia na unidade.
Consultoria pedagógica: Sidecleia dos Anjos, educadora e membro do Time de Formadores da NOVA ESCOLA.
Esta reportagem faz parte do Especial Estratégias de Aprendizagem. Confira aqui os demais conteúdos.
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