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BNCC Computação: conheça o documento que orienta como levar tecnologia à sala de aula

Complemento à Base garante direitos de aprendizagem relacionados ao uso crítico de ferramentas digitais; teste seus conhecimentos sobre o tema

POR:
Dimítria Coutinho
A aproximação das crianças com tecnologia pode acontecer desde a Educação Infantil, a BNCC de Computação, complemento da BNCC lançado em 2022, traz orientações para todas as etapas da Educação Básica. Foto: Divulgação/ Daniel Guimarães/SME-SP

Uma em cada cinco redes municipais de ensino (21%) ainda não ofertam o ensino de tecnologia e computação nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, de acordo com pesquisa publicada no ano passado pelo Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), a Fundação Telefônica Vivo e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Nos Anos Finais, essa taxa cai para 17%; na Educação Infantil, 37% das redes não têm a temática em seus currículos.

Os dados apontam para um cenário diferente do almejado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), do Ministério da Educação (MEC). Desde outubro de 2023, todas as redes de ensino deveriam ter seus currículos adaptados com habilidades relacionadas à computação. Nesta data completou-se o prazo de um ano após a publicação de um parecer do CNE que instituiu um complemento à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelecendo as normas para o ensino da computação na Educação Básica. O documento ficou conhecido como

BNCC Computação.

“Hoje, a computação deveria estar presente em todas as escolas do nosso país, mas muitas, infelizmente, sequer têm conhecimento de que essa normativa existe", lamenta Rozelma França, professora do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco e uma das acadêmicas envolvidas na elaboração da BNCC Computação.
Diante da baixa adesão às habilidades propostas no documento, o MEC vem realizando uma série de seminários e oficinas sobre o tema “para mapear práticas vigentes e cocriar um material de orientação para as redes, que será publicado no segundo semestre de 2024”, segundo nota enviada à reportagem. Este ano, o ministério levanta informações sobre o cenário das redes quanto à adaptação dos currículos à BNCC Computação e, no próximo, poderá estabelecer critérios para transformá-la em condição para o recebimento do Valor Aluno Ano Resultado (VAAR), um dos componentes do Fundeb.

O que é a BNCC Computação?

O complemento que trata do ensino da computação chegou em outubro de 2022, quase cinco anos depois da homologação da BNCC. O documento é fruto de anos de discussões e estudos realizados por diversos setores da sociedade civil, incluindo professores de universidades, sociedades científicas e redes públicas e privadas.

O resultado foi um guia de 75 páginas, que traz habilidades obrigatórias para todas as etapas da Educação Básica. Os temas tratados se referem a fundamentos básicos da ciência da computação, portanto o complemento é quase atemporal, já que esses princípios acompanham a evolução das tecnologias.

Os conteúdos estão divididos em três eixos:

  • Pensamento computacional: aborda o raciocínio lógico e a construção de soluções para os mais diversos problemas. As habilidades referentes a esse eixo incluem a descrição de processos, organização e sistematização de informações, entre outros.
  • Mundo digital: trata da compreensão do mundo digital, com habilidades relacionadas ao funcionamento técnico da internet, das redes, da computação em nuvem e de diversos outros elementos do universo virtual.

Cultura digital: eixo relacionado às discussões políticas, éticas e sociais que envolvem o uso das tecnologias.

A estrutura da BNCC Computação

Diferentemente da BNCC completa, ela traz, além das habilidades obrigatórias, explicações e exemplos práticos. Nesse sentido, o complemento tem um formato bastante didático, define Rozelma. A especialista aconselha professores que estão tendo contato com a BNCC Computação pela primeira vez a começarem justamente pela leitura dessas explicações. 

“Elas revelam o que se espera que seja trabalhado na Educação Básica. Se a pessoa não for da área da computação, pode fazer uma leitura daquela habilidade de uma forma equivocada, ou achar que é complexo demais o que está proposto ali, mas quando a gente olha para a explicação da habilidade, acaba entendendo”, afirma.

Na Educação Infantil, a BNCC Computação se estrutura em quatro premissas básicas do trabalho com a educação digital. Essas premissas se relacionam com os campos de experiência dessa etapa de ensino e com a ludicidade. Na hora de descrever as habilidades, o documento traz, em cada uma delas, o eixo, o objetivo de aprendizagem e exemplos práticos. Veja no print abaixo:

Exemplo de objetivo de aprendizagem para a Educação Infantil, que pode ser encontrada na página 4, da BNCC de Computação. Crédito: Reprodução

Já no Ensino Fundamental, o complemento traz sete competências, a partir das quais as habilidades são destrinchadas em uma estrutura que conta com eixo, objeto de conhecimento, habilidade, explicação da habilidade e exemplos. Visualize um exemplo a seguir: 

Exemplo de habilidade para o 1º ano do Ensino Fundamental, que pode ser encontrada na página 14, da BNCC de Computação. Crédito: Reprodução

Na Educação Infantil e Anos Anos iniciais do Ensino Fundamental, a BNCC Computação traz o conceito de “computação desplugada”, que prevê o desenvolvimento de habilidades ligadas à educação digital mesmo sem o uso de ferramentas tecnológicas. Essas habilidades são introdutórias, e permitem que o conceito de computação se expanda para além do uso e da criação de artefatos digitais, alcançando também a ideia de que o tema tem a ver com raciocínio lógico e resolução de problemas.

No Ensino Médio, assim como no Fundamental, também são sete competências, mas como algumas habilidades tratam de mais de um eixo, o documento está disposto em competência específica, habilidade, explicação da habilidade e exemplos. Acompanhe no recorte abaixo, extraído do guia:

Exemplo de competências e habilidades para o Ensino Médio que pode ser encontrada na página 64, da BNCC de Computação. Crédito: Reprodução

Trabalho específico ou interdisciplinar?

As habilidades propostas pela BNCC Computação podem ser abordadas tanto em um componente curricular específico quanto de forma transversal. As duas formas são possíveis e variam de acordo com o contexto de cada rede de ensino, segundo o MEC, que afirma “é importante ressaltar que o documento não é opcional, é direito de aprendizagem, portanto, a incorporação dessas competências no currículo e as práticas pedagógicas para a aprendizagem desses tópicos curriculares são obrigatórios para todas as redes, públicas e privadas”.

Em Sobral (CE), a opção foi por adotar a educação digital de forma transversal. A rede municipal já utilizava tecnologias e seus fundamentos em aulas de Matemática e Língua Portuguesa, mas sentiu a necessidade de abordar o tema também no currículo de Ciências. Foi assim que surgiu o currículo IDEIA (acrônimo para Invenção, Descoberta, Investigação e Aprendizado), adotado no Ensino Fundamental.

“Passamos a incorporar, dentro das nossas formações continuadas, práticas com duplo foco, tanto para trabalhar o conteúdo de sala de aula - de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências - quanto para abordar as habilidades digitais com uso da infraestrutura tecnológica. Essas ações são voltadas para desenvolver o pensamento crítico e fortalecer o uso das tecnologias digitais”, conta Herbert Lima, secretário de Educação de Sobral.

Outro caminho é o da cidade de São Paulo, que desenhou um currículo específico de tecnologia, fora de qualquer outro componente curricular. A rede municipal trabalha com o tema há 30 anos, em uma estrutura que foi amadurecendo ao longo do tempo. Hoje, são ofertadas aos estudantes aulas semanais ministradas por professores das mais diversas áreas de conhecimento que se candidatam e são capacitados para o cargo.

Regina Gavassa, coordenadora de tecnologias para aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, explica que, por mais que o trabalho seja específico de produção de tecnologia no laboratório, “os estudantes mobilizam conteúdos de artes, de matemática ou de geometria, só para citar alguns exemplos”. Apesar de haver um o currículo específico, Regina explica que todos os professores da rede são incentivados a trabalhar com ferramentas e conteúdos tecnológicos.

Rozelma ressalta que os fundamentos da ciência da computação estão diretamente relacionados à resolução de problemas e, portanto, mesmo que haja uma aula específica de computação, docentes de todos os componentes curriculares podem se beneficiar da BNCC Computação.

Professor mão na massa

Independentemente da área de conhecimento, para se apropriar da BNCC Computação e levar a temática para a sala de aula, os professores precisam ter um perfil “mão na massa” e muita vontade de aprender, afirmam os especialistas.

Audaci Maria de Lima, que hoje atua na equipe técnica da rede municipal de Recife, lecionou por anos como professora de tecnologia. Ela conta que, inicialmente, aproveitou todas as formações que a rede oferecia sobre o tema; depois, começou a se especializar por conta própria, procurando cursos relacionados à educação digital. “Nós, professores, temos que ter essa disponibilidade para aprender, precisamos estar ligados nas demandas contemporâneas e dos nossos estudantes.” Além disso, ela reforça que, para levar a educação digital para a sala de aula, é preciso ser crítico e criativo.

Para Herbert e Regina, essa vontade de aprender não é somente o primeiro passo, mas também um grande desafio para as redes, que precisam sensibilizar os docentes sobre a importância do tema. “Quebramos um pouco essa resistência por meio da capacitação, mostrando que o uso de tecnologias é um foco, não uma distração. Ao contrário do que se pensa, não há perda de priorização sobre aprendizagem, desenvolvimento cognitivo e conteúdo”, afirma Herbert.

No geral, os professores que querem se aprofundar na BNCC Computação precisam ser:

  • Críticos, para abordar habilidades digitais sempre de forma relacionada às demandas sociais;
  • Criativos, para trazerem os conceitos de forma atraente para os estudantes;
  • Estudiosos, para entenderem ao menos o básico sobre ferramentas tecnológicas e sempre se atualizarem sobre o tema.

Do lado das redes, a formação é um dos maiores desafios para garantir o ensino da computação. “Manter os professores atualizados não é tranquilo”, afirma Regina. Herbert aponta que esse aspecto é ainda mais desafiador do que garantir infraestrutura em todas as escolas. “Tem que ter conectividade, equipamento, software. Mas, no meu modo de compreender, isso não é o mais relevante. Não é a tecnologia pela tecnologia. As ferramentas são importantes, mas são para complementar e potencializar o trabalho pedagógico do professor que está em sala de aula. ”, afirma o secretário.

Para inovar em sala de aula e ensinar tecnologia aos estudantes, o primeiro passo é conhecer a BNCC Computação. A seguir, complete o quiz interativo para descobrir se você está por dentro do documento!