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“Temos de ensinar as crianças a questionar desde que elas aprendem a ler”

Para combater as notícias falsas, a professora norte-americana Esther Wojcick defende que as escolas desenvolvam o pensamento crítico dos estudantes desde pequenos

POR:
Laís Semis
“As crianças têm que saber que precisam questionar, ter suspeitas e saber em que fontes procurar informações”, diz a professora Esther Wojcicki  Ilustração: Getty Images

“Há uns 20 anos, tudo o que estava publicado era aceito como tendo credibilidade”, afirma a educadora norte-americana Esther Wojcick. Esse, defende ela, é um dos problemas que hoje levam milhões de pessoas a se tornarem mais propensos a cair nas fake news, as notícias falsas. “As pessoas acreditam simplesmente porque está escrito”, diz ela. “Mas o fato é que hoje é muito fácil publicar textos online: leva apenas alguns segundos para publicar algo no Twitter ou Facebook”.

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Desde 1984, Esther dá aulas de Língua Inglesa e Jornalismo no Ensino Médio em uma escola pública da Califórnia, Palo Alto High School Media Arts Center. Nesse colégio, ela ensina aos jovens como debater suas ideias e incentiva sua autonomia e senso crítico. O modelo foi "testado" inicialmente com suas filhas, a quem incentivou a pensarem por si próprias (uma delas se tornou diretora executiva do YouTube). Sua carreira como professora soma quase 50 anos - e durante esse período foi primordial se manter aberta para o novo. Com a ascensão midiática das notícias falsas, o seu trabalho começou a chamar mais atenção por ter sempre se fundamentado em fazer os alunos pensar e desenvolver pensamento crítica. “Muitas notícias são apenas para caçar cliques”, avisa. Ela falou sobre essa experiência durante sua palestra sobre fake news na Amcham, em São Paulo, e respondeu também a questões específicas de NOVA ESCOLA.

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Esther Wojcicki cita fatos ocorridos durante a última campanha presidencial nos Estados Unidos para mostrar como as notícias falsas foram usadas para manipular parcelas do eleitorado e para ganhar cliques. Ela cita que, logo no início da candidatura de Donald Trump, foi veiculado que o Papa Francisco apoiava o empresário, até então mais conhecido por seu papel no reality show “O Aprendiz”. Algum tempo depois, surgiu a notícia de que o papa apoiava mesmo era a candidata da oposição, Hillary Clinton. “E, na verdade, o Papa Francisco não estava apoiando ninguém”, explica Esther.

Além da crença de que tudo que está publicado é confiável, ainda há a falta de compreensão sobre os diferentes gêneros textuais. “Muitas das pessoas que leem jornal não sabem a diferença entre reportagem e artigo de opinião”, diz. Esse fator induz ao erro de pensar que determinada opinião – mesmo advinda de uma fonte confiável – se trata de uma verdade factual. “Não é uma notícia falsa. Todos têm direito de ter uma opinião. Mas é só a opinião de alguém sobre algo”, diferencia.

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Esther acredita que a Educação tem um papel muito importante para enfrentar as notícias falsas, que ganharam relevância nas redes sociais. Para ela, se o tema fizesse parte do currículo dos estudantes, quando chegassem à vida adulta não teriam problemas em identificar o que estão lendo. “As crianças têm que saber que precisam questionar, ter suspeitas e saber em que fontes procurar informações”, defende. “Não importa se eles têm 10 anos. Temos que ensiná-los a questionar o que leem desde que aprendem a ler”.

Mas não são apenas as crianças e jovens que estão propensos a se deixar levar pelo que leem. “Perdemos milhões de pessoas pelo mundo nesse processo. Pessoas que leem algo e acreditam naquilo. Agora nós também precisamos ensinar os adultos a lidar com isso”, afirma a professora.

Esther Wojcick durante o “Education Lunch – Fake news”, realizado pela Amcham, em São Paulo   Foto: Mario Miranda

O papel da escola contra as notícias falsas

Esther aponta que há um descompasso entre a Educação praticada pela escola – que ainda está muito conectada ao século 20 – e a Educação que o mundo de hoje exige para lidar com todas as informações e possibilidades propiciadas pela tecnologia. “Precisamos mudar o modo como ensinamos porque o jeito de aprender mudou”, pontua. Segundo ela, um exemplo claro está no fato de muitas escolas e professores ainda insistem na “decoreba”.  “Atualmente, 80% do tempo em sala de aula é gasto com o velho esquema do professor palestrando lá na frente. Em apenas 20% do tempo, deixamos as crianças tentarem por elas mesmas”, estima. Os alunos decoram conteúdos para as provas, mas depois acabam esquecendo a maior parte do que estudaram. Isso porque toda essa – e qualquer outra – informação está disponível a um clique de distância em seus celulares, tablets e computadores.

Esther Wojcicki fala sobre fake news durante o Education Lunch, iniciativa da Amcham para debater a propagação de notícias falsas e o que a Educação pode fazer para ajudar   Foto: Mario Miranda/Amcham 

Para traçar um paralelo sobre como não é possível retroceder para uma escola e alunos do passado, Esther relembra que nos anos 1980 havia um movimento nos Estados Unidos para banir os carros, que eram considerados perigosos. “Hoje, esse movimento é contra os celulares em sala de aula”, cita. Sua previsão pode não ser a mais confortável e positiva para alguns educadores, mas é bem realista: tudo é novo e vai continuar sendo, cada vez mais. E é exatamente por isso que os educadores precisam não somente se preparar, mas preparar seus alunos para esse mundo em que a mudança é constante. “Ao invés de banir os celulares, que tal ensinar as crianças a usá-los?”, provoca a professora americana.

A dinâmica de decorar e pedir que os estudantes sigam instruções não atende às necessidades do século 21. “Nós estamos ensinando crianças a serem trabalhadores de fábrica ao pedirmos que sigam instruções”, considera. “Hoje, no mundo do trabalho, nós queremos pessoas que pensem e que tenham boas habilidades socioemocionais. E, se você as tem, também pode seguir instruções em qualquer área”.

O que a escola poderia fazer para mudar

Diferentemente do que acontece na maioria dos casos, uma das formas mais efetivas de ensinar seria o professor falar um pouco sobre o tema e, depois, partir para alguma atividade relacionada, em que o aluno fosse protagonista da sua própria aprendizagem e não um mero ouvinte. “Que seja um aprendizado autodirigido no qual ele realmente se importe com o que está fazendo”, defende Esther. O modelo também está ligado ao desenvolvimento do pensamento crítico ao empoderar os alunos e fazê-los mais confiantes. “Eles não são empoderados. Dessa forma, eles não podem mudar o futuro, apenas seguir a estrutura”. Sua sugestão para a transição de um novo modelo de aprendizagem é que os estudantes deixem de estar no controle em apenas 20% do tempo e passem a estar em 80%. “Nos outros 20%, nós professores, continuamos fazendo o que fazemos hoje”, diz.

Outra chave para o desenvolvimento tanto do pensamento crítico como da autoconfiança para explorar novos caminhos e expressar opiniões seria trabalhar na escola valores como confiança, respeito, independência, colaboração e bondade. “Se você confia em si mesmo e as pessoas também confiam em você, você se sente mais disposto a correr risco e fazer perguntas”, exemplifica a professora. O mesmo não acontece quando se está condicionado a seguir apenas as instruções dispostas.

O aprendizado autodirigido, diz Esther, é como um carro ou um apartamento alugado versus seu próprio carro ou apartamento: o cuidado e a importância dada ao que é seu, é diferente. “O professor é uma peça importante para deixar os jovens livres para explorar o mundo e encontrar suas próprias paixões”, diz. Assim, se os alunos tiverem experiências em que são mais ativos dentro de seu aprendizado, esse aprendizado pode também ser mais significativo.

Como exemplo do que os estudantes são capazes, Esther cita um dos projetos desenvolvidos pela escola de Ensino Médio em que trabalha. Os alunos participam de maneira colaborativa da criação de um jornal periódico. Eles passam por todo o ciclo de construção do produto: de pensar o conteúdo até a venda de publicidade para que o projeto seja sustentável. “Não é que nós temos crianças mais inteligentes. Nós só damos oportunidades para que possam criar”, afirma. Todos os textos são feitos na ferramenta Google Docs. “Assim eu posso acompanhar o que estão produzindo. Depois, eles vendem publicidade, fazendo o ciclo completo do produto”.

Como professora e jornalista, Esther Wojcicki diz que o processo jornalístico pode ensinar muito aos alunos. “Acho que o jornalismo é a chave porque as crianças precisam saber o que é uma notícia, o que é uma suposição e o que é um artigo de opinião”, diz. Seis premissas que compõe o projeto “E.S.C.A.P.E. Junk News” (em tradução livre, “Fuja das notícias lixo”), são fundamentais para qualquer um que questiona a leitura de um conteúdo:

1. Evidência: os fatos se sustentam? Procure por informações que você pode verificar, como nomes, números, lugares e documentos.

2. Fonte: quem escreveu isso? Nós podemos confiar em quem escreveu esse conteúdo? Identifique quem produziu a história, como autores, nome da publicação/veículo e de seus fundadores, usuários de mídias sociais.

3. Contexto: qual é o cenário geral da notícia? Considere se o que está escrito traz um panorama completo da história e pese outras forças em torno daquele fato, como acontecimentos atuais, tendências culturais, objetivos políticos e pressões financeiras.

4. Audiência: qual é a audiência pretendida? Preste atenção aos apelos a grupos específicos ou pessoas. Analise itens como escolha de imagens, técnicas de apresentação, linguagem e conteúdo.

5. Propósito: por que isso foi escrito? Procure por pistas de motivação para a produção daquele conteúdo. Observe fatores como a missão da publicação em que o texto está sendo veiculado, linguagem ou uso de imagens persuasivas, técnicas para fazer dinheiro (o famoso sensacionalismo por caça-cliques) e bandeiras declaradas ou não declaradas.

6. Execução: como as informações estão sendo apresentadas? Considere a forma como as informações apresentadas afetam seu impacto. Observe o estilo de texto, gramática, tom, escolha de imagens, posicionamento e layout.

Atenção, professores de Línguas Estrangeiras

O pôster com as seis premissas do projeto “E.S.C.A.P.E. Junk News”, para auxiliar na leitura crítica de uma notícia, está disponível em inglês, espanhol e francês. Infelizmente, ainda não está disponível em português. Mas nós traduzimos (no tópico “O que a escola poderia fazer para mudar o cenário”) para que vocês possam conhecer e pensar sobre essas premissas. O próprio site do ESCAPE traz sugestões de atividades para usar em sala de aula e informações úteis para formação sobre o tema. Confira o banco de atividades completo aqui (em inglês).

Checando informações

Alguns sites têm se prontificado a fazer esse trabalho de averiguação de veracidade das notícias polêmicas que circulam pelo mundo. Um exemplo é o site americano SNOPES. O projeto começou em 1994 pesquisando lendas urbanas e se tornou um dos principais veículos para checagem de boatos que circulam pela internet. Por ser um site americano, é mais fácil encontrar checagens de informações internacionais, como o caso do apoio político do Papa nas últimas eleições dos Estados Unidos. Mas uma rápida pesquisa por palavras chaves em inglês dá uma dimensão do número de notícias falsas que circulam pela internet (tente buscar por termos como “Pope”, que significa Papa, ou Donald Trump, por exemplo).

NOVA ESCOLA, em parceria com o Aos Fatos, também tem pautado a checagem de informações com o projeto “Mentira na Educação, não!”. A proposta da campanha é verificar se declarações, boatos e notícias na área de Educação procedem ou não. A série foi iniciada com o acompanhamento das promessas políticas dos principais gestores públicos do país. Confira alguns dos conteúdos já publicados:

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