Sala de Aula | Língua Portuguesa

Tirinhas: traga o humor para as aulas de Língua Portuguesa

Em um mundo multiplataforma, o gênero que une linguagens verbal e não verbal nunca fez tanto sentido na escola

POR:
Anna Rachel Ferreira

Tirinha de João Montanaro para a revista Recreio de fev/2012

Das aventuras da Turma da Mônica, de Maurício de Sousa, às tirinhas de Suriá, a Garota do Circo, de Laerte, as histórias em quadrinhos fazem parte da vida de crianças e adultos. Muitas se tornaram desenhos animados ou filmes de sucesso e outras viralizaram nas redes sociais.

Esse caráter popular do gênero traz uma dúvida: a tirinha tem lugar na sala de aula? Especialistas da área de linguagem defendem que sim. “Precisamos preparar as crianças para as multiplataformas e multilinguagens do mundo contemporâneo. A tirinha une perfeitamente esses fatores e é um gênero textual que deve ter seu lugar nas aulas”, explica a formadora de professores de Língua Portuguesa Heloísa Ramos.

Para trabalhar com as tirinhas, é preciso entender de onde elas surgiram. A utilização de desenhos na comunicação remonta às pinturas rupestres, mas a estrutura das histórias em quadrinhos (HQs) tal qual conhecemos hoje começou na Europa, no século 19, e se desenvolveu nos Estados Unidos, até se difundir mundialmente no século 20, principalmente nos jornais.

Desenho, escrita, diagramação e humor formam um único gênero textual. Para interpretar a mensagem de um quadrinho, é preciso compreender o sentido de cada um desses elementos e sua inter-relação.

Mas, podemos trabalhar charges, caricaturas, HQs e tirinhas da mesma maneira? Heloísa acredita que é necessário analisar todos os subgêneros para fazer a melhor escolha para a turma. “As charges, por exemplo, costumam ter um caráter político que necessita repertório prévio e atualização diária das notícias. Talvez os alunos do 5º ano não tenham essa base. Para esses estudantes, a tirinha é o subgênero mais interessante, pois tem um caráter atemporal e permite a apreciação de vários exemplos em menos tempo”, indica.

Por onde começar

Os Malvados, de André Dahmer

Cínthia Siqueira, consultora na área de Língua Portuguesa, afirma que valorizar o conhecimento prévio da turma e proporcionar momentos de apreciação da linguagem são procedimentos cruciais para o estudo de um gênero textual. Por isso, uma boa maneira de começar é questionar se a turma conhece HQs e tirinhas, quais lê e onde as encontra.

Na sequência, apresente uma tirinha em um data show e pergunte sobre a situação comunicativa: “Converse sobre quem é o autor, qual é a publicação, para quem ele escreve, qual mensagem quer passar”, sugere Cínthia. A tirinha de João Montanaro sobre infância e tecnologia (na imagem acima) é uma excelente alternativa.

O próximo passo é explorar a característica mais marcante desse gênero: o humor. No artigo Um Gênero Quadro a Quadro: a História em Quadrinhos, a professora Márcia Rodrigues de Souza Mendonça propõe que se apresente os quadrinhos em etapas.

Um bom exemplo é a tirinha da Turma da Mônica reproduzida acima. Mostre os dois primeiros quadros e questione sobre o que pode aparecer no próximo e por quê. Anote na lousa todas as hipóteses. Então, desvende o último quadro e converse com a turma sobre por que ele torna a produção engraçada.

Em geral, o humor vem do uso eficaz de estratégias discursivas, como a dupla interpretação ou o realce de características de determinada situação ou personagem. No caso dessa tirinha, é possível apresentar outros exemplos e encontrar o padrão da personagem, que é sempre muito autoconfiante.

Em seguida, organize os alunos em grupos e forneça exemplos de tirinhas diversas: textos publicados em plataformas variadas, com uso ou não de balões e onomatopeias, com diferentes fontes, com traços simples ou complexos, com vários tipos de humor.

“Estudar elementos como a forma e o contorno dos balões, o tamanho e o tipo das letras, a disposição do texto e a relação disso na produção de sentido é muito rico para o entendimento dos múltiplos usos da linguagem nas HQs”, afirma Márcia.

Diga aos grupos que façam um levantamento de todas essas características nos materiais que têm em mãos. Depois, peça que circulem na sala e anotem o que encontrarem de diferente e semelhante nas tirinhas analisadas por cada grupo. Na sequência, cada equipe pode compartilhar o que encontrou. Finalize sistematizando as conclusões no quadro.

Produzindo tirinhas

Turma da Mônica de Maurício de Souza

Depois da análise do gênero, proponha à turma a produção de tirinhas autorais. Defina com os estudantes para quem serão destinadas e onde serão publicadas. É possível criar um mural na escola, montar um gibi, ou até um blog ou uma página em uma rede social com as produções dos alunos.

Feito isso, é necessário definir a mensagem que se deseja passar e estudar possibilidades. O papel do professor é essencial nesse momento. Se a turma definir que quer fazer tirinhas para entretenimento, o docente pode perguntar: “Quais situações do nosso dia a dia podem ser lidas como engraçadas? Por quê?” ou “Nosso público-alvo conhece esse tipo de situação?”.

Com as diretrizes definidas, repasse as características levantadas nas atividades anteriores para que a turma se lembre das ferramentas que pode utilizar, como os balões, a diferenciação das fontes para expressar sentimentos e as onomatopeias. A hora de desenhar pode deixar algumas crianças inseguras. Mostre que há muitas possibilidades de traços e apresente autores que fazem desenhos menos sofisticados como na tirinha de Os Malvados, de André Dahmer.

“Muitos alunos resistem à proposta por acharem que não sabem desenhar. É importante dizer que podem ser desenhos com os quais estejam familiarizados como o ‘homem palito’ e os emojis”, ressalta Cínthia. Desse modo, os pequenos se sentirão livres para usar toda sua criatividade a seu favor e, quadro a quadro, serão entendedores e produtores desse gênero textual.

COMO É SER CARTUNISTA?

Autorretrato do jovem cartunista Jõao Montanaro

João Montanaro, 22 anos, cartunista da Folha de S. Paulo desde 2010, conta como se interessou pelas HQs e fala sobre seu processo de criação: 

Como se iniciou sua relação com os quadrinhos?

Começou pelas animações. Eu via os desenhos na TV e copiava os personagens em quadrinhos. Depois, acho que devo ter conhecido os gibis famosos no Brasil como a Turma da Mônica e as histórias de superheróis, como a maioria. Também amava a revista Recreio. Nos anos 2000, ela tinha ilustradores muito bacanas que eu copiava.

O que o levou a querer produzir quadrinhos autorais?

Eu encontrei um livro antigo de charges do meu pai – Brasil 85, ed. Três – que tinha criações do Angeli e do Glauco. Fiquei surpreso e me encantei com a possibilidade de fazer quadrinhos sobre qualquer coisa que eu achasse interessante e relevante. Não precisava ser infantil. Eu tinha só 8 anos, nem entendia direito, mas me fascinei. Eu via o jornal e ficava tentando pensar em uma piadinha.

Qual é a parte mais importante do seu processo de criação?

O importante é ter uma boa ideia e, depois, encontrar a melhor maneira de expressá-la, seja em desenho, seja na escrita , seja com os dois. Eu gasto mais tempo procurando a boa ideia do que executando o trabalho. Você pode ter um quadrinho muito bom em que o desenho é um garrancho. Mas, se a ideia é ruim, a tirinha não será interessante.


NA BNCC

Ler e compreender, com autonomia, anedotas, piadas e cartuns, dentre outros gêneros do campo da vida cotidiana, de acordo com as convenções do gênero textual e considerando a situação comunicativa e a finalidade do texto analisado. Habilidade EF05LP10