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Professora transforma corpo dos alunos em suporte para Arte

Trabalhando com materiais locais, Maria da Paz Melo colocou recursos naturais na aula e deu liberdade artística para estudantes em Minas Gerais

POR:
Camila Cecílio
Alunas do projeto atual de Maria da Paz, no qual ela trabalha como voluntária
Alunas do projeto no qual Maria da Paz trabalha como voluntária hoje Foto: Acervo Pessoal/Maria da Paz Melo

A professora Maria da Paz Melo já estava acostumada com lápis de cor, giz de cera, tintas e pinceis espalhados pela sala de aula, mas aquela aula de Arte foi diferente. Um novo elemento invadia a turma multisseriada da Escola Municipal Valéria Junqueira Paduan, na zona rural de Santa Rita do Sapucaí (MG): o carvão mineral. Bastou apenas um momento para ela perceber alguns alunos com os rostos pintados com pedaços do material que haviam encontrado nos arredores da escola. “Quando olhei, levei um baita susto, mas logo pensei: se eles querem explorar outras coisas, então vamos fazer”, lembra a educadora.

O episódio deu origem ao projeto O Corpo Como Suporte do Desenho, cujo objetivo foi dar às crianças a liberdade para experimentar novas formas de criar. O caminho percorrido para isso foi curto. Bastou ir ao “quintal” da escola, originalmente uma fazenda, para se deparar com uma série de recursos naturais. Dali em diante, troncos, pedras, galhos e folhas passaram a fazer parte das aulas de Arte. “Tenho para mim que o desenho não tem um fim, não há o que pode ou o que não pode. Por isso usamos tudo que estava ao alcance para explorar outras possibilidades, fosse desenhando no corpo, no papel ou no chão”, conta Maria da Paz, vencedora do Prêmio Educador Nota 10 de 2014 pela iniciativa.

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A professora incentivou os alunos a seguirem sua imaginação e desenhar o que sentissem vontade, sem se importar se ficaria “bom”, “ruim” ou “diferente”. O intuito era que as crianças colocassem a própria identidade no desenho. Eles não só desenharam como também esculpiram formas. As atividades ampliaram o repertório e as possibilidades artísticas das crianças que, em sua maioria, pertenciam a um contexto de vulnerabilidade social.

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O resultado surpreendeu Maria da Paz, que na época aboliu o uso da borracha e da máxima que “isso ou aquilo não pode” durante suas aulas. “Fiquei espantada como alguns alunos desenvolveram uma linguagem específica deles. O desenho é um modo de perceber e expressar o que sentimos, então foi um trabalho muito bonito. O maior prazer da minha carreira foi lecionar para aquela turma”, diz a educadora, aposentada há três anos.

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Alunas de Maria da Paz Melo pintam o rosto durante projeto premiado em Minas Gerais
Alunas de Maria da Paz pintam o rosto durante o projeto em Minas Gerais  Foto: Arquivo/Nova Escola

Como posso desenvolver esse projeto na minha escola?

Para Maria da Paz, praticamente qualquer professor pode replicar seu projeto. Além de aproveitar elementos da natureza, basta estar atento a materiais que, em princípio, são descartáveis. “O professor precisa desafiar os alunos, ter iniciativa, é preciso fazer acontecer”, incentiva. No mais, é só usar e abusar da imaginação e da criatividade, pesquisar possibilidades e se adaptar à realidade local.

O projeto teve duração de um ano e cada etapa foi desenvolvida em aproximadamente 4 aulas. Abaixo um exemplo que pode ser seguido.

1. Bate-papo inicial sobre o que será trabalhado na aula em questão, ver e sentir os materiais
2. Disponibilizar os materiais para que cada um possa fazer sua escolha
3. Início do processo criativo
4. Fechamento da aula e avaliação de cada um com relação ao próprio trabalho.

O Corpo Como Suporte do Desenho - por Maria da Paz Melo

Alunos do projeto premiado de Maria da Paz desenham usando o próprio rosto
Alunos de Maria da Paz Melo durante as aulas do projeto premiado fazem arte usando o próprio corpo Foto: Arquivo/Nova Escola


INDICAÇÃO: Educação Infantil, Fundamental I e II
DISCIPLINAS: Arte
DURAÇÃO: 1 ano

O que é o projeto?
O projeto surgiu a partir do interesse dos alunos em pintar e desenhar no próprio corpo. “Ao observar como usavam a pele para desenhar, percebi que esta podia ser pensada como um suporte que ia além do papel”, diz Maria da Paz. Ela articulou um processo para que as crianças explorassem não só suportes com texturas diferentes, mas também tamanhos diversos (do micro ao macro) para perceber que o desenho não só tinha que ter um caráter pessoal, como era uma interpretação da realidade. “Em resumo: significava que ao desenharem eles estavam ‘interpretando’ o que viam de modo diferente uns dos outros”.

Do que vou precisar?
Quanto maior o acesso do aluno a materiais como vídeos e livros de Arte, melhor o resultado. E, se possível, um trabalho que inclua visitas a museus, não apenas de Arte, mas de botânica, zoologia etc. Quanto mais informações nesse sentido, mais o aluno amplia seu nível de conhecimento, possibilitando níveis mais altos de criatividade. O uso de sucatas (orgânicas e industrializadas) foi determinante no processo criativo. Além disso, a internet disponibiliza um sem número de imagens que podem ser baixadas e mostradas aos alunos (de acordo com o projeto), ampliando o conhecimento de mundo e das artes especificamente – de modo a perceber como cada artista utiliza determinados materiais, como se dá o processo de trabalho dos mesmos, a poética de cada um – e principalmente as diferenças.

Quais os objetivos trabalhados?
- Ver, sentir e observar o mundo de uma maneira nova e pessoal
- Perceber o desenho visto como uma interpretação da realidade, levando em conta o modo de ver de cada um
- Desencadear processos criativos a partir do uso de sucatas, na construção de objetos
- Trabalhar o desenho em relação aos tipos de suportes, texturas, tamanhos, materiais etc.

E os desafios? Como encará-los?
“Um dos meus desafios foi a falta de um espaço ‘adequado’. A maioria dos professores não tem uma sala de aula equipada. Então, quase sempre temos que buscar alternativas”, diz Maria da Paz. “Eu não ganhei uma sala, tive que improvisar e trabalhar com o que tínhamos. Há uma visão de que a Arte não é importante, mas é justamente ao contrário, inclusive fortalece o aprendizado de conteúdos de outras disciplinas”.

E no final? O que meus alunos vão aprender?
A liberdade no processo criativo, no uso dos espaços (sala de artes) e quintal da escola, permitiram às crianças desenvolver um pensamento artístico integrado à Arte Contemporânea – em que o importante é a ideia, o conceito, o que se quer expressar seja através da pintura, de uma intervenção, do efêmero etc. “Conseguimos isso não somente através das ‘esculturas’ feitas com galhos e sucatas, como na sala de artes, através das pesquisas feitas em livros, nos vídeos de arte que foram mostrados, dos ‘objetos’ construídos com papelão, plásticos, fios de internet e embalagens de alimentos industrializados”. Segundo a professora, os alunos adquiriram uma grande segurança e tranquilidade ao manusear materiais inusitados, e a partir deles serem capazes de criar outros objetos, que por sua vez foram desenhados de acordo com a perspectiva de cada um.

"Individualmente, alguns alunos tiveram o que Dewey chamou de 'experiência estética' ao terem contato com os trabalhos de Leonilson, Tápies, Nuno Ramos, ou Flávia Ribeiro, entre outros, e foram capazes de ir além conseguindo uma linguagem própria, reconhecível e bastante diferenciada. Erros foram cometidos quando fiz planejamentos além da capacidade dos alunos, mas o melhor de tudo quando se erra, é que se pode aprender com eles. Além disso, trabalhar com projetos é o ideal, porque a partir deles o planejamento fica muito mais fácil."


Maria da Paz Melo se tornou professora de Arte aos 50 anos de idade, depois de se formar na Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC), tem pós-graduação em Arte-Educação. Trabalhou na rede municipal de Santa Rita do Sapucaí por mais de dez anos. Foi vencedora dos prêmios Arte na Escola, da Fundação Iochpe, em 2012, do Educador Nota 10, em 2014. Atualmente é voluntária na Casa de Vítor como professora de Arte e acredita que a arte é fundamental na vida de qualquer ser humano.

 

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