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Alfabetização: como planejar um projeto de leitura para o ano?

O trabalho de letramento é fundamental nessa etapa e pode fazer parte da rotina por meio de ações contínuas; conheça exemplos

POR:
Dimítria Coutinho
A leitura deve estar presente no rotina da alfabetização e incluir diferentes tipos de texto. Foto: Mari Pekin/NOVA ESCOLA.

Seja para crianças que ainda não dominam o sistema de escrita ou para aquelas que já possuem esse domínio, mas ainda não têm fluência na leitura, a prática de “ler sem saber ler” é essencial no ciclo de alfabetização, proposto para o 1º e o 2º ano do Ensino Fundamental, de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Com a leitura presente no dia a dia, as crianças conseguem ir, pouco a pouco, estabelecendo a relação entre a prática leitora e o sistema de escrita. “Se a criança desde sempre for convidada a ‘ler sem saber ler’, conforme ela vai avançando no seu conhecimento sobre o sistema de escrita e sobre o sistema ortográfico, ela vai deslizando para a palavra de modo muito natural”, diz Mazé Nóbrega, formadora de professores e consultora em metodologia de Língua Portuguesa. 

Além disso, acrescenta ela, “é fundamental que o professor não esqueça que as crianças

precisam, de acordo com a BNCC, lidar com  textos que circulam nos diferentes campos de atuação [vida cotidiana, artístico-literário, vida pública, práticas de estudo e pesquisa]. Ou seja, é necessário alfabetizar no contexto de letramento [uso da leitura e escrita para fins sociais]”.

Garantia da leitura na rotina das crianças

Além da alfabetização em si, a leitura nessa faixa etária auxilia no desenvolvimento de diversas outras habilidades, sobretudo as relacionadas à imaginação e comunicação. Vanessa Martins, professora do 1º ano na UEB Hortência Pinho, em São Luís (MA), percebe esses avanços em seus alunos. “Nesse processo de alfabetização, a leitura vai muito além de decodificar sílabas e palavras. Essa prática ajuda as crianças a trabalharem a imaginação, a criatividade e a construção da capacidade de opinar e estruturar suas ideias”, afirma.

Para manter a leitura como uma prática constante dentro e fora de sala de aula, a professora realiza anualmente um projeto com seus estudantes. Funciona assim: a cada sexta-feira, um dos alunos é sorteado para levar para casa um livro para ler com a família. Na segunda-feira, ele conta para os colegas sobre a obra, trazendo detalhes e impressões pessoais.

Em Lagoa Santa (MG), a professora Juliana Ávila, que atua na EM Alberto Santos Dumont, também tem a ajuda dos pais no projeto “Reloginho da Leitura”, que consiste na leitura diária de textos em casa. A cada dia, os familiares cronometram quanto tempo a criança leva para ler o texto da semana, ajudando no avanço da fluência leitora. O projeto já foi desenvolvido pela professora tanto em turmas de 1º como de 2º ano, adaptando o grau de dificuldade dos textos de acordo com as classes e com cada estudante.

A realização de projetos de leitura é uma boa forma de garantir que a prática esteja presente na rotina. Segundo Mazé, é interessante que as opções sejam diversas para que não falte leitura dentro e fora da sala de aula.

Ter rodas de leitura como atividade permanente é uma forma de assegurar que a leitura faça parte da rotina. No botão abaixo, acesse um passo a passo para organizar esses momentos. 

Baixe atividade permanente de leitura

A atividade faz parte do Material Educacional Nacional da Nova Escola, que pode ser encontrado gratuitamente aqui.

Planejando um projeto de leitura na alfabetização

Nas escolas Hortência Pinho e Alberto Santos Dumont, o planejamento de projetos de leitura que vão fazer parte da rotina escolar ao longo do ano começa logo no início do período letivo e envolve a gestão escolar e outros profissionais específicos, como a professora do núcleo de alfabetização.

Depois de definir os objetivos do projeto e inseri-lo no calendário semanal das aulas, as professoras fazem uma etapa importante do planejamento: conversar com as famílias. Nos dois projetos exemplificados – assim como em qualquer outro que envolva leitura em casa – é preciso o apoio dos pais e responsáveis, por isso é importante garantir que eles embarquem na ideia.

O projeto proposto por Vanessa prevê que os familiares leiam o livro escolhido junto com a criança no final de semana e a auxiliem a criar uma espécie de resumo da obra. Junto com o livro, o estudante também leva para casa um caderno, no qual deve escrever ou desenhar as passagens mais marcantes da história, além de inserir sua opinião – aqui, é hora da criança pontuar o que mais gostou, o que não achou interessante e os motivos. 

Para tentar garantir a participação dos pais no desenvolvimento do projeto, a professora realiza uma reunião no começo do ano, explicando a proposta e mostrando resultados de turmas anteriores para conquistar a confiança e o envolvimento das famílias. Nessa etapa, também são reforçadas orientações de cuidado com os livros e pedidos para que os pais trabalhem a autonomia das crianças, sem acelerar processos ou fazer os resumos por elas.

“Eu solicito muito que os pais ajudem sendo escribas dos estudantes. Eu falo: ‘Escrevam em um papel o que as crianças falarem, para que elas possam depois transcrever para o caderno, mas deixem que elas expressem o que sentiram e acharam do livro’”, conta Vanessa.

Participação das famílias e personalização das atividades

Em Lagoa Santa, a professora Juliana também precisa do comprometimento diário dos pais nas leituras propostas. Ela faz uma reunião com eles logo no início do ano, além de produzir um passo a passo de como realizar a atividade, composto por cronometrar o tempo de leitura e marcar o resultado em uma ficha específica, que acompanha o material. No caso de familiares que não são participativos, a docente conta com o apoio da gestão escolar para conquistar esse engajamento. “Não adianta a gente fazer um projeto como esse se não tiver o apoio da família”, considera.

Outra parte do planejamento é a personalização das atividades. Juliana eleva o nível de dificuldade das leituras ao longo do ano. “Primeiro, a gente inicia com leitura de várias palavras, depois vamos acrescentando frases, pequenos textos e assim por diante”, diz. Além de acompanhar o ritmo da turma, a professora também observa o tempo de cada estudante, enviando para casa leituras personalizadas.

No caso de Vanessa, são os próprios alunos sorteados que escolhem os livros que levarão para casa. Ainda assim, a professora faz uma seleção de acordo com o nível de cada estudante, sobretudo se percebe que não há apoio familiar. “Quando acontece do aluno não ter conseguido desenvolver esse processo em casa, eu acabo fazendo a parte da família junto com a criança no recreio, para que ela possa apresentar para os colegas depois”, relata a professora.

O antes, o durante e o depois da leitura

Ao construir um projeto de leitura, é importante pensar não só no momento da leitura em si, mas também nas atividades preparatórias e nas posteriores. Mazé dá algumas dicas para cada etapa:

  • Pré-leitura: nessa fase, o professor deve estimular a geração de expectativas a partir de elementos como a capa, o título e a leitura da quarta capa do livro. Também é possível inserir outros conhecimentos que se relacionam com a temática do texto proposto, tornando a leitura mais produtiva.
  • Na hora da leitura: durante a leitura, é hora de garantir a autonomia das crianças, seja em sala de aula ou instruindo os pais para essa atividade. “O professor precisa pensar que ele é uma espécie de corrimão no qual a criança que está aprendendo a subir uma escada se apoia, mas quem tem que subir a escada é ela”, compara Mazé.
  • Pós-leitura: nesse momento, a oralidade é trabalhada quando as crianças são instigadas a comentarem sobre o livro, apontando o que gostaram e não gostaram, como a história se relaciona com suas vidas e assim por diante. Aqui, também pode ser proposto algum tipo de desafio, como criar um final diferente para a história ou fazer uma atividade baseada na leitura.

A etapa de pós-leitura é bastante trabalhada por Vanessa às segundas-feiras, quando um dos estudantes chega para contar sobre o livro que leu no final de semana com a família. “Nessa hora, além do resumo do livro, a criança também desenvolve sua opinião e constrói suas ideias, trabalhando a comunicação e a expressão”, destaca. Ela também propõe que os alunos inventem novos finais para a história, pensando no que aconteceu depois da última página. “Quem vai contar sobre o livro se sente como o professor. Geralmente, as crianças ficam nervosas, mas altamente empolgadas. E a maioria dos colegas dá apoio e presta atenção”, observa.

Formas de avaliação

É justamente durante a apresentação dos estudantes que Vanessa faz a avaliação. Por mais que a professora olhe para o caderno que a criança preencheu em casa com a família, o foco é avaliar, na sala de aula, se o estudante entendeu do que o livro trata. “A gente sabe que, querendo ou não, alguns pais acabam induzindo na hora da escrita”, comenta.

Juliana também faz a avaliação em sala de aula. Depois dos alunos lerem o texto proposto de segunda a quinta-feira com a família em casa, a leitura cronometrada de sexta-feira é feita com a professora. “Eu anoto o tempo que cada aluno gastou, como ele foi naquela leitura e comparo com o tempo registrado nos outros dias. Por eles gostarem muito da atividade, na sexta-feira eles chegam com muita facilidade e agilidade para ler o que foi proposto”, relata. “Tem crianças que falam: ‘Nossa, professora, eu comecei na segunda-feira com dificuldade, hoje eu já estou lendo fluentemente’. É bom vê-los desenvolvendo esse gosto pela leitura, já que isso enriquece o vocabulário deles e a capacidade argumentativa.”

Na hora de avaliar, Mazé orienta que os professores analisem se os estudantes:

  • conseguem decifrar as palavras;
  • estão apresentando fluência;
  • se autocorrigem quando pronunciam palavras incorretamente;
  • são capazes de recuperar informações anteriores e estabelecer relações entre as partes do texto;
  • conseguem deduzir informações que não estão explicitamente escritas;
  • são capazes de fazer avaliações e julgamentos a partir do que estão lendo, ou seja, têm uma leitura crítica.

“É fundamental que o estudante transite nesses dois lugares: em relação ao domínio do sistema de escrita e ortográfico, com a decifração, e na compreensão daquilo que lê, porque não adianta nada decifrar e não ter uma leitura compreensiva”, salienta Mazé. Além das leituras em sala de aula, a especialista afirma que os professores podem apostar em formatos que as crianças se interessem e se envolvam, como pedir para elas gravarem vídeos ou áudios lendo.

Outras propostas de leitura para ir além

Além dos projetos que duram o ano todo, também é possível manter outras práticas de leitura com a turma. Vanessa costuma realizar momentos coletivos em sala de aula, além de levar os estudantes para ambientes externos, onde podem escolher livros para se aventurarem. Quando outras demandas apertam o planejamento, como as avaliações externas, a professora opta por textos mais curtos, como parlendas e trava-línguas, mas não deixa a prática de lado. Já Juliana conta que mantém o cantinho da leitura disponível para os estudantes, além de realizar idas à biblioteca da escola e de narrar histórias para eles.

Além dessas atividades, Mazé afirma que é possível desenvolver projetos de leitura para trabalhar a interdisciplinaridade, envolvendo também outros componentes curriculares. Ela exemplifica uma iniciativa utilizando o livro Abecedário de aves brasileiras, que traz informações básicas de um pássaro para cada letra do alfabeto. A partir da leitura dessa obra, a especialista sugere que o professor proponha um projeto articulado com Ciências, no qual, por exemplo, os estudantes identifiquem aves no entorno escolar e criem novos verbetes similares aos apresentados no livro.
Outra possibilidade é promover uma produção coletiva a partir da leitura de um livro que os estudantes tenham gostado muito, seja mudando o final ou criando uma história completamente nova. “O legal é ir inovando, as práticas precisam variar”, indica Mazé. Ela orienta que os professores aproveitem todos os materiais de que a escola dispõe, como assinatura de jornais, biblioteca ou os textos literários do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para realizar atividades diversas de leitura.

Sugestões de atividades envolvendo os campos de atuação da BNCC

Mazé sugere propostas de leitura com os quatro campos de atuação presentes na Base

    • Vida cotidiana: neste campo estão textos da cultura popular, como parlendas, antologias, adivinhas, trava-línguas e cantigas de roda, que são fáceis de decorar e envolvem danças e brincadeiras. O primeiro passo para trabalhar com esses gêneros é justamente garantir que as crianças conheçam as brincadeiras, ritmos e danças, fazendo cumprir a função social da leitura. Decorados os trechos, podem surgir uma série de atividades, como pedir que os alunos apontem palavras conforme leem os trechos, localizem expressões que o professor indicar, transcrevam o texto de memória (atividade mais indicada para o 2º ano) e façam paródias, trocando palavras. 
  • Artístico-literário: aqui entram, por exemplo, textos em prosa, além de poemas e quadrinhos. É possível organizar as crianças em pequenos grupos, para que umas possam ler para as outras, sempre se auxiliando. O professor também pode contar histórias mais complexas, como contos de fadas. Uma dica é dividir o livro e ler um trecho por dia, aumentando a curiosidade. “Essa prática dá uma espécie de horizonte para as crianças de que se elas conseguirem vencer essa etapa de aprender o sistema de escrita, elas poderão ler obras maravilhosas”, aponta Mazé.
  • Vida pública: a partir do 2º ano, é interessante inserir na rotina a leitura de textos jornalísticos, publicitários ou de curiosidades científicas, por exemplo. Isso permite tanto o envolvimento de crianças que não gostam tanto de textos ficcionais, quanto o desenvolvimento de outras habilidades relacionadas ao letramento midiático.

Práticas de estudo e pesquisa: é possível trabalhar com leituras de infográficos, mapas e roteiros para experimentos, entre outros. Dessa forma, é bastante natural a interdisciplinaridade entre Português e outros componentes curriculares, como História, Geografia e Ciências, a depender do assunto abordado. “Quando o professor está trabalhando outros componentes, ele está trabalhando também a leitura. Se a turma estiver lendo, por exemplo, um infográfico sobre o corpo humano, as crianças também estarão lendo as palavras e envolvidas nessa dimensão do ‘ler para aprender’, o que faz muito mais sentido”, afirma Mazé.

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