CNE sinaliza alterações na Base de quatro disciplinas
Indicativos de mudanças na terceira versão do documento começam a ficar mais evidentes com a proximidade do fim das audiências públicas
POR: Laís SemisAs discussões sobre a última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estão em sua reta final. Na última sexta (25/8), São Paulo sediou a quarta das cinco audiências públicas para apresentação de sugestões ao documento que deve guiar os currículos de escolas públicas e particulares nos próximos anos. E, com o debate já se consolidando, o Conselho Nacional de Educação, órgão responsável por indicar sugestões de ajustes no documento e elaborar suas diretrizes de implementação, já tem as diretrizes do que demandará maior atenção do grupo.
Apesar de não trazer detalhes sobre quais alterações devem ser feitas no documento, César Callegari, presidente da Comissão Bilateral da Base no CNE, aponta que as disciplinas de Língua Portuguesa, História e Geografia devem sofrer mudanças. “Já temos muitas indicações de pontos que podem ser melhorados nessas disciplinas e indicativos de como melhorar alguns deles”, diz. Em relação aos campos de experiência da Educação Infantil, Callegari acredita que a questão seria recuperar algumas das formulações da segunda versão da Base. “Está tudo muito próximo de ser resolvido. Acho que, no caso da Educação Infantil, avança”.
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Além disso, ele indica a revisão de alguns pontos da estrutura do documento. O primeiro deles - presente em manifestações nas quatro audiências - faz menção ao desdobramento das competências gerais nas competências específicas de cada ano e dos componentes curriculares. O segundo trata da própria nomenclatura de “competências”. “É um problema que está gritando para uma solução melhor e eu também acho que pode ser resolvido. A minha sugestão é que a gente se apoie na lei. A lei fala em ‘direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento’. Se nós tivermos a grandeza de reconhecer que a lei não está redigida dessa maneira por acaso, estaremos no caminho de entender e resolver essa questão”, comenta o presidente da Comissão Bilateral da Base.
Rossieli Soares, secretário de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), adiciona a necessidade de reavaliar a retirada de Ensino Religioso da Base. A disciplina integrava até a segunda versão do documento, mas a equipe que apresentou a versão seguinte avaliou que sua presença no texto entrava em conflito com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que atribui a estados e municípios a responsabilidade de definir os conteúdos de Ensino Religioso. “Tem sido uma manifestação constante nas audiências públicas. Acho que o CNE vai ter que se debruçar em relação a isso, bem como o próprio MEC”, diz. Apesar dessas indicações, outras mudanças deverão ser consideradas pelos órgãos competentes.
O debate em São Paulo e os desafios do Conselho
A audiência pública do Sudeste foi menos passional que as anteriores, realizadas em Manaus, Olinda e Florianópolis. A maioria das participações se dividiu entre críticas ao processo de construção da Base e contribuições às disciplinas e estrutura do texto. Para Rossieli Soares, do MEC, alguns itens têm se repetido neste momento do processo. “Nitidamente, alguns setores são mais organizados do que outros, o que faz com que determinados pontos apareçam com mais frequência. Mas, dentro das audiências, a gente sempre consegue pegar impressões importantes”, diz.
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Para Luis Carlos de Menezes, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e consultor das duas primeiras versões da Base, o CNE terá um desafio de sistematização.“É difícil que com a sua estrutura relativamente enxuta, ele seja capaz de sistematizar o conjunto de esforço que resultou na terceira versão, mais as audiências e as outras contribuições que está recebendo”, afirma Menezes. Para ele, a saída seria que entidades se articulassem com o órgão para colaborar nesse processo. Apesar de ser favorável à existência de uma Base e de definir expectativas comuns na formação de jovens e crianças, o professor da USP acredita que o documento precisa ser menos detalhado. Esta é uma consideração que vem aparecendo com frequência nesse momento de análise da terceira versão do documento, que tem quase 400 páginas. “É um esforço que eu gostaria que o Conselho fosse capaz de fazer. Ficar mais no geral, sinalizar os indicativos para períodos e etapas e não entrar no detalhe de ‘tal ano, ensina isso’. O problema não é só ser mais enxuto, é ser mais geral, mais flexível”, defende.
Outra questão é o prazo que o CNE tem para se debruçar sobre o material e fazer suas considerações ao MEC, já que o cronograma prevê que a homologação do documento aconteça ainda neste ano. Callegari acredita que, diante disso e da natureza das manifestações que o órgão vem recebendo, é preciso que autores e Conselho tenham uma visão generosa sobre o processo. “Temos que ser convergentes e tentar ter a sabedoria de verificar aquilo que é essencial nas posições que estão sendo tomadas e aquilo que é acessório”, expõe. “Se tivermos a sabedoria de não ficar competindo por coisas secundárias, avançamos na concretização da Base como norma nacional até o final desse ano”, avalia o presidente da comissão bilateral da Base.
Até 11 de setembro, data da última audiência que acontece em Brasília, é possível enviar contribuições pelo email cne.bncc@mec.gov.br. O órgão já está analisando as sugestões recebidas pelo endereço eletrônico. De acordo com o presidente da comissão da Base, elas têm sido complementares ao que vem sendo apresentado nas audiências.
Confira principais as manifestações sobre as disciplinas em São Paulo:
- Língua Portuguesa
Ascânio João Sedrez, da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil, levantou a preocupação do encadeamento da disciplina. “É perceptível a falta de diálogo entre as habilidades e as competências de Língua Portuguesa. Além disso, temos uma preocupação muito específica com a antecipação do término da alfabetização para o 2º ano do Ensino Fundamental, o que vai em total desencontro com o trabalho tão fundamentado que acontece no ciclo de alfabetização”, defendeu.
- Matemática
Kátia Smole, diretora do grupo de formação e pesquisa Mathema e membro do Movimento pela Base, considera que é necessário uma análise mais cuidadosa da integração entre as competências gerais e as habilidades. “Essa é uma questão ainda não resolvida na Base, assim como os objetivos de Matemática ainda não traduzem as ações dos processos relativos aos desenvolvimento das competências específicas”, aponta. Outra manifestação sobre a disciplina, veio de Sandra Freire, professora há 46 anos, que atentou para o fato de o documento trazer um detalhamento algébrico e numérico cuidadoso, mas que não é feito em todos os campos. “Ao mesmo tempo que eu vejo grandes eixos desenvolvendo aritmética e álgebra, só tenho um pedacinho de geometria. Estatística e probabilidade não têm anúncios claros dessa junção”, considera.
- Educação Física
Na manifestação mais recorrente do setor, Elizabeth Laurindo, do Conselho Federal de Educação Física, defendeu o direito das crianças pequenas terem aulas de Educação Física. “É preciso lembrar que a criança pequena é movimento. E, infelizmente, várias pesquisas têm demonstrado que as crianças têm uma redução brusca no desenvolvimento motor ao longo dos anos que estão na escola. Nesse sentido, a BNCC vem contribuir para isso. A escola precisa aceitar a criança de corpo inteiro, e não apenas cognitivo”, disse. João Gambini, profissional da área em São José dos Campos (SP), também levantou esse ponto e disse que, apesar de ter gostado das práticas corporais, ainda é preciso avançar: “Todas as práticas colocadas ao final dos conteúdos se limitam em algumas modalidades e atividades. Há uma regionalidade importante que precisa ter espaço e que poderia ser resolvida na redação com a inclusão do termo ‘entre outros’. Há outras atividades que não serão viáveis na maior parte de nosso país, como golfe, por exemplo”, ressaltou.
- História
Josianne Francia, da Associação Nacional de História, acredita que a BNCC de sua área reduz as possibilidades de histórias locais e de processos mais abrangentes. “A Base mantém uma organização de tempo cronológica e limitado ao grupo familiar para os anos iniciais. Para as séries posteriores, mantém uma história eurocêntrica e que, mais uma vez, descarta a possibilidade de entendimento mais amplo da história da sociedade brasileira, inserida nas sociedades americanas em sua diversidade. E mantém o estudo de uma suposta dimensão periférica de uma capitalista atribuída ao Brasil”, defendeu. A Associação Nacional de Educação Católica do Brasil também se pronunciou sobre o tema: “Há restrições inexplicáveis na extensão e nas perspectivas abordadas, com o quase esquecimento da África, da América Latina e das nações indígenas, bases fundamentais para a percepção de nossas identidades enquanto nação plural”, disse Ascânio João Sedrez, representante do grupo.
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