Clima escolar: como a gestão pode favorecer as relações e o trabalho da equipe
Por meio da instauração de rotinas de escuta, práticas participativas e avaliações diagnósticas, gestores podem promover a boa convivência e a qualidade do ambiente de trabalho
POR: Maggi KrauseSão muitos os fatores que interferem no processo de ensino e aprendizagem de uma escola, sendo a qualidade das relações um deles. Cuidar do bem-estar e da satisfação da equipe colabora para um clima organizacional positivo, o que favorece a disposição para o trabalho.
“Mais do que organizacional ou institucional, defendo a importância do clima relacional, baseado na qualidade da convivência entre as diversas pessoas da comunidade escolar”, explica Adriana Ramos, coordenadora do curso de pós-graduação As Relações Interpessoais na Escola e do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Educação e Infância (NPEEI), ambos do Instituto Vera Cruz.
Há alguns anos, Adriana integrou a equipe do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), que investigou questões de convivência em escolas e avaliou o clima escolar na perspectiva de estudantes, professores e gestores da Educação Básica. O guia para o instrumento, disponível na biblioteca digital da Unicamp, foi lançado em 2017 e é até hoje um dos mais acessados da universidade.
O que é clima escolar?
Segundo a definição do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), o clima é constituído por avaliações subjetivas e refere-se à atmosfera psicossocial de uma escola, sendo que cada uma possui o seu clima próprio. Ele influencia a dinâmica escolar e é influenciado por ela. Desse modo, o clima escolar interfere na qualidade de vida e na qualidade do processo de ensino e aprendizagem.
Entre as dimensões que precisam ser levadas em consideração para a avaliação do clima escolar estão as relações sociais e os conflitos na escola, que abrangem a boa qualidade do convívio e o sentimento de pertencimento em relação à escola; as relações com o trabalho, que expressam a maneira como professores e gestores se sentem em relação ao ambiente de trabalho e à escola; e a gestão e a participação, que avaliam como a equipe gestora é vista e se a comunidade escolar foi envolvida na elaboração do Projeto Político-Pedagógico, entre outros aspectos.
“Essas três dimensões tratam de questões ligadas à importância da gestão dentro da escola. Para que o trabalho seja sólido, é preciso criar espaços dialógicos, espaços de escuta, as pessoas precisam ter voz e se sentir acolhidas”, ressalta Adriana, que é também gestora da Convivere Mais. Por isso, diz ela, o gestor tem um papel estruturante e precisa olhar para a convivência em um sentido mais preventivo do que interventivo.
Escuta ativa, empática e sensível
“Faço questão de que o professor se sinta valorizado, quero fazer o contrário do que vivi quando eu era professora”, desabafa Marlúcia Brandão, gestora escolar que atua há 34 anos em Marataízes (ES) e faz parte da rede Conectando Saberes.
Segundo ela, a solidão docente permeia a vida de muitos dentro da escola. “Eu nunca fui ouvida, tinha de levar de casa materiais que a unidade não fornecia, trabalhava com projetos e a equipe gestora não dava a mínima. Só entendeu que o meu trabalho era importante quando fui participar de um congresso internacional em São Paulo”, relembra.
Segundo Marlúcia, que desde o início deste ano atua com diretora no CEMEI Lagoa Dantas, que atende crianças de seis meses a cinco anos de idade, o gestor precisa ter escuta ativa, empática e sensível, pois cada professor tem uma história e uma vivência, assim como os demais servidores da instituição. “Se [o gestor] tiver uma visão de mentoria, formando, apoiando e caminhando junto com toda a equipe, os processos e as relações se fortalecem, influenciando positivamente o clima”, diz.
Ela costuma enfrentar dois desafios principais em relação à equipe pedagógica. Um deles é lidar com os egos profissionais, o que exige mediação e incentivo ao trabalho entre pares, com o objetivo de trocar as disputas por relações de parceria. O outro é articular muito bem a comunicação e a participação das equipes pedagógicas para que uma escola com dois turnos não vire duas escolas diferentes, e sim uma escola integrada em torno de objetivos coletivos comuns.
Comunicar melhor: eis a questão
“Comunicar não é só dizer o que fazer, mas combinar o que deve ser feito. Por isso, instituímos uma reunião de articulação quinzenal e reservamos espaços para comunicação em que a equipe gestora ouve mais do que fala”, explica Cláudio Marques da Silva Neto, que é mestre e doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e há 12 anos dirige a EMEF Espaço de Bitita, em São Paulo (SP) [novo nome dado à EMEF Infante Dom Henrique, em homenagem à escritora Carolina Maria de Jesus, cujo apelido era Bitita].
A escola liderada por Cláudio se tornou uma referência no acolhimento de imigrantes no país e hoje se organiza por roteiros de aprendizagem, o que exige envolvimento dos professores.
Mensalmente, os docentes param durante duas horas para uma reunião operativa e organizacional. “É claro que surgem divergências e conflitos, queremos que eles apareçam. Também é importante considerar as sugestões propostas para resolvê-los”, ressalta Cláudio.
Adriana aponta que uma queixa comum entre os professores é que não se sentem acolhidos pela gestão. “O sentimento de culpabilização está ligado à comunicação. Dependendo da forma como eu dou feedback para o professor, ele tem essa percepção, mas posso falar de um jeito que o aproxime e o incentive a pensar junto”, explica. Segundo a especialista, é preciso envolver professores, estudantes e famílias, chamando-os à responsabilização, deixando claro que o esforço é coletivo.
“Também não adianta só acolher e deixar de acompanhar ações efetivas para resolver as questões”, nota Adriana. A concretização de ações para melhorar a qualidade do clima passa por pensar junto com o grupo, orientar a execução de medidas e acompanhar e avaliar as ações que funcionaram. “Também é importante ter um histórico das vivências para resolver outras situações e não precisar começar tudo a partir do zero.”
Avaliação orienta as ações
Existem várias formas de avaliar o clima, seja a partir de instrumentos como questionários de pesquisa ou de rotinas de consulta aos colegiados escolares (como o conselho de classe, o grêmio e a associação de pais), mas todas elas passam pela escuta. “Defendo que todos tenham espaço de fala para colocar suas ansiedades e angústias e apontar o que está ou não funcionando”, diz Adriano Caetano Rolindo, doutor em Educação pela Unicamp e assessor da Convivere Mais.
De acordo com ele, que atua há 20 anos como diretor em escolas públicas, os colegiados e as assembleias são essenciais para uma gestão coletiva e participativa na escola. “Se eles são bem articulados, constroem planos de ação com atividades, metas e indicadores. Suas decisões podem tanto organizar o trabalho interno da escola quanto ter força para buscar parcerias e cobrar outras instâncias, como a Secretaria de Educação.”
Na EMEF Espaço de Bitita, duas vezes por ano, em julho e dezembro, Cláudio conduz uma avaliação institucional que afere o clima entre todos: equipe gestora, docentes e demais funcionários. “Não pode ser um instrumento que crie constrangimento para as pessoas, quem responde não pode ser identificado e não pode achar que vai ser penalizado”, comenta.
Adriana, por sua vez, orienta que os gestores lancem mão de práticas sistemáticas de avaliação, como entrevistas com professores, questionários e observações conjuntas em reuniões pedagógicas. Vale sempre escolher um foco para avaliar: podem ser as relações ou a colaboração dentro da equipe, por exemplo.
A especialista sugere que a avaliação do clima da escola inteira, em uma perspectiva mais ampla, seja feita no máximo a cada três anos, pois a partir dela práticas devem ser instauradas. Em outras palavras, não adianta avaliar constantemente o clima organizacional se isso não for conduzir a escola a transformações efetivas.
Sugestões para cuidar do ambiente escolar
Adriana Ramos, coordenadora do curso de pós-graduação As Relações Interpessoais na Escola, do Instituto Vera Cruz, indica alguns pontos de atenção para a equipe gestora:
- Ter uma comunicação efetiva com professores, colaboradores e estudantes, lançando mão da escuta ativa e de uma linguagem mais descritiva (que não julga ou culpabiliza);
- Investir em avaliações constantes do clima escolar, pois a escola é uma instituição dinâmica e sempre passível a melhorias. Questões que faziam sentido para a comunidade escolar há dois anos podem não ser mais importantes atualmente;
- Pensar em encaminhamentos e ações para solucionar questões relacionais e outras que afetam o clima escolar como um todo e designar alguém para acompanhar e avaliar essas iniciativas;
- Comunicar o que a gestão conduziu para evitar a percepção de que um problema foi falado, mas não foi resolvido;
- Registrar e manter um histórico das situações resolvidas para balizar outras ações que podem ser similares e abreviar as discussões no futuro.
Pactos de confiança
Outra máxima é que o que afeta o clima escolar varia de escola para escola. Depois de ter trabalhado em nove escolas diferentes, o diretor Adriano chegou à EE Dr. Manoel Alexandre Marcondes Machado, em Campinas (SP), com uma lista de 40 situações problemáticas para a convivência e um punhado de regras para dividir com os professores. “Claro que não deu certo, pois não adianta você chegar com uma receita e esperar que a pessoa vá seguir. Nesse período conheci o Gepem, na Unicamp, e seu trabalho com autonomia moral, e tive de desconstruir esse discurso.”
Ele reorientou então as discussões, e a equipe pedagógica adotou um conjunto de valores (saiba aqui como eles jogaram fora as regras prontas) que pavimentou o caminho para a convivência ética dentro da unidade. “Os professores sabiam o que tinham de fazer, mas eu queria que eles sentissem vontade de agir para melhorar as relações independentemente de regras”, conclui.
Apesar de cada contexto ser diferente, as soluções, em geral, passam por diálogo, acordos e estabelecimento de relações de confiança entre as partes. Adriano relembra outro episódio que exigiu negociação quando assumiu a direção da EE Professor Antônio de Pádua Prado, localizada na periferia de Indaiatuba (SP). “Eu era jovem, tinha 32 anos, e fui dirigir uma escola com 109 professores e três turnos com quase 700 alunos em cada. O maior desafio era fazer os jovens do Ensino Médio entrarem na aulas. Batia o sinal e eles ficavam do lado de fora”, relata.
Adriano começou a calcular e informar aos estudantes os minutos, horas e dias perdidos e o prejuízo no aprendizado, mas um dia se exaltou no pátio e foi duro na bronca. “Aí o grêmio veio conversar comigo: ‘A gente está pondo fé em você, e você precisa ter fé na gente’. Em resumo, queriam organizar na escola um baile para mil jovens no sábado à noite.”
Ninguém acreditou que daria certo, mas Adriano possibilitou pelo menos quatro eventos do tipo, com música e segurança e sem bebida alcóolica. “Começava às 19h, e às 23h eu acendia as luzes e todos iam embora. Foi um pacto de confiança, gerou uma sensação de pertencimento e, por consequência, os alunos começaram a entrar no horário nas aulas, melhorando o clima geral”, conclui.
Participação das famílias muda o jogo
Quando Cláudio entrou na EMEF Espaço de Bitita, em 2011, o que afetava o clima organizacional eram as agressões e violências entre estudantes (e até entre estudantes e professores). “A primeira coisa que fizemos foi estudar o tema e encontrar alternativas à punição, já que os professores colocavam os alunos que atrapalhavam a aula para fora da sala, e isso não resolvia”, conta o diretor.
Em fevereiro daquele mesmo ano começaram a chamar os alunos e suas famílias. Ninguém saía da reunião sem assinar um termo de conduta. Em julho, o clima já tinha mudado de tal maneira que as reuniões não eram mais necessárias: os próprios professores começaram a mediar os conflitos, enquanto alguém os substituia na sala para que pudessem sair com o aluno para uma conversa.
“Sempre abro espaços para discussão nos quais as pessoas podem contribuir e sinto que o gestor precisa ter a humildade de acatar as sugestões. Vamos mudando de estratégia à medida que os problemas vão sendo resolvidos”, relata ele, que mantém uma agenda de visitas à casa dos alunos. A escola, inclusive, conta com uma colaboradora que é responsável por mediar a relação entre a instituição e as famílias.
Por sua vez, Marlúcia, que já dirigiu escolas dos Anos Finais do Ensino Fundamental e de Ensino Médio, está pela primeira vez diante do desafio de conduzir uma escola de Educação Infantil de período integral. “Aqui, muitos pais são pescadores ou agricultores e algumas famílias ainda se mostram resistentes à escola nessa faixa etária”, observa.
Para comunicar que a escola é um espaço de transformação dos pequenos, toda a equipe se envolveu na organização de uma semana especial, dedicada a receber a família dentro do CEMEI. As reuniões e atividades com brincadeiras promoveram interação entre familiares, crianças e professores, que se sentiram valorizados. “Cuidar das relações, sempre perpassadas pela afetividade e a escuta empática, fortalece a escola e cria um clima propício ao desenvolvimento infantil e à aprendizagem”, ensina.
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