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Acessibilidade e inclusão: por que é importante discutir o tema na escola?

Estudantes com deficiência enfrentam não apenas desafios de mobilidade urbana para chegarem até as escolas, mas também falta de acessibilidade nas unidades

POR:
Dimítria Coutinho
Jogar basquete com os amigos é a atividade preferida de  Murilo Ronny da Silva, que estuda no 7º ano da EE Residencial Bordon, em Sumaré (SP). Foto: Ricardo Lima/NOVA ESCOLA.

"O ninja das duas rodas". É assim que a coordenadora dos Anos Finais do Ensino Fundamental, Fernanda Dias, define o aluno Murilo Ronny da Silva, de 11 anos, que estuda no 7º ano da EE Residencial Bordon, em Sumaré (SP). Além de ter instalações acessíveis, a escola é um bom modelo de inclusão, com duas salas de recursos e profissionais especializados.  

Murilo costuma acelerar sua cadeira de rodas nas rampas e é conhecido por arrasar nos jogos de basquete nos intervalos das aulas. “Aqui eu jogo só para me divertir”, conta ele, que também faz parte de um time de basquete sobre rodas. “Quero seguir com o esporte para sempre”, afirma.

Ele conta com orgulho que não precisa mais da ajuda da monitora da van na qual chega até a escola para descer do veículo e transita com facilidade pelos ambientes escolares. “Eu chego, subo a rampa, dou um rolezinho por aí, depois eu fico na sala de boa esperando o pessoal chegar”, conta.

Patrícia Izipato, professora da sala de recursos, diz que a autonomia de Murilo é uma conquista. As salas de recursos têm equipamentos de acessibilidade e materiais pedagógicos que ajudam os professores a potencializar a escolarização e a aprendizagem de estudantes com deficiência ou com altas habilidades no ensino regular. “Não se trata de reforço escolar. Trabalhamos as habilidades dos alunos, desenvolvendo a autonomia e a autoconfiança”, explica.

Murilo conta com transporte gratuito e adaptado para chegar até a escola, uma unidade arquitetonicamente preparada para receber todos os públicos e com professores qualificados para usar a estrutura a favor da Educação Inclusiva. Essa, porém, está longe de ser a realidade na maior parte do país.

No Brasil, apenas 21,5% das escolas públicas têm uma sala de recursos, enquanto 74,4% têm matrículas da Educação Especial, de acordo com o Painel de Indicadores da Educação Especial, levantamento feito pelo Instituto Rodrigo Mendes, com apoio do Todos pela Educação, do Centro Lemann de Sobral e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com base em dados do Censo Escolar. 

A escolha das unidades que terão salas de recursos é uma decisão tomada pelas secretarias de Educação junto ao Ministério da Educação (MEC), levando em consideração as demandas da rede e a disponibilidade de espaço nas escolas para a alocação das salas. É por isso que Patrícia também atende estudantes com deficiência de outras escolas da região, onde não há sala de recursos.

As rampas, que permitem que Murilo chegue a todos os cantos da sua escola, estão presentes em 52,8% das unidades. Esse é o item de acessibilidade mais frequente, seguido por banheiros adaptados (50,9%). Na outra ponta, só 4,2% das escolas têm elevador. 

“Quando um prédio escolar foi construído há bastante tempo, é mais difícil e mais caro promover a acessibilidade. Aí entra a questão de querer investir”, afirma Kátia Cibas, especialista da equipe de formação no Instituto Rodrigo Mendes (IRM). “Em vez de instalar um elevador ou construir uma rampa, coloca todo mundo para estudar no andar de baixo, por exemplo. Sempre arruma um jeitinho, mas não soluciona a questão.”

Muitas vezes, espaços de uso comum como laboratórios e oficinas de arte localizam-se nos andares superiores, o que faz com que os alunos com mobilidade reduzida tenham que ser carregados até lá. “Além de atrasar sua entrada nas aulas, isso os coloca em situações constrangedoras”, explica Maria da Paz (Gunga) Castro, educadora, formadora de professores e especialista em inclusão.

Quando se olha para estudantes que precisam de outros itens de acessibilidade, a situação piora. Apenas 9,7% das escolas públicas brasileiras têm pisos táteis; 8,6% têm sinal visual; 4% têm sinal tátil; e 2,2% têm sinal sonoro. 

O mais grave é que 26,9% das escolas não têm qualquer item de acessibilidade. Dos cinco estados brasileiros com maior taxa nesse dado, quatro são da região Norte e um do Nordeste. A pior situação é no Amazonas, onde 63,59% das escolas não cumprem padrões mínimos nesse quesito. 

Gunga ressalta que a mobilidade está intimamente ligada com a cidadania e o direito à educação. “É importante que seja feita com dignidade e que garanta a aprendizagem das crianças com deficiência. Desde o banheiro até o acesso à sala de aula e ao refeitório, a altura do mural e os profissionais qualificados: tudo isso nos diz sobre a acessibilidade na escola."

Patrícia Izipato, professora da sala de recursos, reconhece que os  equipamentos de acessibilidade e materiais pedagógicos  ajuda m  alunos com deficiência a conquist a rem autonomia Foto: Ricardo Lima/NOVA ESCOLA.

Os desafios da mobilidade urbana

Mesmo com a escola acessível, chegar até a unidade para estudar pode ser bem difícil.

Era o que acontecia na EE Ovidio Edgar de Albuquerque, em Maceió (AL), que tinha as ruas do entorno escolar esburacadas e inacessíveis às pessoas com dificuldade de locomoção. Depois de um projeto interdisciplinar que envolveu todos os estudantes, o problema foi resolvido (leia nesta reportagem).

Outro problema é a falta de transporte gratuito e especializado. De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, de 2015, pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida têm direito a transporte “em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso”.

Alguns estados e municípios brasileiros têm leis e programas específicos para atender pessoas com deficiência no trajeto até a escola. A realidade, porém, não atinge a todos.

Garantir o acesso a esse direito é a luta travada pela professora Maria Rosalina Gomes, que dá aulas de Geografia nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio da EE Luisa Vidal Borges Daniel, em Campo Grande (MS).

Depois de observar a dificuldade das famílias para levarem crianças e adolescentes com deficiência até a escola, ela resolveu agir: desde 2019, cobra o poder público e propõe projetos de lei. Maria Rosalina já conseguiu fazer com que seis cidades, incluindo a capital do estado, aprovassem leis que garantem o transporte gratuito e adaptado a alunos com deficiência. “Não pretendo parar, vou buscar essa garantia nos 79 municípios do Mato Grosso do Sul”, afirma.

Apesar da lei aprovada em Campo Grande no final de 2021, muitas famílias ainda não têm acesso ao transporte escolar para seus filhos com deficiência*. É o caso de Lilidaiane Ricaldi, ativista e líder regional da Associação Brasileira Superando a Mielomeningocele, mãe de Miguel Ricaldi, de 7 anos. Além da dificuldade motora, Miguel tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) e costuma ficar assustado diante de aglomerações. “A acessibilidade tem sido um dos maiores desafios, até maior que a própria deficiência”, afirma Lilidaiane.

Sem transporte gratuito especializado e sem conseguir utilizar o transporte público convencional, a mãe leva o filho todos os dias até a escola, a cerca de 4,5 km da sua casa, de carro por aplicativo. Além dos altos gastos, há outras dificuldades. “Eu moro em um bairro considerado perigoso e os motoristas costumam rejeitar as chamadas aqui”, conta.

As dificuldades de acessibilidade também são vividas por outras mães, como Ana Paula Barbosa, mãe da Larissa Barros, de 17 anos, que tem deficiência visual. Todos os dias, ela acompanha a filha até uma escola distante, em um trajeto que dura cerca de 1h30, pois as unidades de ensino do seu bairro não têm recursos de acessibilidade para garantir seu aprendizado.

Luzinete Brandão passa por uma situação parecida. Pega dois ônibus para levar sua filha Evellyn, de 9 anos, que tem TEA e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) para a escola. Chegando lá, espera a manhã toda, pois não consegue custear a passagem para voltar para casa. "Ela fica nervosa no ponto de ônibus esperando, às vezes a gente fica mais de uma hora”, conta Luzinete, que define a situação como desumana.

A professora Maria Rosalina, que abraçou a causa do transporte adaptado e gratuito para essas e outras tantas famílias, defende uma mudança de atitude dentro das escolas, com acesso, acolhimento e ensino de qualidade. Em suas aulas de Geografia, costuma conscientizar os estudantes sobre o tema. “Precisamos ter um olhar acolhedor às pessoas com deficiência, não só dentro da sala de aula, mas na comunidade e na família”, afirma.

O t ransporte adaptado, ao qual Murilo tem acesso, ainda é desafio em muitas localidades  brasileiras. Foto: Ricardo Lima/NOVA ESCOLA.

Acessibilidade além das rampas

“Um dos principais desafios da inclusão é a questão da acessibilidade atitudinal. Isso porque a acessibilidade vai muito além de barreiras arquitetônicas, que são fáceis de eliminar. Mas nas questões atitudinais e de comunicação, ainda encontramos muitas barreiras”, explica Kátia, do IRM.

Ela exemplifica que estudantes nem sempre têm um intérprete de Libras em sala de aula, então falta acessibilidade comunicacional. Além disso, diz que é preciso melhorar a postura de professores e gestores escolares: eles precisam fazer valer a ideia de que todas as crianças e adolescentes estão na escola para aprender, respeitando qualquer diversidade.

Para Kátia, é necessário que os estudantes com deficiência sejam ouvidos para que suas demandas possam ser atendidas. “Dificilmente se pergunta ao aluno com deficiência qual a necessidade e habilidade dele. É comum chamar a família para conversar, sem perguntar diretamente para a pessoa. Vale a pena criar meios da criança dar essas respostas. Se ela não fala, que seja por meio de figuras, por exemplo, mas que ela nos conte o que precisa”, aconselha a especialista. No botão abaixo disponibilizamos um passo a passo mapear a mobilidade na escola.

confira roteiro

Na escola Residencial Bordon, de Sumaré (SP), foi ouvindo os estudantes com deficiência que a gestão descobriu que o banheiro adaptado da unidade atende à demanda física dos alunos com deficiência, mas não à demanda social. Os banheiros adaptados são separados dos comuns, e uma estudante que usa cadeira de rodas afirmou que gostaria de usar o mesmo banheiro das amigas, para socializar e tirar fotos no espelho.

Além de ouvi-los, Kátia afirma que os professores precisam colocar os estudantes com deficiência no planejamento das aulas. Não raro, as propostas são voltadas para os alunos sem deficiência, e os demais fazem apenas atividades adaptadas. “É necessário pensar nas especificidades e em como eu posso proporcionar atividades oferecendo diferentes meios e modos para que todos possam acessá-las”, comenta.

Do ponto de vista da gestão escolar, é importante articular meios de garantir tanto a acessibilidade arquitetônica como a atitudinal. Na EE Residencial Bordon, as coordenadoras promovem formação docente sobre o tema acessibilidade. “Não dá para esperar que os estudantes sejam inclusivos com colegas se os professores não tiverem uma postura inclusiva, então esse é um trabalho constante”, conta Fernanda. 

Além de procurar conhecer os estudantes com deficiência, seus gostos e habilidades, outra mudança de atitude positiva na comunidade escolar é adotar uma linguagem adequada para falar sobre o tema. Gestão e professores devem utilizar os termos corretos e ensinar os estudantes. Confira um glossário clicando aqui.

5 dicas para tornar a escola mais acessível

Professores e gestores podem mudar suas atitudes para criar um ambiente mais inclusivo.

Conheça os alunos

É importante ouvir os estudantes com deficiência, conhecendo tanto suas habilidades como suas necessidades e também o quanto se sentem respeitados e considerados na escola;

Pergunte e procure soluções

Investique aos alunos com deficiência se eles sentem falta de algum item de acessibilidade na escola e tente encontrar formas, junto da comunidade escolar, de quebrar essas barreiras, sejam elas físicas ou atitudinais;

Considere os alunos com deficiência no planejamento

As atividades precisam ser acessíveis a todos, garantindo que todos aprendam;

Forme parcerias

A gestão escolar precisa formar parcerias, com associações locais ou com o centro de saúde do bairro, para oferecer recursos adicionais que não existem na escola;

Discuta o tema

Os gestores devem debater o tema da acessibilidade com os professores que, por sua vez, podem promover atividades sobre a temática com os estudantes.

Acessibilidade e Educação Inclusiva em pauta

A aprendizagem do aluno com deficiência depende de uma i nclusão  bem feita na escola, e ela vai além da  acessibilidade Foto: Ricardo Lima/NOVA ESCOLA.

Dentro da sala de aula, também é importante abordar a acessibilidade. Maria Rosalina costuma pedir às crianças e adolescentes que relatem sobre ocasiões em que convivem com pessoas com deficiência e como costumam tratá-las. A partir dessas experiências, a professora discute o tema com os estudantes, promovendo questionamentos e reflexões.

Aproveitando a chegada de colegas que usam cadeira de rodas na escola, Maria Rosalina incentivou os estudantes a realizarem com eles pesquisas sobre acessibilidade e direitos de pessoas com deficiência. Além de ter sido uma forma de acolher os novos alunos, a turma aprendeu sobre o tema e desenvolveu protagonismo durante o processo de entrevistas. 

Atividades desse tipo são essenciais mesmo quando não há estudantes com deficiência na escola ou na turma. "As pessoas com deficiência também frequentam outros espaços, e os alunos têm contato com elas em shoppings e praças, então vale reforçar a importância do respeito à diversidade”, afirma Kátia.

Murilo, por exemplo, foi convidado para fazer uma apresentação sobre esportes paraolímpicos para uma turma do 8º ano na aula de Educação Física. Protagonista da atividade, ele pôde ensinar aos colegas sobre uma das temáticas que mais gosta: o esporte. Outra possibilidade para envolver os estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental é promover uma expedição para verificar e mapear a acessibilidade no prédio e no pátio da instituição – roteiro disponibilizado acima pode auxiliar nesse trabalho.

“Ao final das etapas, os alunos terão produzido um mapa da escola em que será possível visualizar as condições de mobilidade que ela oferece e, sobretudo, o que precisa ser melhorado”, explica Gunga Castro, que ressalta como o aspecto formativo deste processo é tão importante quanto as melhorias que podem ser feitas na escola. 

Consultoria: Maria da Paz (Gunga) Castro, educadora, formadora de professores e especialista em inclusão. 

* A reportagem procurou a prefeitura de Campo Grande para comentar sobre o transporte gratuito especializado, já que as três mães que passam por dificuldades de mobilidade moram naquela cidade, mas não obteve resposta a tempo. Ressaltamos que as situações foram relatadas para exemplificar a questão, que não é um problema apenas na capital de Mato Grosso do Sul, mas em muitos municípios do país.

Acesse aqui a página especial do projeto Cidadania em Movimento e conheça todos os conteúdos da parceria entre a NOVA ESCOLA e a Fundação Grupo Volkswagen.